observador.pt - 29 abr. 16:19
Apagão. Governo pede auditoria europeia, anuncia comissão independente e quer reforçar sistemas de reinício do abastecimento
Apagão. Governo pede auditoria europeia, anuncia comissão independente e quer reforçar sistemas de reinício do abastecimento
Montenegro diz que resposta ao apagão foi "forte e positiva", mas admite que resposta do sistema elétrico não é suficientemente rápida. Primeiro-ministro recebeu fake news e deixa alerta.
Apesar de garantir que a resposta ao apagão foi “altamente forte e positiva“, Luís Montenegro saiu do segundo Conselho de Ministros extraordinário em dois dias já com decisões tomadas para perceber e corrigir o que correu mal. Tanto no plano internacional, com o pedido de uma auditoria europeia às causas do apagão, como a nível nacional, com a criação de uma Comissão Técnica Independente (como aconteceu depois dos incêndios de Pedrógão) e o reforço das centrais que conseguem fazer o reinício do sistema elétrico.
A partir da sala da lareira — reservada para declarações solenes — de São Bento e com quatro ministros na plateia (o ministro dos Assuntos Parlamentares, Pedro Duarte, da Presidência, Leitão Amaro, do Ambiente, Graça Carvalho, e das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz) enquanto o Conselho de Ministros continuava a a decorrer, Luís Montenegro começou por destacar a resposta “altamente forte e positiva” a uma situação “grave e inédita”, considerando que houve civismo da população e um trabalho eficaz das autoridades no terreno. E destacou até a rapidez relativa da recuperação do sistema português relativamente ao espanhol. “Estamos preparados para viver dias bons e dias menos bons”, garantiu.
Ainda assim, logo a seguir,o primeiro-ministro passou à avaliação das causas e consequências. Primeiro, anunciando que o Governo decidiu pedir aos reguladores da energia europeia uma auditoria independente para o “apuramento cabal das causas desta situação”: “Precisamos de respostas tão rápidas quanto urgentes. Não vamos poupar esforços no esclarecimento dos portugueses perante um problema sério”.
A seguir, o cenário nacional e a análise da capacidade de resposta do país: o Governo quer criar uma Comissão Técnica Independente, à semelhança do que aconteceu depois dos fogos no centro do país em 2017, para avaliar a gestão da crise em várias frentes, incluindo a resiliência do sistema elétrico e de infraestruturas, do sistema de proteção civil, de comunicações e da saúde.
A proposta do Governo é que seja comissão seja constituída por sete personalidades — um especialista da área da energia, das redes, outro da proteção civil, outro da saúde, e três personalidades indicadas pelo Parlamento — e não há prazo para funcionar e produzir resultados; apenas a garantia de Montenegro de que não quer conclusões tiradas “à pressa”.
Mas quanto à capacidade do sistema português para recuperar depois de um apagão desta dimensão, já há conclusões tomadas: a capacidade atual não é suficientemente “rápida” e por isso será preciso reforçá-la. O primeiro-ministro explicou, por isso, que quer que a função de black start (a capacidade de rearrancar o sistema a partir do zero, sem ligação ao resto da rede) que existe em duas centrais e foi usada esta segunda-feira para repor a eletricidade seja prolongada na central da Tapada do Outeiro (existia até março de 2026, o Governo quer que passe a verificar-se até 2030). O contrato desta central a gás com o sistema elétrico terminou em 2024 e foi prolongada por se tratar de uma central essencial à segurança de abastecimento.
Além disso, o Executivo planeia agora inserir essa função em mais centrais, nomeadamente do Alqueva e do baixo Sabor, duas hídricas (uma explorada pela EDP outra pela Movhera da Engie). Isto porque as duas centrais que existem com essa função são “insuficientes do ponto de vista da rapidez”, embora se tenham provado eficazes durante esta segunda-feira, admitiu Montenegro.
Ainda na análise da resposta ao dia “inesperado” sem eletricidade em Portugal, Montenegro fez um ponto de situação positivo — neste momento, a eletricidade funciona sem problemas, o abastecimento de água está a funcionar quase na totalidade, os serviços de saúde estão estabilizados e só 15 de mais de 800 agrupamentos escolares tiveram dificuldades na reabertura — e elogiou o funcionamento “muito bom” da Proteção Civil; menos bom foi o do SIRESP, reconheceu, explicando que teve “anomalias que não são novas” e que “preocupam” e prometendo uma avaliação rigorosa para que estas sejam ultrapassadas “por uma vez”.
Nessa transmissão de comunicação, e apesar das críticas de que tem sido alvo — minutos depois, Pedro Nuno Santos dizia que houve um “apagão no Governo central” –, Montenegro reconheceu que se está “sempre a tempo de melhorar procedimentos” mas explicou que o Governo optou por transmitir informação sobretudo através da rádio, o meio que tinha uma difusão “mais operacional”, durante os momentos iniciais do apagão.
Depois, lembrou, o próprio Montenegro falou à comunicação social a meio da tarde e ao fim da noite; já a Proteção Civil deu “prioridade” a infraestruturas críticas e tentou enviar uma SMS pelas 17h a toda a população, mas a mensagem foi recebida já de noite. “Demonstra que as comunicações estavam em baixo e esse meio não era eficaz”, o que “deu razão” ao Governo em privilegiar rádios e televisões, justificou. “Se me pergunta: as coisas podiam ter funcionado melhor? Pois, estamos sempre a tempo para melhorar procedimentos”, rematou.
Governo não quer discutir nacionalização da REN “a quente”Montenegro fez ainda uma série de anúncios práticos relacionados com o apagão: o cumprimento de obrigações fiscais que tivesse prazo máximo até segunda-feira passa para quarta-feira; o IMT autorizará a circulação para abastecimento dos postos de combustíveis e dos veículos pesados no fim de semana e no feriado para recuperar a capacidade de abastecimento; e a declaração de crise energética não será prolongada, terminando às 23h59 desta terça-feira.
Em resposta aos jornalistas, o primeiro-ministro recusou “fazer renascer” o tema da nacionalização da REN nesta altura (como pedem vários adversários políticos), embora exista uma nuance relevante: o próprio Montenegro dizia, em 2023, que esta privatização, que fazia parte das exigências do memorando da troika, era a que lhe causava mais dúvidas. Agora, admitiu que mantém essa posição, mas recusou falar no assunto “a quente” — a seu tempo estará disponível para discutir o tema.
Montenegro recebeu fake news. “Foi talvez o primeiro dia na História de Portugal em que a desinformação e a manipulação tiveram a dimensão dos tempos modernos”O primeiro-ministro foi ainda questionado sobre as declarações do ministro Manuel Castro Almeida, que esta segunda-feira admitiu que a causa do apagão fosse um ataque cibernético, dizendo que não vale a pena “exagerar no que aconteceu” e que o ministro estava a ser entrevistado por outras razões quando o apagão aconteceu. E reagiu a quente, no momento. “Disse o que podia dizer: que não podia afastar nenhuma causa, incluindo essa. Em bom rigor, ninguém pode dizer qual foi a origem, mas neste momento podemos dizer que não há nenhum indício que aponte a manipulação do ciberespaço como causa originária. Mas o ministro não especulou”.
Ainda assim, a pergunta serviu para Montenegro fazer uma reflexão e um apelo sobre a desinformação, sobretudo nos momentos críticos. “Ontem foi talvez o primeiro dia na História de Portugal em que a desinformação e a manipulação tiveram a dimensão dos tempos modernos”, avisou. “Eu próprio fui confrontado, quando ainda havia a capacidade de receber mensagens, com uma mensagem com a chancela de um órgão internacional credível com figurino totalmente idêntico ao habitual”, contou, referindo-se a uma notícia falsa sobre a origem do apagão e com supostas declarações de Ursula von der Leyen que circulou nas primeiras horas.
“Cada vez mais temos de confiar na palavra das autoridades, que nos chega pelas vias corretas, na forma correta e no momento correto”, apelou Montenegro. “Não vale a pena termos a pressa desmedida de encontrar resposta para tudo de forma precipitada. É o caminho de ouro para os que querem influenciar a opinião pública com mentiras. Ouvimos as mais variadas teorias e todas eram fake news”, atirou o primeiro-ministro, confessando até ter ficado “amedrontado” quando viu a notícia falsa a circular. Os ministros seguiram para a reunião com os partidos, no Parlamento, para discutir o assunto e partilhar informação.
Fact Check. CNN noticiou que apagão foi causado por ciberataques russos? Falso