observador.ptObservador - 30 abr. 00:14

Reconhecimento

Reconhecimento

Alguém pode ter a certeza de que faria melhor na Saúde e no SNS? Na comunicação política, talvez. Mas a governação é mais do que aparência e, em campanha eleitoral só se discutem aparências.

Num processo de disputa de votos é normal – não necessariamente bom – que cada qual tente dizer o melhor de si e o pior dos adversários. A Saúde “é talvez a área de maior falhanço do Governo”, disse Pedro Nuno Santos. Vá lá, disse “talvez”. Aceita que não seja e, na verdade, não é. Outros seguem a mesma toada. “Está pior”, não, “está melhor”. Digamos que, como em tudo, está melhor numas coisas, pior noutras, na mesma na maioria dos pontos que se avaliem. Nem poderia ser de outra forma ao fim de apenas um ano de exercício de Governo. Há mais médicos no SNS, menos tempo de espera – num exercício matemático que nada diz a quem desespera –, mais pessoas com médico de família e, também, mais sem esse médico – pois claro, os utentes aumentaram mais dos que a substituição de médicos de família –, menos doentes com cirurgia em “atraso” – um conceito que nada nos diz sobre a gravidade relativa de cada patologia ou sobre a tipologia dos doentes – e mais doentes operados, incluindo aqueles designados como oncológicos – sendo certo que muitos destes tinham “cancros” de baixo risco -, num contexto em que o número de cirurgias realizadas no SNS tem vindo a aumentar há mais de 20 anos. Há indicadores que melhoraram, feito digno de ser assinalado em tão pouco tempo de governação e, sendo sérios, temos de reconhecer que o Governo chegou a acordo com sindicatos de profissionais de saúde, os salários aumentaram, aprovaram-se planos de investimento nas ULS, há obras em curso – pese embora, como é normal, algumas tenham transitado do Governo anterior – e fizeram o que era possível para consolidar uma reforma administrativa apanhada a meio e cujos deméritos conceptuais e de calendário eram maiores do que os méritos.

Mas nem tudo está bem. Diria mesmo, bem pelo contrário. Podemos criticar algumas escolhas que foram feitas, de pessoas e medidas, dos prazos propostos e incumpridos e, como eu fiz no imediato, sublinhar que deveria ter sido melhor não ter embarcado na ideia de um plano de emergência que colocou o Governo sob um escrutínio de que não precisava, pelo menos tão cedo no seu tempo de governação que já se adivinhava curto. Há reformas que têm de ser feitas. Na informatização de processos clínicos, na estrutura administrativa, na tipificação e distribuição dos profissionais de saúde, na melhor escolha das ferramentas terapêuticas.

Mas, o mesmo exercício de seriedade obriga-nos a concluir que o que está repetidamente mal, não necessariamente pior do que há um ano – porque a memória é curta em política –, tem que ver com maternidades e urgências pediátricas fechadas, como ocorria no tempo de anterior Governo socialista e do Prof. Fernando Araújo, então Diretor Executivo do SNS e agora cabeça da lista portuense do PS. Alguém pode ter a certeza de que faria melhor? Na comunicação política, talvez. Mas a governação é mais do que aparência e, em campanha eleitoral só se discutem aparências. E, já que se fala de aparências, convirá não esquecer que a comunicação social, fazendo o seu trabalho numa perspetiva que também é sempre política – mas quem ainda acredita na independência ideológica dos que escrevem notícias, editoriais ou textos de opinião? –, nunca é meiga para com as falhas ou deficiências na saúde pública. Não digo que seja mau haver escrutínio, longe disso, mas, para dar um exemplo, nunca se escreve que há X urgências abertas, apenas que há Y fechadas. Como se isso servisse, por si só, para descrever a qualidade de um sistema de saúde. Às vezes é caso para dizer que é pena não quererem ou serem capazes de ir mais longe, ao âmago, do que está mal. Ficariam surpreendidos com a quantidade de serviços que se prestam, com o que se faz em Portugal, apesar de dificuldades incontáveis. Feliz o Governo a quem só conseguem, em Governação da saúde, criticar por ter problemas em serviços de urgência. E, convenhamos, a falta de médicos não é de agora, nem exclusiva deste País. Afinal, onde estão os que protestavam contra a abertura de mais escolas médicas?

O meu ponto é que ninguém exprime reconhecimento, já que não peço agradecimento, a quem governou a saúde no último ano. Em condições muito adversas e sob uma perspetiva em que nem que tivesse sido construído o melhor hospital do mundo, criado condições para que todos os habitantes do retângulo tivessem consulta na hora em que a pedissem e houvesse cura para todas as patologias tratadas no SNS, nem assim, seria expetável que houvesse o mais pequeno sinal de reconhecimento para quem tentou segurar a saúde em Portugal. Tem sido sempre assim, independentemente da coloração política dos Governos. E depois admiram-se que ninguém esteja disposto a arcar com as despesas profissionais, morais e políticas do Ministério da Saúde. Porventura já repararam que, quando há vários a pedir “casamento” ao mais provável vencedor, a AD, ninguém se chega à frente e diz querer ser Ministro da Saúde.

Quem for a próxima “vítima”, podendo até ser a que já lá está num patriótico exercício de masoquismo, já sabe ao que vai. Não terá reconhecimento, colherá vitupérios e insultos, exagerará nos antiácidos e sairá com pena do que não conseguirá fazer.

A não ser que haja maioria absoluta e aí, continuando sem reconhecimento, colhendo vitupérios e ainda mais insultos, poderá tentar reformar o sistema. Mas atenção, mesmo com a maioria absoluta de apoio parlamentar, precisará de consensos técnicos e políticos – por esta ordem -, do apoio constante do primeiro-ministro e a garantia de que poderá fazer as coisas como achar que elas devem ser feitas. Sem tibiezas, com compromissos criativos e não paralisantes, com liderança, com credibilidade, com a confiança total de todo o Governo e sem perder tempo com politiquices e críticas a antecessores. Ninguém quer saber de quem são as “culpas” passadas. A responsabilidade, essa, será sempre de quem governa e só isso é que importa.

A agenda, com mais ou menos floreados, será a do costume. Vá lá, concedo, nem sempre tem sido assim. Garantir efetividade das intervenções sobre a saúde, ser eficiente porque não há como desperdiçar mais, garantir segurança em todo o sistema de saúde, alcançar o mais alto nível de satisfação possível junto dos utilizadores, pagadores e profissionais. Efetividade, Eficiência, Segurança e Satisfação. Os quatro principais ingredientes da qualidade em saúde.

O menu para chegar lá está todo escrito. Nada de novo. Digitalização, informatização, automação, avaliação de resultados, eliminação de atos de baixo valor, redução da carga da doença, promoção do envelhecimento saudável, condições de trabalho exemplares, formar, atrair e fixar profissionais.

Os ingredientes são conhecidos. Retribuir mais e melhor, de forma mais justa, exigir mais em função do que pode ser feito, avaliar desempenho e tecnologias de saúde, manter, substituir, construir estruturas e equipamentos, envolver toda a capacidade instalada no sistema de saúde para que se cumpram os desígnios do SNS, eliminar o que não tem remédio, aprender com os erros e falhas, melhorar o que ainda não está bem, copiar e replicar o que for ótimo.

Não será fácil. Será dificílimo. No entanto, com uma maioria estável que suporte a governação poderá cumprir-se uma agenda pesada que precisará de tempo, meios e nervos de aço. Sem maioria, teremos mais um curto período de governação desenhada para não perder as próximas eleições. Li que, num inquérito ou numa sondagem, a maior parte dos respondentes terá dito que preferiria uma maioria absoluta de deputados no parlamento. Espero que seja verdade. Para já, sem precisar de ser muito especulativo, pode dizer-se que só com o voto na AD acontecerá essa desejada maioria. Houve quem, em mais uma análise niilista da política lusa, tivesse escrito que o Dr. Luís Montenegro seria, como primeiro-ministro, o mal menor. Pensando em males, é sempre melhor evitar os maiores.

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