observador.pt - 29 abr. 22:43
Tem painéis solares em casa e não escapou ao apagão. Porquê?
Tem painéis solares em casa e não escapou ao apagão. Porquê?
Ter painéis solares em casa não quer dizer que fique imune a falhas de energia como a desta segunda-feira. Muitos painéis desligaram-se automaticamente da rede por questões de segurança.
Esta segunda-feira, milhões de portugueses ficaram sem eletricidade durante cerca de 11 horas devido à falha que afetou Portugal e Espanha. E, para quem tem painéis solares em casa, ficou a dúvida: se há um painel, como é que a casa ficou às escuras na mesma? Esta era uma questão feita em fóruns como o Reddit e em algumas redes sociais.
Ter um painel solar instalado em casa não é sinal de que automaticamente terá energia em caso de falha elétrica. É certo que um painel deste tipo tem como principal função produzir energia fotovoltaica, ou seja, aproveitar a luz do Sol, mas é preciso mais para que possa ter produção para alimentar outros equipamentos em casa.
O papel principal de um dispositivo chamado inversorHabitualmente, os painéis solares são instalados nos telhados de casas, prédios ou empresas para conseguir tirar partido dos raios solares e ajudar a reduzir a fatura energética.
Quando a luz do sol, que é composta por partículas chamadas fotões, incide nos painéis, há uma conversão em energia elétrica. Só que os painéis produzem uma energia em corrente contínua e, para que possa ser usada para alimentar os equipamentos que tem em casa, é preciso que seja transformada em corrente alternada. “Os painéis solares são geradores de energia, mas têm um equipamento que se chama inversor de rede, que não é mais do que um equipamento que converte a corrente contínua que é gerada nos painéis fotovoltaicos em corrente alternada para que possa ser injetada na rede interna da casa ou, quando vai para a rede, poder ser exportada para a rede”, explica ao Observador João Nuno Serra, presidente da Associação dos Comercializadores de Energia do Mercado Liberalizado (Acemel).
O inversor tem a particularidade de se sincronizar “com a frequência da rede (50 Hz) e com a tensão da rede”, continua o responsável da Acemel. “Quando não há rede e não há tensão, isto é, há um zero na tensão e um zero na frequência, o inversor não consegue sincronizar, logo o sistema é desligado.” É, então, o inversor que justifica o facto de muitos donos de painéis solares terem ficado sem eletricidade durante o apagão.
Fonte oficial da EDP explica ao Observador que “os painéis solares comercializados pela EDP e pela generalidade do mercado param de produzir eletricidade em caso de falha da rede elétrica”, como aconteceu esta segunda-feira. “Os sistemas foram concebidos desta forma por razões de segurança, uma vez que a regulamentação nacional exige que todos os inversores fotovoltaicos convencionais deixem de fornecer energia à rede numa situação de interrupção de fornecimento como a de ontem”, explica a empresa.
É ainda dito que, como a rede “esteve desligada e operacional, não era possível garantir o seu funcionamento em segurança”. A EDP indica ainda que “esta situação afetou também os clientes com baterias para armazenamento de energia, uma vez que são os inversores que comunicam com a rede”.
Para que os clientes conseguissem ter um sistema “que funcionasse em ‘ilha’, ou seja, independente da rede elétrica, era necessário equipamento adicional que implicaria alterações significativas no quadro elétrico de uma casa ou empresa”. A EDP descreve este sistemas como pouco vantajosos para famílias e empresas “devido ao seu custo elevado e às raras interrupções longas de energia na rede elétrica nacional”. Afinal, o que aconteceu esta segunda foi um fenómeno invulgar.
Fonte oficial da EDP indica que, nestes dois dias, recebeu um “número residual de contactos — cerca de 200 — ligados a dúvidas sobre projetos solares”. A empresa explica que atualmente tem “mais de 140 mil famílias com energia solar e milhares de empresas com sistemas de produção de eletricidade solar para autoconsumo”.

O apagão desta segunda-feira teve impacto em vários pontos do país
Maioria dos sistemas instalados pela Iberdrola estão ligados à redeTambém a esmagadora maioria dos sistemas instalados pela Iberdrola implica a ligação à rede, explica Pedro Freitas, responsável pela área de smart solar da empresa. “As instalações mais comuns que fazemos são normalmente ligadas à rede, não temos nenhuma do chamado off-grid”, ou seja, desligado da rede pública.
“Penso que muitos poucos sistemas ou situações conseguem sobreviver sem estarem conectados à rede pública”, acrescenta. A pouca expressão está não só ligada a custos, como também ao facto de estes sistemas ��implicarem o cumprimento de certas regras por da DGEG [Direção-Geral de Energia e Geologia] e mesmo do código europeu de redes”. É isto que justifica que a “maioria dos sistemas instalados” inclui a tal funcionalidade de segurança do inversor.
Porém, nota que alguns inversores podem ter uma função “zero-grid”, uma funcionalidade “em que o inversor se ajusta às necessidades da procura na casa do cliente e não injetar nada na rede”.
Um painel produz energia mas armazenar é outra questãoConvém esclarecer que o painel solar é responsável apenas pela produção de energia. Para um cenário em que queira armazenar parte da energia produzida é necessária uma bateria.
Há kits de autoconsumo que já incluem a bateria, em que há um inversor diferente, que é híbrido. Pedro Freitas, da Iberdrola, explica que já é “comum” haver sistemas instalados com estes equipamentos, mas que têm um objetivo específico de “havendo excedente na produção durante o dia poder armazenar para que possa ser consumida quando não há produção solar”, como dias de chuva ou de pouca incidência solar.
Porém, há a questão do custo. “O preço das baterias tem vindo a diminuir, mas é uma solução que ainda tem um peso significativo no orçamento”, admite.
João Nuno Serra, da Acemel, também refere que possam ter existido donos de painéis com baterias surpreendidos com a falta de energia. “Então mas tenho uma bateria e não consigo ir buscar energia? Porque também depende do inversor que têm”, explica. Mesmo nos casos em que tenham inversores híbridos, os tais que “permitem carregar a bateria, tem que ter um dispositivo para fazer o ‘start’ e a bateria começar a injetar na rede doméstica.”

Os painéis solares são uma solução com procura crescente
“Nem todos têm, isso custa dinheiro”, explica, afirmando que é um universo “muito diminuto” de utilizadores. Este sistema dá o tal ‘start’ de forma automática, “simplesmente o inversor tem de estar equipado com esse mecanismo para repor a energia que está na bateria na rede doméstica”. Que também poderá ter limitações — pode não arrancar se “a carga da bateria estiver a menos de 20%”, exemplifica.
Noutros casos, refere que algumas pessoas possam ter encontrado refúgio não nos painéis solares mas sim em carros elétricos. “Quem tem um veículo elétrico e consegue ligá-lo a casa, nestas situações, pode ter energia a partir do veículo”, explica — desde que haja bateria no carro, claro.