Observador - 28 abr. 18:54
Apagão. Não aprendemos nada com a pandemia?
Apagão. Não aprendemos nada com a pandemia?
Há cerca de um mês, a Comissão Europeia sugeriu que tivéssemos um kit de emergência em casa. Mas, claro a corrida às pilhas só começou hoje. E quando vamos voltar a açambarcar papel higiénico?
Às 11h34 de hoje, perante a quebra geral de energia, o gerador do Observador começou a trabalhar.
Às 11h39 foi publicada no site do jornal a primeira referência ao apagão que, pelo que se sabia na altura, afetava várias zonas de Portugal e de Espanha. Às 11h41 demos conta na antena da rádio do que se estava a passar.
Às 12h16, no grupo interno do WhatsApp do jornal, surgia a primeira fotografia do supermercado no final da rua de portas fechadas.
E, às 12h28, chegou a primeira mensagem de uma outra categoria: pilhas esgotadas numa loja perto da casa de um amigo. Velas, havia uma. Comprou-a ele.
Menos de uma hora depois do corte elétrico cujas causas estão, a esta hora, ainda a ser apuradas, já havia um aumento grande na procura dessas pequenas fontes de energia. “Será um instante até começarem as fotos de malta a açambarcar rolos de papel higiénico”, brincou outro amigo, lembrando o que aconteceu no primeiro confinamento provocado pela pandemia de Covid-19: corredores de supermercado com produtos em rutura de stock, nomeadamente esse bem promovido a essencial se algum dia nos faltasse.
E agora? O que vai acontecer? Que produtos irão esgotar? Os rádios de pilhas? Os fósforos? Os carregadores a anergia solar? As lanternas? As geleiras e sacos térmicos portáteis que se ligam ao isqueiro dos carros?
Não sabemos ainda quanto tempo será necessário até estar tudo ultrapassado, nem sequer as extensões desta gigantesca falha de energia que está a afetar milhões de pessoas e que já é notícia noutros países. Logo ao final da manhã começaram a surgir as habituais notícias falsas sobre a causa do apagão (que, embora desmentidas, continuam a circular) e começaram também a chegar as teorias da conspiração sobre o que terá acontecido.
Mas, pior que isso, chegaram os registos de engarrafamentos, de comunicações afetadas, de aeroportos fechados, de hospitais a ativar planos de contingência, de medicamentos transportados para locais onde possam ser refrigerados, de recomendações para o uso responsável da água. O Governo criou um grupo de trabalho, o Primeiro-Ministro falou ao país, a Proteção Civil reuniu o Centro de Coordenação Operacional Nacional.
Não sabemos ao certo como começou. Não sabemos quando tempo vai durar. Não sabemos como vai acabar. Mas uma coisa sabemos: perante um perigo real ou um contexto de pânico, não estamos mesmo preparados para situações destas.
Há cerca de um mês, a Comissão Europeia sugeriu que cada agregado familiar dos países-membros tivesse em casa um kit com água, alimentos, medicamentos, pilhas e baterias. O objetivo: a preparação para 72 horas sem ajuda externa. O motivo: uma situação de guerra.
Não sei se a recomendação teve algum efeito para além dos comentários e análises na comunicação social, mas sei que só agora, com o que está a acontecer, é que a corrida às pilhas está ao rubro – nos sítios onde ainda as consigam encontrar.
Às 13h11 de hoje, graças a um terminal multibanco que ainda tinha bateria na loja a que fui, comprei um garrafão que já enchi com água, duas velas (já só havia das grandes), pilhas caras (as baratas já tinham ido) e um pequeno rádio transístor pelo qual paguei 8,95 euros. Talvez a esta hora já esteja mais caro. Ou talvez já tenha esgotado. Mas não tenho dinheiro vivo preparado para alguma eventualidade, não tenho latas de atum sempre em reserva, não tenho um colete refletor nem cópias dos meus documentos numa bolsa de emergência em casa. Não tenho eu e não têm as milhares de pessoas que, por esta hora (escrevo ao final da tarde) já terão acorrido aos supermercados — a maioria de portas fechadas.
Talvez nunca estejamos verdadeiramente preparados para estas coisas. Quem diria, há uns anos, que iríamos passar por uma pandemia e que teríamos de ficar confinados? Quem diria, há uns anos, que teríamos novamente guerra na Europa? Quem diria, há uns anos, que um dia a luz podia faltar em dois países – e parte de outros?
Bem vistas as coisas, talvez a única dimensão em que já estamos um pouco melhor preparados seja a da saúde mental. Depois de tudo o que passámos há cinco anos, é possível que tenhamos conquistado algumas ferramentas para situações destas. Talvez agora lidemos melhor com a ansiedade. Mas ainda temos muito para andar no que toca a pilhas e garrafões de água.