Observador - 28 abr. 00:02
Averiguação Preventiva versus Inquérito
Averiguação Preventiva versus Inquérito
Entre uma averiguação preventiva e a abertura de inquérito judicial, qual deve ser a escolha?
O Ministério Público abriu, recentemente, duas averiguações preventivas a Luís Montenegro e a Pedro Nuno Santos: uma à empresa familiar do primeiro-ministro e presidente do PSD, Spinumviva, e outra à aquisição de dois imóveis por parte do secretário-geral do PS.
A convicção geral das pessoas radica no próprio nome conferido ao instituto, transmitindo-se uma perceção pública de pré-inquérito jurídico-criminal.
O que são, então, as averiguações preventivas que tanto têm preenchido as notícias? Antes do mais, “ações de prevenção” é o nome correto o qual está plasmado no 1º artigo da Lei 36/94, de 29 de setembro, intitulada «Medidas de Combate à Corrupção e Criminalidade Económica e Financeira». E, de acordo com o citado artigo, é prerrogativa e competência do Ministério Público e da Polícia Judiciária, enquanto OPC (órgão de polícia criminal), realizar ações de prevenção relativamente a uma panóplia de crimes económicos e financeiros.
O artigo 3.º daquele diploma consigna que “logo que, no decurso das ações descritas no artigo 1.º, surjam elementos que indiciem a prática de um crime, é instaurado o respetivo processo criminal.”
Contudo, a questão que pertinentemente se coloca hoje é, qual a razão pela qual aquele procedimento criminal não ser instaurado ab initio, porquanto o inquérito (fase inicial de um procedimento criminal) compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a sua responsabilidade e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação.
Por outro lado, o denominador comum aos casos de Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos são as denúncias anónimas. Em complemento, o artigo 246.º do CPP consagra que a denúncia anónima só pode determinar a abertura de inquérito se a) dela se retirarem indícios da prática de crime; ou, b) constituir crime. Por outro lado, é o próprio artigo 241.º do CPP que, com o título “Aquisição da notícia do Crime”, articulado com o artigo 262.º do mesmo código, que confere ao Ministério Público, não a prerrogativa, antes a obrigatoriedade de, ressalvadas algumas exceções previstas no diploma, proceder à abertura de inquérito.
Então, entre uma averiguação preventiva e a abertura de inquérito judicial, qual deve ser a escolha?
Antes de responder, devo manifestar o entendimento de que, nos casos concretos, envolvendo políticos com responsabilidades no país, o Ministério Público procurou, agora, arrepiar caminho nos trilhos antes percorridos quando, no famoso parágrafo de um comunicado, datado de 7 de novembro de 2023, anunciou que António Costa era visado, que aqui recordo.
No decurso das investigações surgiu, além do mais, o conhecimento da invocação por suspeitos do nome e da autoridade do Primeiro-Ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos no contexto suprarreferido. Tais referências serão autonomamente analisadas no âmbito de inquérito instaurado no Supremo Tribunal de Justiça, por ser esse o foro competente.
Ora, todos sabemos quão mal correu este parágrafo em termos materiais, além da repercussão pública e política. Contudo, não é despiciente reiterar a separação de poderes. Isto é, atendível que é uma inversão do caminho, com base nos disparates do passado, tal não vincula que a classe política tenha, em si, qualquer espécie de tratamento espacial. Não colhe que face ao desfecho de 2023, em 2025 sejam percorridos caminhos outros, quiçá rebuscados, com base numa lei de 1994, para evitar que nomes sonantes do contexto político sejam constituídos arguidos num qualquer processo crime.
E repare-se. Em Portugal um arguido é imediatamente sinónimo de culpado. Isto é um erro. Um arguido não é um acusado e um acusado não é um condenado. A constituição de arguido é, antes de mais, o assegurar o exercício de direitos e de deveres processuais a quem assume tal qualidade, conforme o artigo 61.º do CPP. E não é um drama.
Abro um parêntesis. Defendo que nenhum arguido deve ser privado do exercício de funções e cargos políticos, por uma razão simples, é que sobre ele recai – ainda que se force o contrário – uma presunção de inocência. Essa presunção cessa, comente, após transito em julgado da sentença condenatória, isto é, insuscetível de recurso. No limite, no limite, insisto, enquanto não houver acusação do MP (nunca particular), ninguém deve ser privado do exercício da função política, muito menos julgado em praça pública. Mais. A presunção de inocência é um princípio constitucional. Encerro o parêntesis.
Assim, pessoalmente, pugno pela abertura do inquérito, isto é, entendo que nos casos acima expostos, como noutros similares, em que não se procuram ações de prevenção, porquanto existem denúncias objetivas, concretas e os denunciados são, também eles, concretos, identificados, ao invés de identificáveis em situações meramente abstratas, devem ser abertos os respetivos inquéritos.