observador.ptObservador - 28 abr. 00:09

Prisões: o silêncio em período de campanha eleitoral

Prisões: o silêncio em período de campanha eleitoral

A modernização do sistema prisional não pode ser um tema ignorado ou fracturante nesta campanha eleitoral. É um domínio de intervenção pública que exige racionalidade, planeamento e compromisso.

Em campanha eleitoral e quase na reta final dos debates televisivos, quando a atenção pública se centra em promessas visíveis e em temas com impacto direto no quotidiano dos eleitores, há áreas estruturais da nossa sociedade que permanecem à margem do debate. Refiro-me por exemplo à justiça, à sua eficácia, à execução de penas e medidas – e ao sistema prisional. Longe dos escândalos pontuais e da reação mediática imediata, a ausência do tema na campanha eleitoral tem sido constante, revelando a invisibilidade social das prisões, das pessoas que ali cumprem penas e dos profissionais que asseguram o seu funcionamento.

Não é um silêncio fortuito. A polarização das posições em torno das políticas de justiça criminal torna este tema num terreno delicado para qualquer candidato. A tentação do discurso simplista e punitivo traduz-se numa narrativa centrada na repressão e na dissuasão, relegando para segundo e terceiro plano dimensões fundamentais como a reabilitação, a reinserção social e a gestão eficiente dos recursos públicos. A pena tem, por definição, várias funções: punir, proteger a sociedade, dissuadir o crime, mas também contribuir para a reabilitação e a reintegração do indivíduo. Uma política pública equilibrada deve, por isso, atender a todas estas dimensões.

A complexidade do tema, associada à ausência de resultados de curto prazo, contribui para o seu afastamento da agenda política das campanhas e debates. A população prisional não tem peso eleitoral direto. Os seus familiares têm visibilidade política limitada. Os profissionais do sistema – guardas prisionais, técnicos, educadores, psicólogos e profissionais de saúde, entre tantos outros – apesar de representarem um corpo funcional essencial à segurança coletiva, continuam a actuar sob condições exigentes, com reconhecimento institucional e público claramente insuficiente.

Segundo dados da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, em março de 2025 existiam em Portugal 12.543 pessoas privadas de liberdade. A taxa de ocupação dos estabelecimentos rondava os 98%, num contexto em que persistem constrangimentos crónicos relacionados com infraestrutura, meios técnicos e tecnológicos, sobrelotação (em estabelecimentos prisionais específicos), escassez de recursos humanos e necessariamente de capacidade de intervenção com respostas especializadas.

O custo anual direto estimado de uma pessoa privada de liberdade ultrapassa os 25 mil euros, valor a que acrescem os impactos patrimoniais do crime, a perda de rendimento por parte das vítimas e por vezes das suas famílias, a quebra de rendimento dos agregados familiares dos reclusos, o custo de uma vida não produtiva de quem está preso e os efeitos na qualidade de vida e na perceção de segurança pública.

O investimento público mal sucedido no cumprimento de uma pena curta, média ou longa, pode assim representar um encargo superior ao investimento anual num estudante do ensino superior, ao cuidado anual de uma pessoa idosa dependente, ao custo de aquisição de uma habitação numa zona urbana, ou mesmo à soma de todos os rendimentos de um agregado familiar ao longo de uma vida (quando do cumprimento de penas longas se trate).

Ignorar o sistema prisional é uma decisão politicamente cómoda, mas estrategicamente curta. Um sistema que falhe na sua função de reabilitação tende a reproduzir ciclos de reincidência, com impacto direto na segurança pública, na economia e na coesão social.

A sua modernização deve ser, neste contexto, uma prioridade. Implica repensar a prisão, a sua necessidade, e intervenção com quem está preso. Implica pensar e investir em medidas alternativas ao encarceramento (para ofensores de baixo e médio risco). Implica investir na renovação das infraestruturas, investir em tecnologia, na formação contínua dos profissionais, no reforço do pessoal de segurança e das equipas técnicas, e investir em ciência, em investigação, no desenvolvimento e aplicação de programas de reabilitação e reintegração baseados em evidência.

Nesta campanha eleitoral, a modernização do sistema prisional não pode ser um tema ignorado ou fracturante. É um domínio de intervenção pública que exige racionalidade, planeamento e compromisso. Colocar a questão na agenda política é reconhecer que a segurança pública se constrói tanto com medidas de contenção como com estratégias de prevenção, reabilitação e inclusão.

Esta matéria deveria ser parte do debate público e político desta campanha eleitoral. Tratar com seriedade a execução de penas e medidas (e as prisões) é um sinal de maturidade democrática. Em Portugal, como em qualquer país, a forma como o Estado organiza e gere este sistema diz muito sobre a solidez das suas instituições e sobre a qualidade da sua governação.

Ainda estamos a tempo.

NewsItem [
pubDate=2025-04-28 01:09:06.0
, url=https://observador.pt/opiniao/prisoes-o-silencio-em-periodo-de-campanha-eleitoral/
, host=observador.pt
, wordCount=715
, contentCount=1
, socialActionCount=0
, slug=2025_04_27_176861306_prisoes-o-silencio-em-periodo-de-campanha-eleitoral
, topics=[eleições legislativas, justiça, opinião, prisões, política, legislativas 2025]
, sections=[opiniao, sociedade, actualidade]
, score=0.000000]