sol.sapo.ptmagalhaes.afonso@newsplex.pt - 29 abr. 22:03

A lição de Adam Smith

A lição de Adam Smith

O argumento protecionista está revestido de uma pátina sedutora, mas a evidência empírica mostra que Smith tinha razão

No 1.º capítulo do livro 4 da sua obra mais emblemática, A Riqueza das Nações, Adam Smith identifica dois tipos de restrições às importações, sendo que o segundo trata das «restrições às importações de bens de quase todos os tipos, daqueles países específicos com os quais a balança comercial era supostamente desvantajosa». É precisamente este que melhor se encaixa na situação americana atual, com Donald Trump a afirmar que os EUA estão a ser «roubados» por conta dos défices comerciais. Ora, no 3.º capítulo do livro 4, Adam Smith aprofunda a irracionalidade desta premissa: «Embora fosse certo que, no caso de um comércio livre entre a França e a Inglaterra, por exemplo, a balança seria favorável à França, não se seguiria de modo algum que tal comércio seria desvantajoso para a Inglaterra».  E isto porque, na sua lógica, a Inglaterra beneficiaria com a compra de produtos franceses com semelhante ou superior qualidade do que se os comprasse a outro país com quem a balança comercial fosse mais favorável, mesmo que isso implicasse um défice comercial superior com a França.

Para além deste argumento lógico a favor de um comércio mais livre, Smith apresenta um outro que também se enquadra na situação que os Estados Unidos enfrentam atualmente: «Uma grande parte dos [produtos] poderia ser reexportada para outros países, onde, sendo vendida com lucro, poderia trazer de volta um retorno igual em valor, talvez, ao custo principal de todo o bem francês importado». Tendo em conta que, como afirmou Larry Summers, Secretário do Tesouro de Bill Clinton, 45% das importações americanas representam inputs para futuras exportações, o que permite aos americanos lucrar muito mais, dinamizando assim a economia nacional, este ponto de Adam Smith deve, evidentemente, ser considerado. Não seguir o seu conselho é um claro tiro no pé (que pode muito bem ser na cabeça).

Vejamos então alguns dados concretos que corroboram a visão smithiana do comércio. De acordo com números apresentados pela Statista, o PIB real americano passou de quase 2 500 mil milhões de dólares em 1945 para cerca de 22 500 mil milhões de dólares em 2021, um aumento que foi acompanhado pelo aumento do valor das exportações globais do comércio de mercadorias (25 mil milhões de dólares em 2022, de acordo com a UNCTAD). Além disso, neste mesmo período, o Índice de Preços no Consumidor, tal como indicado pelo FRED, diminuiu de cerca de 600 em 1945 para um nível inferior a 50 em 2020. Apesar do setor manufatureiro, existe pleno emprego e a pobreza nunca foi tão baixa. Com os números a apontar para os benefícios de um sistema baseado geralmente na globalização (diferente de globalismo) e no comércio livre, seria de esperar que a tese protecionista perdesse tração, mas uma sondagem realizada em 2024 pelo Pew Research Center mostra que 59% dos americanos acreditam que os EUA perderam mais do que ganharam com o aumento do comércio com outras nações. A explicação para estes números pode residir em dois fatores: a maioria da população não sentiu na pele os efeitos nefastos do protecionismo e os argumentos mercantilistas, mesmo que pouco lógicos e eticamente questionáveis, são revestidos de uma pátina popularmente sedutora.

Dito isto, com a história a mostrar que o livre comércio nunca falha na sua missão de tornar as nações mais prósperas, deveríamos todos aprender a lição de Adam Smith.

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