observador.ptObservador - 28 abr. 00:06

Feriados, Factos e Fábulas: quando até Louçã se lembra da realidade (por instantes)

Feriados, Factos e Fábulas: quando até Louçã se lembra da realidade (por instantes)

Propõem-se fábulas alegremente; mas quando os factos mostram as consequências, os factos desaparecem como que por magia.

No debate entre Mariana Mortágua e Rui Tavares, marcado por (muito) poucas divergências e um elevado teor de sedução política à esquerda, o que acabou por ditar o fait divers nas redes sociais foi a frase proferida pela líder bloquista que, de forma demasiado simplista, acolheu com entusiasmo a proposta de um novo feriado. No seu entender, este seria “mais um dia de salário sem trabalho”, que paradoxalmente se traduziria num aumento da produtividade.

As redes sociais encheram-se de críticas, primeiro colocando em causa o conteúdo e a credibilidade da formação académica de Mariana Mortágua, bem como os fundamentos da sua afirmação sobre produtividade. Como é habitual, Francisco Louçã não tardou a intervir nas redes, surgindo em defesa da sua discípula, através de um vídeo em que apelava à interpretação rigorosa dos factos.

Quem tem razão? Na minha opinião, nenhuma das partes. E a falta de razão não reside tanto no conteúdo, mas sim na forma como colocada. Um feriado adicional, por si só, não representa uma revolução na produtividade, nem será uma mais-valia significativa para alavancar o desempenho nos restantes dias úteis. Ainda assim, é consensual que o descanso e o lazer contribuem, sem dúvida, para a recuperação física e mental das exigências da vida pessoal e profissional.

Mas vamos por partes.

Francisco Louçã, na sua argumentação, faz uma analogia com o momento histórico em que se retiraram 52 dias de trabalho ao ano — ou seja, quando a semana laboral passou de seis para cinco dias. É verdade que, desde então, se registaram aumentos consistentes na produtividade. No entanto, estes ganhos não se deveram apenas ao maior descanso dos trabalhadores. Houve igualmente avanços significativos em múltiplas frentes: desenvolvimento tecnológico, automatização e automação de processos, inovação organizacional, e melhoria nas condições laborais. Todos estes fatores, combinados, contribuíram para o aumento da eficiência.

Quando Louçã menciona os modelos de trabalho de quatro dias por semana ou jornadas de 35 horas, reafirma a ideia de que isso se traduz em ganhos de produtividade. Mas será mesmo assim? Imaginemos que um decreto-lei impõe uma semana de quatro dias de trabalho sem qualquer reforma estrutural que o acompanhe. Todas as empresas, sejam públicas ou privadas, continuam a ter de responder à mesma procura, mas agora com uma redução de horas de trabalho humano e tempo de operação de máquinas que não são totalmente autónomas. Para manter o mesmo nível de produção, será necessário contratar mais pessoal ou recorrer a mais horas extraordinárias, o que implicará um aumento nos custos de mão-de-obra. Inevitavelmente, esses custos serão repercutidos no consumidor final.

Este exemplo, ainda que simplificado, ilustra de forma realista que medidas isoladas raramente produzem os efeitos desejados. São necessárias reformas estruturais e complementares para que tais propostas tenham sustentabilidade e impacto positivo no médio e longo prazo.

E já agora, enquanto andamos à caça de factos com lupa — onde estão eles quando se discute, por exemplo, a descida do IRC em países como a Irlanda, Hungria ou Chequia, que conseguiram aumentar a receita fiscal mesmo baixando as taxas? A Hungria, com um IRC de apenas 9%, aumentou a colecta e atraiu investimento. A Chequia seguiu caminho semelhante, com resultados positivos no crescimento económico. A Irlanda tornou-se referência, não só pelo IRC a 12,5% durante anos, mas também pelo sucesso em atrair empresas tecnológicas e financeiras. E no IRS? A Irlanda voltou a surpreender ao reduzir o imposto sobre o rendimento, acompanhando essa medida com crescimento económico superior ao português, e reforçando a competitividade e a retenção de talento. Mas quando estes dados aparecem, o discurso muda: são logo apelidados de “dumping fiscal” ou “realidades muito específicas”. Nessa altura, os factos já não interessam. Afinal, parece que a ciência económica só tem validade quando serve o argumento.

Pena que o entusiasmo factual desapareça quando o tema são propostas como os tetos nas rendas, ignorando as evidências da retração da oferta habitacional e da fuga de investimento. Ou quando se fala em congelar preços dos bens alimentares, como se não tivéssemos exemplos suficientes, veja-se a Argentina onde essas políticas resultaram em escassez e mercados paralelos. Ou ainda quando se propõe o aumento do salário mínimo sem crescimento económico correspondente, como aconteceu em Portugal na última década, em que o salário mínimo subiu quase 50% enquanto a produtividade ficou praticamente estagnada e o ordenado médio está cada vez mais próximo do salário mínimo. Aqui, os factos desaparecem como por magia. E claro, quando se entra na dimensão ideológica, o caso é ainda mais grave: Lenine, Estaline, Trotsky, Mao, Pol Pot… todos deixaram rastos de miséria e milhões de mortos. Mas continuam, em certos círculos, a ser citados com indulgência. Porque quando os factos são incómodos, não se usam. Ou reinterpretam-se, se der jeito.

E como cereja no topo da narrativa, Louçã encerra o seu devaneio intelectual com mais uma pérola: a insinuação de que, se a direita chegar ao poder, “reintroduzirá” o trabalho ao sábado. Um clássico da demagogia, com direito a nostalgia operária. A ameaça imaginária serve apenas para manter o espantalho vivo e alimentar o velho truque do medo. Porque se não colar com factos, sempre pode colar com fantasmas.

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