observador.ptobservador.pt - 29 abr. 18:34

INEM viveu dia "difícil". Meios incontactáveis, casos graves sem socorro atempado e SIRESP em colapso

INEM viveu dia "difícil". Meios incontactáveis, casos graves sem socorro atempado e SIRESP em colapso

No atropelamento de um bebé, o INEM não conseguiu acionar os meios de emergência destinados aos casos mais graves. O SIRESP voltou a falhar. "Isto não pode acontecer", dizem técnicos.

O apagão que afetou todo o país esta segunda-feira teve um impacto significativo no instituto que deveria garantir o socorro de emergência em Portugal. Sem comunicações, o INEM não atendeu centenas de chamadas e registaram-se atrasos consideráveis no acionamento de meios de socorro — que afetaram até pessoas que precisavam de suporte avançado de vida, ou seja, em situações graves. Isto porque diversos meios do INEM (nomeadamente as viaturas de emergência e as ambulâncias) ficaram incontactáveis, num dia em que o próprio SIRESP — a rede que deveria garantir as comunicações de emergência — esteve também inoperacional durante largos períodos.

“Houve diversos constrangimentos do INEM”, diz ao Observador o presidente da Associação Nacional de Técnicos de Emergência Médica (ANTEM), Paulo Paço, sublinhando que as dificuldades na prestação de socorro à população se prolongaram por um período de quatro a cinco horas, durante a tarde desta segunda-feira. Foram perdidas mais de 400 chamadas que chegavam atrav��s do 112 e em mais de 100 situações registaram-se atrasos no envio de meios, garante ao Observador o presidente do Sindicato dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar, Rui Lázaro.

INEM não conseguiu acionar meios, socorro foi afetado

Em causa esteve a dificuldade na receção de chamadas por parte do INEM e também na comunicação entre os Centros de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) e os meios no terreno. As comunicações do INEM são asseguradas pela operadora Vodafone, que não conseguiu garantir o serviço. “A operadora que o INEM utiliza foi a primeira a colapsar“, diz Rui Lázaro. O INEM utiliza a tecnologia VoIP (Voiceover Internet Protocol), que permite fazer chamadas telefónicas pela internet. “Em situações em que não h�� internet, as comunicações caem por completo”, diz Paulo Paço.

O colapso das comunicações acabou por afetar o socorro à população, com vários meios a ficaram incontactáveis, nomeadamente as Viaturas Médicas de Emergência e Reanimação (VMER), acionadas em casos mais graves. “Algumas VMER não puderam ser acionadas porque os CODU não as conseguiam contactar. Houve atraso no acionamento de ambulâncias para situações já triadas. E também tivemos conhecimento de falhas quando alguns meios no terreno precisavam de pedir meios diferenciados e não conseguiam contactar o CODU”, revela o presidente do Presidente do Sindicato dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar.

Segundo Paulo Paço, durante o dia o acionamento de meios foi feito com “atrasos consideráveis”, uma vez que a comunicação com o terreno (nomeadamente com as corporações de bombeiros e a Cruz Vermelha, que asseguram 80% do socorro em Portugal) “passou a ter de ser feita através dos comandos subregionais da Proteção Civil, que ativavam os meios” através de uma rede telefónica própria que permite o contacto direto com os bombeiros (a Rede Operacional de Bombeiros) — em vez dos canais dedicados de rádio SIRESP mencionados pelo INEM em comunicado. “Isto gerou um efeito bola de neve”, exemplifica o presidente da Associação Nacional de Técnicos de Emergência Médica, contribuindo para o avolumar dos atrasos.

SIRESP entrou em colapso em várias zonas

A juntar às falhas da operadora que assegura as comunicações do INEM, as dificuldades agravaram-se devido às intermitências registadas no SIRESP, e que se mantêm esta terça-feira, nomeadamente na zona do Porto. Muitos repetidores espalhados pelo país (e cuja função é a de amplificar o sinal) deixaram de funcionar uma vez que não tinham combustível suficiente para se manterem operacionais em situação de contingência. “O SIRESP funcionou com muitas deficiências porque funciona através da rede 4G. Os repetidores do SIRESP em algumas zonas do país ficaram às escuras porque em situações de emergência as antenas têm sistemas com geradores e nem todos estavam abastecidos a 100%”, avança Paulo Paço, sublinhando que a zona da Península de Setúbal foi uma das mais afetadas. “A rede SIRESP veio também a colapsar, outra vez”, lamenta Rui Lázaro.

O impacto global do colapso das comunicações na prestação de socorro do INEM ao longo desta segunda-feira é ainda impossível de calcular. No entanto, os responsáveis contactados pelo Observador relatam pelo menos uma situação grave em que o socorro falhou. Em Matosinhos, uma mulher e um bebé foram atropelados, não tendo sido acionada a VMER afeta ao Hospital Pedro Hispano, que estava incontactável. Os dois feridos acabaram por ser transportados para o Hospital de São João, no Porto, em estado grave, mas não correm risco de vida. “Esta é uma situação. Seguramente que nos próximos dias teremos conhecimento de outras“, teme Rui Lázaro. Contactado pelo Observador, fonte oficial da ULS de Matosinhos garante, no entanto, que “não houve nenhuma situação em que tivesse sido necessário a equipa da VMER ir prestar socorro e não tivesse sido acionada”.

Nas ambulâncias, os constrangimentos terão sido ainda maiores que nas VMER, admite Paulo Paço, uma vez que, explica, “muitas ambulâncias não estão localizadas em hospitais e quando a rede móvel falha ficam sem possibilidade de recorrer à rede fixa”.

Em comunicado, enviado às redações ao final da manhã desta terça-feira, o INEM reconhece a existência de “constrangimentos pontuais” no acionamento dos meios de emergência e falhas no acesso à rede do SIRESP. O instituto diz que as maiores dificuldades registaram-se entre as 13 horas e as 15 horas, período em que se verificou “maior pressão no sistema devido a falhas registadas nas redes móveis de comunicações em todo o país”.

Também esta terça-feira, a ministra da Saúde garantiu que o INEM deu uma resposta “atempada” e que “ninguém ficou por socorrer”. “Todas as chamadas que não conseguiram ser atendidas, foram contactadas as pessoas. Não ficou ninguém  por contactar ou socorrer. Houve uma resposta adequada atempada, que não deixou ninguém para trás”, disse Ana Paula Martins aos jornalistas, à margem de uma visita ao Hospital Garcia de Orta, em Almada. “Quando há um apagão, por mais redundâncias que haja e por mais capacidade de gerador que o INEM tenha, é natural que nos acionamentos possa haver mais dificuldades de contacto”, acrescentou.

INEM diz que devolveu todas as chamadas. “Pouco me interessa se recuperaram a chamada que alguém fez há 3 horas”, responde Rui Lázaro

O pico de chamadas em espera e desligadas na origem, segundo o INEM, ocorreu por volta das 14h, com um total de 100 chamadas, “tendo os sistemas de ‘callback’ e de atendimento automático dos CODU [Centro de Orientação de Doentes Urgentes] recuperado 100% destas chamadas”, acrescenta. No entanto, Rui Lázaro garante que devolver as chamadas não significa que o socorro tenha sido prestado de forma atempada. “A mim pouco me interessa se recuperaram a chamada que alguém fez há 3 horas”, critica. Já Paulo Paço questiona a garantia dada pelo INEM em relação às chamadas devolvidas. “Como é que podem ter devolvido todas as chamadas se houve pessoas que só tiveram rede móvel depois das onze da noite? O socorro não foi prestado em muitos casos”, acusa o responsável.

Durante a tarde foram “progressivamente restabelecidas as comunicações telefónicas, o acesso à internet e à rede SIRESP” e o serviço ficou normalizado pelas 23h20, garante o instituto de emergência médica, liderado pelo médico e tenente-coronel Sérgio Dias Janeiro. O INEM destaca que ativou o seu plano de contingência e manteve os seus sistemas, telefónico e informático, “a funcionar com recurso a geradores”, que foram acionados de forma automática. “Todas as chamadas com origem no Número Europeu de Emergência — 112 foram atendidas e o tempo médio de atendimento situou-se nos 40 segundos”, sublinha o instituto, acrescentando que os CODU registaram na segunda-feira um total de 4.576 chamadas recebidas e 3.877 meios de emergência acionados, números “em linha com os valores registados habitualmente às segundas-feiras”, o dia da semana com maior atividade de emergência.

No entanto, para Rui Lázaro, o facto de o número de chamadas e de acionamentos de meios estar em linha com as restantes segundas-feiras nada diz em relação à capacidade de resposta do INEM, uma vez que, num dia em que se registou uma crise energética inédita em Portugal, a procura foi superior ao habitual. Segundo o comunicado do INEM, foram igualmente reforçadas as equipas, designadamente dos profissionais escalados nos CODU, pelas 11h40, minutos depois do início do apagão.

Técnicos de emergência pedem sistemas de redundância para evitar falhas

O responsável do sindicato que representa os técnicos do INEM critica o plano de contingência do INEM, que, diz, “é muito limitado”, por não ter um sistema de redundância alternativo e lembra os problemas registados em novembro de 2024 — e que obrigaram ao acionamento manual de meios. “O INEM teve mais do que tempo para preparar uma redundância com outras operadoras, o que não foi feito. Dispõe também de telefones de satélite, que não foram acionados ontem”, garante Rui Lázaro, apontando falhas à direção do instituto.

Também Paulo Paço considera que, mesmo com o apagão, o INEM deveria ter reagido de forma diferente e mostrado outra capacidade de resposta. “Foi um dia difícil. Mas o INEM tem de ter sistemas de redundância. Tem de haver testes para garantir que os equipamentos estão a funcionar. Alguma coisa não estava devidamente acautelada. Isto não pode acontecer, não só pelas chamadas, mas pelos meios que estão no terreno e que ficam incontactáveis”, realça.

Nota: notícia atualizada às 19h35, com a resposta da ULS de Matosinhos ao caso do atropelamento

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