observador.ptObservador - 29 abr. 00:00

Populismo à portuguesa: grita-se muito, faz-se pouco

Populismo à portuguesa: grita-se muito, faz-se pouco

O populismo é eficaz a diagnosticar problemas, mas desastroso a tratá-los.

Há quem diga que o Chega é um sinal de alarme. Outros garantem que é apenas o espelho de um país que se habituou a ignorar os cantos mais sombrios da sua própria casa. Seja como for, o partido de André Ventura não só entrou no sistema político como, à sua maneira barulhenta, forçou o sistema a dançar ao seu ritmo. E se há coisa que o Chega sabe fazer bem, é transformar ressentimento em capital político.

Não há dúvida de que o Chega deu voz a uma parte do eleitorado que se sentia esquecida ou talvez, mais precisamente, mal habituada. Falamos de um eleitorado que quer soluções simples para problemas complexos, que troca programas por palavras de ordem e que confunde franqueza com grosseria. Ventura não é um génio político, mas sabe o suficiente para perceber que, num país fatigado pela corrupção e pela mediocridade , basta indignar-se com convicção para parecer alternativa.

O problema não é o populismo em si — esse estilo político tem séculos e não vai a lado nenhum. O problema é quando o populismo se torna a  norma, quando a política se reduz a espetáculo e os deputados a personagens de reality show. O Chega impôs à Assembleia da República um novo registo: menos debate, mais gritaria; menos ideias, mais indignação performativa. O país, que sempre cultivou uma certa moderação no discurso político, vê-se agora obrigado a lidar com a teatralização da política como se fosse inevitável.

Mas o fenómeno Chega não floresce sozinho. Alimenta-se da tibieza do centrismo, da arrogância moral da esquerda e da passividade da direita tradicional. Quando os partidos do costume falham em ouvir e responder ao cidadão comum, não deviam surpreender-se se esse mesmo cidadão começa a ouvir quem grita mais alto. O populismo entra, não por mérito próprio, mas pelas portas que os outros deixaram escancaradas.

Ainda assim, há limites. Governa-se com reformas, não com frases feitas. E é aí que o Chega tropeça: o discurso inflama, mas não constrói. As promessas são muitas, mas a execução, essa, fica por esclarecer. Uma coisa é incendiar o debate; outra, bem diferente, é gerir os escombros. E talvez um dia os eleitores percebam que nem todo o ruído é sinal de ação.

No fim de contas, o Chega serve para lembrar que a democracia não é um dado adquirido, é um trabalho em curso — e que os vazios deixados por uma política frouxa serão sempre ocupados, nem que seja por quem promete tudo, sabendo que não entregará nada. A pergunta que fica é: vamos continuar a aplaudir o espetáculo, ou começamos finalmente a exigir seriedade?

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