observador.ptObservador - 29 abr. 00:16

E o Supremo Tribunal britânico criou a mulher…

E o Supremo Tribunal britânico criou a mulher…

Para jogar snooker, também eu fui forçado a aldrabar a minha identidade. Na adolescência, tive de falsificar o meu cartão de cidadão, porque o salão de jogos da Ericeira era para maiores de 16.

De vez em quando, a tendência portuguesa de auto-crítica exagerada, o godinhiano só neste país é que dizemos só nesse pais, é confrontada com exemplos de bandalheira estrangeira que colocam em perspectiva a nossa própria incompetência. Aconteceu recentemente um desses episódios que ajudam a relativizar as nossas falhas, cotejando-as favoravelmente com defeitos de outros países: o Supremo Tribunal do Reino Unido pronunciou-se sobre a interpretação dos termos “mulher” e “sexo” no âmbito do Equality Act, a lei contra a discriminação. Segundo os juízes, os termos referem-se exclusivamente ao sexo biológico. Ou seja, se um espaço é considerado apenas para uso de mulheres (uma prisão, por exemplo), só mulheres é que o poderão usar. Homens que dizem que são mulheres são excluídos, mesmo que tenham um certificado que reconheça que são “homens que dizem que são mulheres” oficiais, mesmo que tenham sido submetidos a tratamentos que lhes conferem traços femininos, mesmo que esses tratamentos sejam tão perfeitos que os façam passar por mulheres. As intervenções hormonais ou cirúrgicas não transformam um homem numa mulher, da mesma maneira que acender a luz de presença no quarto do meu filho não afasta o papão. Alivia-lhe a angústia, é certo. O rapaz convence-se que está protegido. Mas não é a luz de presença que mantém o papão fora do quarto, é a realidade. É que o papão não existe.

O Supremo começou a apreciar este caso em Novembro do ano passado e chegou agora a uma decisão. E está aqui a razão para o nosso júbilo patriota. Nós, que nos envergonhamos do tempo absurdo que a nossa Justiça demora a actuar, temos de nos sentir orgulhosos face a isto. É verdade que os nossos tribunais são lentos e que, por exemplo, estamos há mais de dez anos para julgar José Sócrates, mas este caso no Reino Unido é muito mais escandaloso. (Lá está, outra prova de que o snooker não pode ser considerado um desporto: num desporto verdadeiro, os jovens mentem na data de nascimento para parecerem mais novos, não o contrário). Portanto, há uma parte de mim que está solidária com os marmanjos que insistem em jogar contra senhoras. Desejo-lhes boa sorte no embuste e espero que, se forem apanhados como eu fui, consigam escapar aos carolos do Sr. Manuel. Sacana do pequenote, tinhas os nós dos dedos mesmo rijos.

Os defensores da integração de homens que dizem que são mulheres no snooker feminino afirmam que, ao contrário de outras actividades, nesta não existe vantagem física masculina. O que só pode ser defendido por quem nunca teve de dar uma tacada equilibrado só num pé, completamente debruçado na borda da mesa. Se já é difícil para quem tem maior envergadura, imagine-se para quem tem braços e pernas mais curtos e ainda duas maminhas a atrapalhar.

Mas é verdade que não é obrigatório que um homem que diz que é mulher ganhe sempre as competições de snooker feminino em que participa. Ainda recentemente, Lucy Smith, um homem que diz que é mulher, foi derrotado na final de um torneio em Wigan. E não é por ter sido contra Harriet Haynes, outro homem que diz que é mulher, que deixa de ser um homem a não ganhar a competição feminina.

O curioso nestes casos é que os homens que dizem que são mulheres insistem em jogar snooker em competições femininas, mas se por acaso uma das adversárias enfiar a bola azul quando devia ter enfiado a verde e disser que isso é válido, que a azul afinal é verde, vão protestar e chamar-lhe batoteira.

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