expresso.pt - 29 abr. 23:42
Tomar o futuro nos pés: jovens em risco criam os seus próprios ténis para aprender empreendedorismo, marketing e gestão
Tomar o futuro nos pés: jovens em risco criam os seus próprios ténis para aprender empreendedorismo, marketing e gestão
Com cerca de 500 pares de ténis vendidos e 90 jovens alcançados, o projeto iMAGINE desenvolveu um programa para aumentar as capacidades de empregabilidade dos jovens em risco de pobreza, utilizando ténis como um “instrumento de transformação social”
Estima-se que, em Portugal, um em cada quatro jovens esteja em risco de exclusão social ou pobreza, sendo esta uma taxa superior em comparação com a população em geral, segundo o Eurostat. Foi no calçado que um projeto encontrou uma forma de capacitar os jovens nesta situação com conhecimentos em empreendedorismo, marketing e até gestão, além de permitir a criação de um micronegócio.
Os ténis são o foco principal do projeto iMAGINE, que permite aos jovens entre os 16 e os 24 anos idealizarem o seu próprio par e venderem-no. Uma forma de os cativar para adquirem competências de empregabilidade. Houve participantes que pediram à professora para interromper a aula extasiados por terem vendido quatro pares em Nova Iorque e um par de ténis que até se tornou um bestseller.
Nuno escolheu os atacadores dos seus ténis em vermelho por ser fã do Benfica, Beatriz escolheu o azul e o bege por a fazerem sentir-se calma e lembrá-la do mar, enquanto Catenin adaptou os ténis para conjugar com qualquer roupa. Estes são apenas três exemplos dos 90 jovens já apoiados pelo projeto.
Pinto e Catenin, participantes do iMAGINE, com os ténis que criaram iMAGINE“Há muitos projetos para crianças, há muita coisa para seniores, mas há muito poucos para estes jovens”, explica João Esteves, cofundador da marca DiVERGE. Sem competências de empregabilidade, quem está em risco de exclusão social “têm mais dificuldade em manter empregos, desemprego leva a pobreza, e estamos neste ciclo vicioso do qual nunca saímos porque eles não conseguem nem ganhar competências, nem ganhar sustento”.
O projeto iMAGINE pretendia criar uma alternativa que conseguisse interessar jovens “difíceis de cativar”, por isso transformou os sneakers, como João Esteves prefere dizer para evitar regionalismos, num “instrumento de transformação social”, um acessório do qual os jovens, “felizmente, gostam muito”. Como os sneakers mostram a individualidade e expressão de cada um, o objetivo era “pegar nestes jovens que têm poucas oportunidades e dar-lhe esse palco, essa oportunidade e dar a conhecê-los ao mundo”.
Antes de decidirem o design dos ténis, frequentam um programa de capacitação, no qual, conforme o perfil de cada grupo, o foco maior pode ser nas competências para a empregabilidade ou no empreendedorismo. “Começamos mais por uma lógica comportamental de autoconhecimento destes jovens para perceberem um pouco melhor como a sua personalidade afeta a maneira como estão na vida”, explica, acrescentando ainda que costumam desconstruir a crença de que não têm talento. Na segunda parte transmitem conhecimentos que tenham uma “aplicabilidade bastante global” na sua vida, na área do marketing, gestão de redes socais, literacia mediática ou design.
Outro aspeto crucial neste projeto é trabalhar também a comunicação não verbal. “Muitas vezes estamos a falar de jovens que não sabem sentar-se numa cadeira sem que pareça que estão a borrifar-se para o que está a acontecer ou quase hostilizar a pessoa com quem está a falar. Tudo isto são pequenas coisas sobre a maneira como se expressam, a maneira como se conhecem. A maneira como se sentam numa cadeira ou entram numa sala condiciona-os na sala de aula e condiciona-os numa entrevista de emprego e tira-lhes oportunidades”, exemplifica João Esteves.
Após cerca de dez sessões, os jovens são convidados a criar os próprios sneakers, de forma gratuita, aplicando os conhecimentos que adquiriam e mostrando a sua individualidade. Os participantes são, depois, modelos por um dia para dar a conhecer a sua criação, assim como a sua história.
iMAGINEO objetivo é que cada jovem tenha o seu próprio micro negócio, no qual recebe 20 euros por cada par de ténis vendido, sendo que o valor é distribuído por todo o grupo para “não haver fenómenos de competição”. Cada participante do primeiro programa, por exemplo, já angariou cerca de 900 euros.
João Esteves realça que esta fonte de rendimentos não é o foco do projeto nem procuram que isso seja o fator motivador para os participantes, mas uma forma de continuar a estabelecer uma relação com os jovens. É, “acima de tudo, uma desculpa para a formação contínua” e oferece “razões para mantermos um contato, e passarmos de uma lógica de capacitação para uma lógica de promoção, em que acompanhamos os jovens mais individualmente e tentamos ajudá-los nos seus desafios”.
Com cerca de 500 pares vendidos e oito programas de capacitação, o iMAGINE já alcançou 90 jovens, dos quais apenas dois desistiram. João Esteves acredita que o sucesso se deve à possibilidade de criarem os seus próprios ténis: além de puderem ficar com a sua criação, são vendidos numa marca que atinge 100 países. É um “poderosíssimo motivador”:“Naquelas primeiras duas ou três sessões, o jovem que estava sempre quase a desistir pensava: mas e os sneakers? Eu quero fazer os sneakers”.
O cofundador da marca de ténis DiVERGE salienta ainda que o segundo motivo responsável pelo sucesso da iniciativa é a “maneira como nós estamos com os jovens”. Durante a parte teórica, os participantes começavam a “sentir-se valorizados” pelo tempo que a equipa dispensava com eles e pelo facto de passadas poucos sessões já conhecerem tanto o nome de cada um como a sua história e desafios.
As competências de empregabilidade destes jovens aumentam em 25%, a inclusão social em 23% e a autoeficácia em cerca de 20%. “O objetivo não é irem para os bairros deles vender sneakers”, mas “criar histórias e expor a coleção para outros clientes fora de Portugal", criando "um impacto na autoestima, quando, de repente, os estão a ver serem vendidos em Nova Iorque”.
Atualmente o projeto iMAGINE está a desenvolver mais quatro programas, que integram o objetivo estabelecido de formar 65 grupos nos próximos dois anos, atingindo entre 650 e 900 jovens.
A ajuda imprescindível dos fundos comunitáriosPara desenvolver este novo objetivo, o projeto iMAGINE foi apoiado em cerca de 293 mil euros através do programa Centro 2030, sendo que cerca de 151 mil euros provieram do Fundo Social Europeu.
“Tem sido um acelerador incrível porque isto também faz com que mais investidores sociais estejam interessados em apoiar”, afirma João Esteves. Embora a DiVERGE tenha concebido este programa para ser autofinanciado, este apoio permite uma capacidade de crescimento enquanto a rentabilidade do projeto não é alcançada.
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