observador.pt - 29 abr. 22:52
Sem certezas sobre impacto do apagão, Pedro Nuno aperta Montenegro e evita tentação à esquerda
Sem certezas sobre impacto do apagão, Pedro Nuno aperta Montenegro e evita tentação à esquerda
Uma correção ao centro do líder (quando no partido já se falava como à esquerda), uma colagem à gestão Costa e o acenar com a incerteza mundial. Como o PS está a medir o impacto eleitoral do apagão.
Não há nada que pareça desviar Pedro Nuno Santos do caminho da moderação da sua imagem e ainda que, esta terça-feira, tenha sido duro quanto à forma como o primeiro-ministro respondeu ao apagão, evitou ceder a apelos que vieram de dentro do seu próprio partido para o que poderia ser entendido como uma curva apertada à esquerda. O impacto eleitoral desta crise mantém o partido atento e à espera que próximos dias destapem mais problemas.
Seja qual for o tema que aparece no caminho mais recente, o líder do PS rapidamente agarra e tenta transformar numa arma contra o perfil do primeiro-ministro, procurando ser visto como mais apto para o lugar — a confeção desse perfil político tem-se apoiado numa linha de moderação que cative o centro (pouco interessado em saídas radicais). E perante a crise do apagão acabou por fazer o mesmo: menos interessado em exigir explicações concretas (que podem sobrar para Espanha) do que em aproveitar a gestão que o Governo fez, Pedro Nuno dá mais um encosto à figura de primeiro-ministro de Luís Montenegro, tentando entrar não só no fato como no trilho ao centro.
Logo de manhã, no seu partido, Pedro Nuno tinha já algumas vozes a procurar na privatização da REN uma responsabilidade para o sucedido. Uma delas era a do presidente Carlos César, numa lógica de reflexão nacional sobre um caminho de “menos Estado”. César utilizou o Facebook para vincar a importância dos “serviços público” que não de podem “enfraquecer”: “Estes incidentes mostraram-me, uma vez mais, que se é certo que não sei como se pode viver com Estado a mais não sei como é certo sobreviver com Estado a menos“.
Quase à mesma hora e na mesma rede social o deputado socialista Filipe Neto Brandão partilhava o artigo de opinião “do insuspeito [de esquerdismo] João Miguel Tavares” onde o colunista do Público fazia críticas à privatização da REN — que foi concluída em 2012, no Governo de Passos Coelho, depois de incluída no plano de privatizações da troika.
Mas na hora de o líder falar, esse foi um assunto totalmente chutado para canto e resumido a uma questão de “política ideológica” que “alguns aproveitam” para colocar na agenda. Referia-se ao Bloco de Esquerda e ao PCP que já tinham apontado publicamente à privatização da REN como um problema, mas acabava por travar também qualquer tentação socialista para dar uma curva à esquerda à boleia do episódio do apagão. “São os caminhos tortuosos entre a teoria e o estado de necessidade”, brincava um dirigente socialista em conversa com o Observador ao fim do dia, perante mais uma correção ao centro de Pedro Nuno Santos.
O líder do PS declarou a partir da sede do partido que “se a REN fosse pública teríamos tido apagão na mesma”. “Não é a propriedade da REN que resolveria o problema que tivemos ontem”, ao mesmo tempo que admitia que até se “pode discutir a REN, mas não pelo que aconteceu” no apagão.
Entre a moderação e o legadoA necessidade de moderação salta à vista, mas não é menos visível do que a obrigatória defesa do legado numa matéria onde o PS tem um histórico de decisões a começar pelo Mercado Ibérico de Eletricidade (Mibel), criado na vigência de um Governo socialista (o de António Guterres), implementado no tempo de outro (de Sócrates) e adaptado, sobretudo à questão das renováveis, no tempo de outro (o de António Costa). E sobretudo o encerramento das centrais de carvão do Pego e de Sines, que os últimos governos PS valorizaram como um marco na transição energética — e que os recentes acontecimentos fizeram especialistas, como o ex-ministro Mira Amaral, apontarem como um erro.
Ao Observador, o ex-ministro do Ambiente Duarte Cordeiro resume o que se passou na segunda-feira a um “problema técnico”, falando mesmo na “desproporção” que teve face ao “alarme social criado” — pelo qual responsabiliza o Governo.
Quanto à questão energética em si, Cordeiro rejeita que as centrais a carvão tivessem resolvido o assunto, já que o pico negativo (que terá estado na origem do apagou) aconteceu numa altura em que Portugal estava a importar energia solar de Espanha a um preço competitivo e que o valor seria sempre inferior ao do carvão, alega — numa posição igual à que tinha sido defendida por Pedro Nuno Santos durante a tarde.
Quanto ao Mibel, o ex-ministro garante que não há dependência face a Espanha e que sem esse mercado o país “teria menos autonomia, menos soluções e menos competitividade”. Pedro Nuno também o disse, quando defendeu que “o Mercado Ibérico permitiu a Portugal poder fornecer às famílias energia mais barata a cada momento, não foi uma questão de soberania energética porque Portugal tinha capacidade energética naquele momento”.
Impacto eleitoral imprevisível: “Não deu votos ao Governo, mas não sei se perdeu algum”O ex-ministro do Ambiente do PS também acaba a colocar toda a pressão deste momento na questão da gestão da comunicação perante o problema. Cordeiro diz que a “reposição [da eletricidade] tinha previsibilidade de sucesso, porque existem protocolos para que se faça”, pelo que o Governo só tinha de ir dando informação, argumenta. “O alarme social podia ter diminuído se a comunicação tivesse funcionado”, considera.
Não compara à crise da pandemia, embora esse seja um pensamento que atravessa algum PS: será que o incumbente vai voltar a beneficiar com uma crise? “São crises diferentes. A pandemia era uma crise de saúde pública“, confia Cordeiro. Outro socialista concorda e diz que “não é comparável”, a menos que “a falta de eletricidade tivesse passado para a manhã seguinte, aí tudo se iria avolumar”, acrescenta outro socialista que também separa planos.
Outro dirigente concorda com a divisão de águas, tendo em conta que desta vez os “efeitos foram instantâneos e são pouco prolongados”. E faz as contas aos votos: “Não deu certamente um voto ao Governo, mas não sei se perdeu algum“.
Mas no partido também se lembra que a gestão de uma crise, ainda que de natureza diferente, “já foi boa para um governo”. Um terceiro dirigente do partido diz ser “muito cedo para tirar conclusões, mas tendencialmente pode funcionar a favor de Montenegro. Quem lidera tem vantagem“, admite. A expectativa é de que os próximos dias ainda possam destapar carências daquelas mais de onze horas sem energia elétrica, para lá das que já se conhecem, e que exponham a tal “incapacidade de gestão” que Pedro Nuno Santos vai já imputando a Montenegro.
E o PS vai já contabilizando o que correu mal, como as falhas no SIRESP, no INEM, a tardia colocação dos bombeiros em alerta por parte de uma Proteção Civil que, por sua vez, só alertou a população, via SMS, já depois de a crise ter passado. Isto coroado por um primeiro-ministro que, descreveu o líder, apareceu quando já tudo estava resolvido “à porta da Maternidade Alfredo da Costa”: “O Governo falha sempre na resposta à crise, nunca falha na propaganda”.
Pedro Nuno Santos foi questionado, na conferência de imprensa da tarde, sobre se teme o impacto eleitoral de um episódio como este, tendo em conta que o país caminha sobre a hipersensibilidade política de uma pré-campanha. Pedro Nuno rejeitou “cálculos” e acusou o Governo de ter gerido “mal a crise”, “coordenou mal, comunicou mal”. “É um padrão, não é a primeira vez perante uma crise que o Governo falha”. “Não tem de beneficiar de uma crise que geriu mal”, rematou sobre o assunto onde atribuiu a responsabilidade de funcionamento do sistema à sociedade civil e às autarquias.
Juntou o caso à lista dos temas em que tem apontado problemas de coordenação ao Governo — os incêndios de 2024 e a crise do INEM (em que o PS pediu a demissão da ministra da Saúde) — para tentar atingir a autoridade política de Montenegro, sobretudo quando o contexto é de “incerteza económica e política” nos próximos anos. Uma referência que pretende tocar na ideia de risco de nesta altura haver um “primeiro-ministro que tem incapacidade de lidar com crises”.
No “contraponto”, apontou o próprio líder socialista, está o PS que “mostrou estar à altura, nas medidas e na forma como comunicou a ação governativa”, tanto na pandemia como na crise de combustíveis aberta em 2019 pela greve das transportadoras de matérias perigosas. Dois exemplos escolhidos a dedo: o primeiro por ser emblemático no PS e o segundo por ir direito ao seu tempo como ministro que teve de negociar com os sindicatos. Ambos servem para se colar a uma liderança de Governo que no PS foi sinónimo de liderança eleitoral. Mas agora sem a cadeira do poder e em desvantagem nas sondagens a menos de um mês das eleições.