Observador - 29 abr. 00:04
A grande inovação que a política portuguesa precisa é emocional
A grande inovação que a política portuguesa precisa é emocional
Mais de metade dos portugueses acredita que a gestão política devia inspirar-se no mundo empresarial, para importar o que falta à política: foco, clareza, responsabilidade.
Vivemos tempos em que a confiança já não se compra com promessas nem se conquista com slogans. Já ninguém acredita em cartazes bonitos ou em discursos decorados. O povo português não está apenas à espera de um novo governo, está à espera de uma nova forma de ser governado.
Um estudo recente conduzido pelo Produto do Ano, junto de um painel da CINT, mostra-nos aquilo que já se sente nas ruas, nas mesas de café e nas conversas de família: os portugueses estão cansados. E este cansaço não é de agora, é um cansaço que se foi acumulando, silenciosamente, ao longo de décadas.
Cansados da corrupção (42% dos inquiridos exige prioridade no combate a este flagelo).
Cansados da opacidade que devora a confiança como uma ferrugem escondida.
Cansados de eleições que, para 62%, já não representam esperança nem mudança, mas a confirmação de um sistema que gira sobre si próprio: sem rumo, sem alma, sem impacto real na vida das pessoas.
Mas este estudo não é apenas um espelho do descontentamento. É um apelo, quase um grito, por mudança. Por inovação. Por ética com prática. Por um novo pacto emocional entre quem lidera e quem vive as consequências da liderança.
Porque, afinal, o que significa inovar na política?
Para 44% dos inquiridos, inovar é resolver problemas de forma eficaz. Não é criar mais comissões nem inventar novos nomes para velhas estruturas. É romper com hábitos caducos. É reformular. É escutar. É servir.
Mais de metade dos portugueses acredita que a gestão política devia inspirar-se no mundo empresarial. E não para privatizar o que é público, mas para importar o que falta à política: foco, clareza, responsabilidade. Porque gerir um país é, acima de tudo, criar um futuro. É fazer acontecer. Não é alimentar o sistema, é transformar a sociedade.
A grande inovação que a política portuguesa precisa não é tecnológica, é emocional. É estrutural. É cultural. É a coragem de assumir que o poder não é um fim em si mesmo, mas um instrumento ao serviço das pessoas.
Hoje, os cidadãos querem líderes com empatia e propósito, que não tenham medo de perguntar: “E se fizéssemos diferente?” Que não se escondam atrás de desculpas, mas avancem com soluções. A política tem de deixar de ser o palco dos egos para voltar a ser o projeto coletivo de um país inteiro.
67% dos portugueses apoia limites de tempo para cargos públicos. Porque quando o poder se eterniza, a inovação morre. E quando a política se transforma numa carreira vitalícia, o país entra num coma burocrático. E talvez o dado mais grave seja este: 39% sente que os políticos chegam ao poder sem qualquer experiência relevante. A política tornou-se uma bolha, onde se entra cedo demais e onde se fica tempo demais — alheada da realidade que deveria servir.
Inovar a política é mais do que digitalizar serviços. É mais do que anunciar reformas que nunca saem do papel. É ter a coragem de ouvir quem nunca foi ouvido. É dar espaço a quem pensa diferente. É chamar quem sabe fazer. É valorizar quem sente na pele os problemas do país.
Portugal não precisa de mais frases feitas. Precisa de líderes inteiros. Humanos. Transparentes. Líderes que saibam que servir é mais importante do que vencer. Que saibam que a verdade não se negocia e que a confiança não se mendiga: conquista-se com integridade, com visão e com ação.
Tal como nas empresas, os países que prosperam não são os que se limitam a adaptar-se, são os que ousam reinventar-se.
E o estudo é claro: os portugueses estão prontos para essa mudança. Resta saber se a política tem coragem de os acompanhar.