Observador - 28 abr. 00:08
Pluralismo à la Carte: A Mesma Degustação Servida em Pratos Diferentes
Pluralismo à la Carte: A Mesma Degustação Servida em Pratos Diferentes
Chamam-lhe pluralismo, mas é uma curadoria rigorosa: opiniões servidas com sotaque distinto e pensamento igualitário — sempre em defesa da democracia, claro.
Vivemos tempos verdadeiramente fascinantes.
Não tanto pela riqueza dos debates políticos propriamente ditos — esses seguem o seu curso habitual — mas sobretudo pelo fenómeno que acontece depois: a interpretação mediática.
Terminados os debates, entra em cena o verdadeiro espetáculo: o desfile de especialistas prontos a explicar-nos o que realmente vimos.
E aqui, de facto, reina uma harmonia admirável: diferentes rostos, diferentes tons — mas sempre a mesma linha de pensamento.
Sobre certos fenómenos políticos, a unanimidade é quase comovente: todos concordam, em uníssono, sobre quem deve ser condenado, quem é uma ameaça, quem precisa de ser domesticado.
Não se debate: confirma-se.
Não se questiona: corrige-se.
A opinião divergente foi cuidadosamente substituída pela coragem de repetir o que toda a gente sabe que é o certo.
Aliás, não há já verdadeiro suspense.
O debate político em horário nobre tornou-se uma espécie de teatro interativo onde o público pode aplaudir ou assobiar — mas onde a crítica especializada já escreveu a peça antes do pano subir.
A cada confronto, já se sabe quem será o “estadista ponderado”, quem será o “populista desvairado” e quem sairá “claramente derrotado”, mesmo que tenha deixado o adversário sem resposta.
Se, por absurdo, alguém ousar dominar o tempo, a linguagem ou até a indignação do adversário, o veredicto será o mesmo: perdeu.
Não por aquilo que disse — mas porque quem decide já sabia que ele teria de perder.
A nova gramática política é isso: já não há pontuação sem filtro.
O “ganhou o debate” foi substituído por “foi eficaz, mas…”.
Há sempre um “mas”.
A objetividade tornou-se um luxo ultrapassado, e o “jornalismo de causas” — nome bonito para militância travestida de análise — tomou o lugar do contraditório plural.
E os protagonistas desta coreografia são sempre os mesmos:
As Anas, que sorriem com pesar e falam da “normalização do populismo”.
Os Anselmos, que citam Tocqueville com a ligeireza de quem esqueceu que ele desconfiava das elites.
Os Bernardos, sempre prontos a recordar-nos que “a democracia não é só votar”.
As Mafaldas, que encontram a raiz de todos os males no défice de workshops de cidadania.
Os Ricardos, mestres da ironia inofensiva.
E os Ruis, vigilantes da moderação domesticada.
São nomes bonitos, impecavelmente articulados, cuja diversidade reside mais nos tons de bege das suas roupas do que nas ideias que defendem.
É bonito de ver.
Naturalmente, há fenómenos políticos que somam centenas de milhares de votos e que continuam a ser representados nos estúdios pela ausência.
Ninguém que simpatize, mesmo que de forma crítica, é chamado a comentar.
Ninguém que ouse sugerir que talvez — apenas talvez — a realidade seja um pouco mais complexa.
Ninguém que perturbe a harmonia tão laboriosamente construída.
O debate serve, afinal, como mero pretexto para reforçar convicções pré-instaladas e garantir que ninguém, fora do círculo aprovado, possa ser visto como vencedor.
Nem que o seja.
A verdadeira arte, hoje, não está em argumentar melhor.
Está em disfarçar de avaliação técnica aquilo que é, no fundo, um juízo moral cuidadosamente envernizado de indignação cívica.
Assim se declaram derrotados aqueles que colocaram os adversários em xeque.
Assim se salvam, com elogios de circunstância, performances frouxas mas moralmente aceitáveis.
A encenação é tão refinada que até o mais distraído começa a perceber que há ali um guião secreto.
Não há silêncios que valham, nem tiradas certeiras que convençam.
A narrativa está blindada.
Entretanto, nas reportagens, nos debates, nos painéis de análise, repete-se o mesmo gesto:
Apontar, classificar, deslegitimar.
Sempre com o ar sério de quem salvaguarda a ordem pública — e o futuro da democracia.
Há algo de reconfortante nesse ritual.
Permite-nos dormir tranquilos, certos de que o mundo está como deve estar: com os bons sempre certos e os maus sempre malcriados.
Mas também há algo de profundamente hipócrita.
Porque enquanto se protege a narrativa, perde-se a realidade.
E a realidade, essa criatura inconveniente, tem a mania de furar bolhas — às vezes nas urnas, às vezes nas ruas, muitas vezes nas redes.
Lá fora, há os “Carlos”, “Sílvias”, “Vanessas” e “Abduls” que não foram convidados para o painel.
Que votam, que pensam, que desconfiam — sem pedir licença.
Mas no estúdio reina a paz.
A pluralidade, devidamente curada, permanece intacta.
E nós, espectadores agradecidos, podemos dormir tranquilos: a democracia foi, mais uma vez, salva por quem sabe salvá-la.
Ou assim nos dizem.
E no fim?
No fim, não é preciso convencer as pessoas — basta ensiná-las a interpretar os seus próprios olhos