Observador - 29 abr. 00:08
Salvem a classe esquecida
Salvem a classe esquecida
Dar poder à classe média não é só dar poder às pessoas. É dar a Portugal a força de crescer por dentro.
Desde sempre que a luta de classes é o verdadeiro desafio que enfrentamos. Podem tentar distrair-nos com lutas e causas sociais que, apesar de terem a sua importância, poucas consequências têm no nosso dia a dia, e o leitor saberá claramente ao que me refiro, mas o essencial em que nos devemos focar não muda. Atualmente a classe média que, segundo a OCDE, são os trabalhadores e famílias que auferiam em 2024 entre 688 e 1836 euros líquidos por mês, e que sustentam o país com o seu trabalho e impostos, é o miolo da sociedade. A classe média abrangia em 2024 mais de 60% do país, mas não se fala tanto como se devia da forma como, sem acesso a apoios sociais e longe dos privilégios da elite económica, se encontra hoje esmagada por encargos e esquecidos nas prioridades políticas. Tudo isto se resume ao chavão: Muito ricos para apoios, muito pobres para prosperar.
O exercício político de pensar na classe média não é um luxo, mas uma urgência. Sem esse exercício, continuaremos a deixar para trás a maioria da população e o verdadeiro motor da nossa economia. Temos o dever, a responsabilidade cívica, de repensar as políticas atuais e até de sugerir novas, que talvez consigam corrigir um desequilíbrio crónico. Com esse espírito, propus-me assim fazer esta reflexão. Surgiram-me, assim, algumas ideias que vão desde a justiça fiscal, passando pela habitação, até à educação, e que gostaria de expor neste artigo. Tudo isto em prol de aliviar 60% do país. Cerca de 6 400 000 almas que procuram uma vida melhor sem ter de emigrar, sem ter de abandonar as suas raízes. O meu objetivo é apenas iniciar uma discussão já há muito adiada.
Na vida há duas certezas: a morte e os impostos. Mas há princípio que não deve ser esquecido. O princípio da justiça fiscal. Proponho, por isso, a criação de uma contribuição anual simbólica e progressiva sobre patrimónios líquidos elevados, aplicável apenas a contribuintes com património acima de, por exemplo, 2 milhões de euros, excluindo a habitação própria permanente até um valor possível de, por exemplo, 500.000€. As taxas poderiam variar entre 0,1% e 0,5% sobre o excedente e a receita seria canalizada para áreas relevantes para o bem comum, escolhidas pelo próprio contribuinte dentro de uma lista definida pelo estado. Quem tiver rendimentos muito baixos, apesar do património, poderiam, talvez, adiar o pagamento ou convertê-lo em taxa de sucessão. A medida não visa punir o sucesso, mas sim garantir que quem tem mais contribui para o sucesso do país sem ser sobrecarregado. Esta proposta permitiria aliviar parcialmente a classe média, sem esmagar o investimento nem desincentivar a iniciativa privada.
Pensei ainda no fim das isenções fiscais para fundos imobiliários e grandes investidores institucionais. A verdade é que atualmente existem isenções de IRC, IMI e de IMT para estes fundos e investidores, mesmo quando geram milhares de milhões de euros em lucros anualmente. Não se trata de hostilizar o investimento, mas de pôr fim a benefícios fiscais que, em muitos casos, alimentam a especulação. O Estado não deve subsidiar negócios que vão contra os interesses dos portugueses. Uma exceção ao fim das isenções seriam os casos em que os projetos envolvem construção nova para habitação acessível. O objetivo final de tudo isto é acabar com benefícios fiscais a investimentos meramente especulativos, redirecionando o incentivo fiscal para projetos com impacto social positivo e resposta às necessidades reais da população. A classe média beneficiaria, não de subsídios e cheques, mas na forma de novas casas acessíveis ao seu alcance a chegar ao mercado, que é um dos grandes desafios da atualidade.
Outra medida fiscal, alternativa ou complementar às anteriores seria algo, mais controverso, que já se tem considerado, mas concretizado com ambição. Estou a falar da reformulação dos escalões de IRS. A progressividade do sistema atual é ilusória no topo. Atualmente o escalão tem um teto máximo de 83 636 euros, que apesar de parecer bastante, não reflete a realidade de quem aufere 150 000, 500 000, ou mais euros por ano. A forma como isto se faria não posso adiantar claramente porque não sou nem pretendo ser economista. Sei apenas que a equidade fiscal não pode continuar a ignorar quem mais contribui para o consumo interno e para a estabilidade do país. Tenho ainda assim algumas guias de como poderia ser feito. Penso que isto pode ser atingido reformulando os atuais escalões e criando escalões superiores para rendimentos muito elevados. Sei que muitas vezes quem tem estes rendimentos trabalhou para tal. Mas se não encontrarmos um meio termo grande parte da população continuará esmagada e sem perspetiva. É essencial se quisermos ter uma fiscalidade mais justa e uma classe média mais próspera.
Estas são apenas algumas ideias que me surgiram após desta reflexão. Outras ficaram por escrever, para não tornar o texto excessivamente longo. Pensar em políticas públicas não é tarefa exclusiva dos partidos. Cabe a todos nós cumprir este dever de cidadania. Se os portugueses se unirem em torno das suas causas comuns, podemos efetivamente mudar este país. Para melhor. Por isso, concordando ou discordando comigo, peço que debatam, que contribuam. Só assim podemos tornar Portugal um lugar mais justo, mais competitivo e mais atrativo para viver, trabalhar e construir o futuro.