Observador - 30 abr. 00:16
Estamos preparados?
Estamos preparados?
No dia vinte e oito vivemos momentos que lembraram os filmes de ficção científica onde alienígenas destroem as comunicações e pequenos grupos de humanos se juntam à volta de um pequeno “transístor”.
Ao fim do dia de terça-feira a situação parece estar completamente controlada. Contudo, as últimas vinte e quatro horas mostraram à exaustão a dependência que temos da rede elétrica, das comunicações móveis e dos combustíveis. Nada de novo, mas é muito diferente falar de um problema ou sofrê-lo.
Não é demais salientar a importância dos pequenos rádios a pilhas. É sabido que os “kits de sobrevivência” incluem sempre um, porque os recetores de televisão que temos em casa facilmente ficam inoperativos, mas não será exagero pensar que a maioria dos portugueses nunca seguiu as indicações da proteção civil nacional ou europeia para ter sempre pronto um “kit” deste tipo em casa. Confesso já que apenas a simpatia de um vizinho me permitiu seguir toda a tarde de ontem e o princípio da noite, a ouvir as diferentes estações de rádio que estiveram sempre no ar.
Os cidadãos estiveram muito bem. Se pensarmos na magnitude do problema e no silêncio das indicações. Nos milhares de pessoas à porta das estações de transporte ou do aeroporto, sem saber como chegar a casa ou onde estavam os filhos. Nos semáforos desligados. Nos telemóveis que ora funcionavam ora não. Nos passageiros que tiveram de dormir no chão. Na necessidade de comprar água ou leite sem saber para quantos dias. É fácil concluir que o misto nacional de sabedoria e resignação funcionou mais uma vez.
O sistema de saúde esteve muito bem. Os sistemas autónomos de geração de energia elétrica entraram em ação em todas as situações que conheço. O apoio das autarquias foi também importante para manter ativos todos os sistemas críticos, em particular no fornecimento de combustível. Sem dramatismos excessivos, num registo de serenidade muito profissional. O mesmo se passou com o sistema de ensino, que conseguiu em muitos casos absorver a variabilidade da capacidade de deslocação dos pais dos alunos, e que repôs a normalidade com rapidez.
A comunicação social esteve muito bem. Sem alarmismos, mas sem restrições à comunicação da verdade. Esteve em todo o lado onde os problemas se acumularam e foi mais perspicaz que as autoridades a comunicar a realidade, por vezes arriscando indicações capazes de mitigar o impacto do apagão.
As redes de telemóvel não estiveram bem. Não só porque houve muitas falhas das diferentes redes, mas também porque as indicações fornecidas partiram muitas vezes do princípio de que as comunicações estavam ativas o que não era muitas vezes o caso. A informação dada pelos operadores foi insuficiente, ou foi mesmo ausente, em particular no que respeita às áreas que mantinham conexão e às que não. A experiência dos grandes sismos aponta também nesta direção: apesar da redundância os telemóveis são pouco resilientes numa emergência.
Não foi um dia bom para a Proteção Civil, que não conseguiu transmitir uma mensagem autónoma, dar indicações a todos sobre o que fazer ou o que evitar. Tal como aconteceu aquando dos grandes incêndios de 2017, tudo se passou como se não houvesse preparação para uma situação deste tipo, apesar de ela ter sido enunciada como provável por muitos responsáveis. A “administração interna” que provavelmente terá articulado a ação muito assertiva das forças policiais, foi engolida pela direção política do governo, sempre numa ótica responsável, mas generalista e defensiva.
Os transportes também não tiveram um dia bom. Não que não tenha sido feito um esforço desmedido para assegurar a continuidade, mas porque a informação transmitida pecou sempre pela falta de clareza. Ainda na manhã do dia seguinte, quando as escolas se preparavam para repor a normalidade, não se sabia o que se passava com o Metropolitano de Lisboa. É sempre melhor uma informação objetiva, mesmo conservadora, do que o silêncio.
É importante que o que ocorreu seja analisado com serenidade e coragem. As afirmações ou as perguntas que inundaram os media não podem ser ignoradas. Todas elas, mesmo as mais difíceis, devem ser analisadas com a necessária isenção.
Independentemente da origem do apagão, que são contas doutro rosário, estamos ou não numa situação de déficit de investimento na rede? Até agora, apesar da intensa discussão política, em vários quadrantes, do erro que terá sido a privatização da Rede Elétrica Nacional, não tenho por adquirido que se a gestão fosse pública estivesse a ser alvo de maior investimento. Basta olhar para a CP. Se há desinvestimento, o que anda a fazer a entidade reguladora? Tenho a expetativa que o seu papel é não só o de interagir com as empresas do setor, mas também o de informar os portugueses.
A fragilidade da Rede Elétrica Nacional tem alguma relação com a integração de fontes renováveis de energia distribuídas por um grande número de unidades produtoras? Esta é uma questão importante porque a descarbonização é um caminho sem alternativa conhecida e, apesar da disponibilidade de energia hídrica com que fomos contemplados este ano, temos de pensar no que de pior pode ocorrer num período de seca prolongada.
Não tendo sido identificado nenhum fenómeno catastrófico apesar de todos os rumores, estamos face a um erro humano, a uma decisão errada de um qualquer sistema de controlo, ou a uma instabilidade inerente a um sistema de distribuição de energia que precisa sempre de equilibrar sempre oferta e procura e que facilmente cai como um castelo de cartas quando ocorre um pequeno desequilíbrio?
Ao dia de hoje e apenas com a informação de que disponho, creio que é razoável concluir que estamos mais preparados do que antes, mas menos preparados do que precisamos.