observador.ptObservador - 28 abr. 00:12

Obesidade: a doença silenciosa e desvalorizada que adoece o coração

Obesidade: a doença silenciosa e desvalorizada que adoece o coração

Com cerca de 30% dos adultos obesos e 70% com excesso de peso, os números são alarmantes e colocam o nosso país entre os mais afetados na Europa. A obesidade é um grave fator de risco cardiovascular.

É uma das questões mais graves e urgentes de saúde pública em Portugal. Com 28,7% dos adultos obesos e 67,6% com excesso de peso, os desafios são crescentes. Estes dados não são apenas um reflexo de hábitos alimentares ou de estilo de vida, mas também um sinal claro de que a obesidade precisa ser tratada com seriedade, pois é uma doença crónica e multifatorial, ou seja, dependente de muitos fatores.

A obesidade está diretamente associada a diversas doenças cardiovasculares, como o enfarte do miocárdio, o AVC e a diabetes tipo 2 — três das condições mais prevalentes e que têm um impacto devastador na saúde da população. O facto de a obesidade ser um fator chave no aumento da mortalidade cardiovascular é algo que não podemos ignorar. O excesso de gordura corporal provoca uma série de efeitos negativos no organismo, como resistência à insulina, inflamação crónica, aumento da pressão arterial e alterações no perfil lipídico [avaliação que permite medir os níveis de diferentes tipos de gordura no sangue, incluindo o colesterol total, o mau colesterol (LDL), o bom colesterol (HDL) e os triglicéridos]. Estes fatores tornam o corpo mais vulnerável e criam um ambiente ideal para o desenvolvimento de doenças do foro cardiovascular graves. Ignorar este contexto é dar margem a um ciclo de saúde fragilizada e de sofrimento para os doentes.

Embora fatores comportamentais e ambientais influenciem a prevalência da obesidade, não podemos desconsiderar o papel fundamental da genética. Acredito que uma abordagem eficaz deve levar em conta a predisposição genética de cada doente. Nem todas as pessoas têm a mesma facilidade ou dificuldade em controlar o peso, e isso está diretamente relacionado a genes que influenciam o metabolismo, o apetite e a resposta hormonal. Para muitas pessoas, a luta contra o peso é quase uma batalha biológica, mais difícil de vencer do que para outras, o que reforça a necessidade de um tratamento personalizado e com compreensão das suas condições individuais.

O tratamento da obesidade deve envolver várias especialidades e ser adaptado a cada caso. Acredito que a terapia comportamental é uma das chaves para o sucesso a longo prazo. Não basta apenas mudar os hábitos alimentares ou aumentar a atividade física; a pessoa precisa de apoio para lidar com questões emocionais e psicológicas que frequentemente acompanham o processo de emagrecimento.

Relativamente aos medicamentos que temos disponíveis, a tirzepatida representa uma verdadeira revolução no tratamento da obesidade, atuando em dois mecanismos, não só ajudando a reduzir o apetite e aumentando os níveis de saciedade, mas também regulando os níveis de glicose. O que mais impressiona é o impacto que esse medicamento pode ter no dia a dia do doente e a nível socioeconómico, com menos gastos em internamentos, procedimentos invasivos e reabilitação a longo prazo no tratamento das doenças associadas à obesidade. Os estudos mostram que a perda de peso foi superior a 20%, um resultado notável que pode rivalizar com o que a cirurgia bariátrica alcança, mas sem os riscos e a complexidade de uma cirurgia.

Existem outros medicamentos, como é o caso do semaglutido e do liraglutido, que têm sido muito usados e têm demonstrado ser uma ferramenta eficaz na perda de peso em muitos doentes. Não podemos subestimar o impacto que esses medicamentos têm na vida dos doentes e na forma como a obesidade pode ser tratada, mesmo em estádios mais avançados.

Porém, os medicamentos, embora inovadores e eficazes, não devem ser vistos como uma solução isolada. Nos casos mais graves de obesidade, a cirurgia bariátrica continua a ser uma opção válida, com resultados impressionantes na perda de peso e remissão de várias doenças. No entanto, creio que essa decisão deve ser tomada de forma cuidadosa e ap��s avaliação de uma equipa com profissionais de várias especialidades, garantindo que o doente tenha suporte psicológico e acompanhamento contínuo.

Acredito também que, para que qualquer abordagem seja verdadeiramente eficaz, deve haver uma articulação coesa entre os cuidados de saúde primários e os cuidados hospitalares. A integração entre médicos de família e hospitalares é crucial. Os médicos de família têm um papel central na identificação precoce da obesidade, no seguimento contínuo e no apoio ao doente em todas as etapas do tratamento. Já os médicos hospitalares — incluindo endocrinologistas, internistas, cardiologistas e cirurgiões — desempenham uma função indispensável na abordagem das complicações. Essa colaboração entre níveis de cuidados é fundamental para evitar fragmentação e garantir um tratamento contínuo e eficaz.

Em suma, a obesidade deve ser tratada com a seriedade que merece. Ela não é apenas uma questão de estética ou disciplina pessoal, mas uma doença crónica e sistémica que afeta múltiplos órgãos e compromete a qualidade e a esperança de vida. Na minha opinião, o sucesso no tratamento da obesidade depende de uma resposta coordenada e integrada, envolvendo todos os profissionais de saúde e as instituições, garantindo que cada doente receba um cuidado holístico, adaptado às suas necessidades.

Susana Silva Pinto é médica assistente de Medicina Geral e Familiar na USF S. Tomé – ULS Médio Ave, doutorada em Medicina e professora auxiliar convidada na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. É ainda membro do núcleo coordenador do Grupo de Estudos de Doenças Cardiovasculares da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar e editora da Revista Portuguesa de MGF. É uma das cronistas convidadas do Arterial, a secção do Observador totalmente dedicada às doenças cérebro-cardiovasculares.

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Arterial é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com doenças cérebro-cardiovasculares. Resulta de uma parceria com a Novartis e tem a colaboração da Associação de Apoio aos Doentes com Insuficiência Cardíaca, da Fundação Portuguesa de Cardiologia, da Portugal AVC, da Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral, da Sociedade Portuguesa de Aterosclerose e da Sociedade Portuguesa de Cardiologia. É um conteúdo editorial completamente independente.

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