observador.pt - 29 abr. 20:56
Alunos com mobilidade reduzida levados ao colo, faltas marcadas à mão, nervosismo e muitas perguntas. O apagão nas escolas
Alunos com mobilidade reduzida levados ao colo, faltas marcadas à mão, nervosismo e muitas perguntas. O apagão nas escolas
O dia em que a luz foi abaixo parece ter-se vivido tranquilamente em todos os ciclos de ensino. Mas há quem aponte o dedo ao Governo por deixar o encerramento das escolas ao critério dos diretores.
Por volta das 11h, M. (nome fictício) estava a brincar no recreio com os colegas. Pouco depois, entrou na escola e foi aí que se apercebeu de algo diferente: “Estranhou estar tudo escuro, mas achou um piadão”, conta a mãe da criança de 10 anos. Aqueles eram os primeiros minutos de um longo apagão que acabaria por se prolongar até à noite. No agrupamento de escolas Gil Vicente, onde estuda M., os professores explicaram tudo o que estava a acontecer — e o mesmo aconteceu noutras escolas, com os docentes a tentar ter uma abordagem pedagógica da situação. Mas a atuação do Ministério da Educação não reúne consenso: opiniões dividem-se entre críticas à demasiada autonomia que os diretores tiveram e elogios às escolas, “o sítio mais seguro” para se estar independentemente de tudo.
“Estava a trabalhar e, pouco depois, surgiram as primeiras notícias sobre a quebra da energia. Quando percebemos que não se ia resolver dentro de 5/10 minutos, pensei como seria a gestão da escola. Só que há pais ainda mais rápidos que eu e por esta altura já tinham ligado para lá e confirmado que as crianças estavam bem e tranquilas e que tinham almoço, algo que era fundamental”, conta Marta Silva, mãe de M. Este cenário vivia-se no agrupamento Gil Vicente, em Lisboa, mas não só: à hora a que se deu o apagão, por volta das 11h30, as refeições “já estariam em estado avançado de confeção”, até porque a maioria das escolas têm fogão a gás, explicou o presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos de Escolas Públicas (ANDAEP), Filinto Lima.
Pouco tempo depois e fossem as escolas fechadas ou não, alguns pais “começaram a dizer que iam já buscar os filhos porque tinham medo que o trânsito piorasse”, conta Marta Silva.
Em algumas escolas, não seria possível chamar os bombeirosA experiência desta manhã, no entanto, opõe-se a algumas realidades vividas noutras escolas do país. Segundo Cristina Mota, o movimento Missão Escola Pública recebeu “muitos relatos de colegas que disseram que a escola estava a funcionar de forma normal, mas outras não”.
“Tivemos relatos de uma escola secundária onde os alunos com mobilidade reduzida não podiam usar os elevadores e, por não conseguirem subir as escadas, os colegas tiveram de os transportar ao colo pelas escadas. E também de escolas sem qualquer contacto de rede fixa, ou seja, se fosse necessário acionar bombeiros não havia como. Além disto, em algumas escolas a campainha que existe dentro das salas para chamar a auxiliar em caso de necessidade também não funcionava”, enumerou a porta-voz deste movimento.
Para Cristina Mota, que é professora, toda a atuação do Ministério da Educação esteve errada desde o início: “Devia ter havido indicações do MECI para que [as escolas] fechassem. Não sabíamos o que estava a acontecer, havia muitas questões por responder e tivemos de manter o funcionamento todo normal. Temos filhos e família e também estávamos preocupados.”
“Devia ter havido uma indicação do MECI a dar ordens para que todas as escolas procedessem da mesma forma. Uma escola não é sinónimo de depósito, é sinónimo de estar em segurança e ontem foi muito arriscado“, diz, acrescentando que o problema reside no facto de “as escolas terem a preocupação de mostrar que está tudo bem, como se o facto de estar a funcionar fosse sinónimo de competência.”
A primeira informação que o Ministério de Fernando Alexandre fez chegar às escolas foi entregue por volta das 16h, estima Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos de Escolas Públicas (ANDAEP). “A competência para avaliar e decidir sobre as condições de funcionamento de cada um dos estabelecimentos de educação e ensino é dos Diretores(as), sendo que a prioridade absoluta é a segurança das crianças/alunos(as)”, lê-se no documento ao qual o Observador teve acesso.
O Governo definia que, no que toca à educação pré-escolar e ao 1.º ciclo, “as crianças/alunos devem permanecer na escola até os encarregados de educação os recolherem ou até ao horário dos respetivos transportes escolares”. Já no que toca aos restantes ciclos e ao ensino secundário, “deve ser avaliada casuisticamente cada situação, tendo em conta que a organização dos transportes é muito diversa a nível nacional”.
É neste sentido que o movimento Missão Escola Pública aponta o dedo à autonomia de decisão que cada diretor teve no momento: “A decisão não devia ter sido tomada pelos diretores, mas sim por alguém a um nível mais alto”, defende Cristina Mota.
“Houve boa articulação entre autarquias e escolas”Mas as orientações da pasta tutelada por Fernando Alexandre não ficaram por aqui. No total, “recebemos três comunicados”, lembra o presidente da ANDAEP. Além da que surgiu pelas 16h, uma outra — às 21h00 — indicava que “a retoma do serviço” não estava a processar-se “de forma simultânea em todo o território nacional, pelo que as decisões a tomar têm de ter em consideração circunstâncias diferenciadas”.
“A competência para avaliar e decidir sobre as condições de funcionamento de cada um dos estabelecimentos de educação e ensino é dos Diretores(as), em estreita articulação com os municípios”, lia-se uma vez mais. De facto, “houve uma boa articulação entre a autarquia, a DGEstE [Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares] e as escolas”, diz Filinto Lima.
Segundo o líder da ANDAEP, “as autarquias, ou pelo menos a de Gaia, informaram as escolas do que ia sucedendo ao longo do dia e isso foi acalmando a comunidade. E a DGEstE, através de orientações que fazia chegar [vindas do Ministério], também”.
O terceiro (e último) email do Ministério da Educação, sobre cujas orientações os jornalistas foram informados antes das 7h desta terça-feira e que também chegou às escolas de manhã cedo, decretava a reabertura de todos os estabelecimentos de ensino “atendendo à reposição de energia elétrica e de fornecimento de água em todo o país”, com exceção das escolas que ainda não tivessem sido afetadas pela reposição dos serviços.
Filinto Lima, recém-eleito diretor do agrupamento D. Pedro I, em Vila Nova de Gaia, tem uma visão diferente da de Cristina Mota: não se opôs à autonomia conferida pelo MECI. Nas escolas deste agrupamento, o dia foi igual a qualquer outro.
O mesmo não se pode dizer no Liceu Pedro Nunes, em Lisboa, que ainda antes do apagão, às 10h35, teve que lidar com a segunda ameaça de bomba em cinco dias. “Houve um email escrito remetido para o estabelecimento de ensino com mais uma ameaça de bomba falsa. Acionámos os protocolos para situações similares e a equipa de intervenção rápida esteve no local”, indica fonte oficial da PSP.
“Perguntavam-me como é que iam cozinhar. Lembrei-os que havia vida antes da eletricidade”Filinto Lima não tem “dúvidas que [a escola] é o sítio mais seguro para se estar”. “Mantive a escola aberta o dia todo. As aulas decorreram normalmente, mas tive pais que à tarde vieram buscar os filhos. Estavam ansiosos, a situação era algo inesperado, e foi uma opção”, conta. E diz que considerou, à época, que os “alunos estavam em segurança na escola”.
“Conheço bem a escola e a comunidade, tinha água e, apesar de não ter luz, a escola é larga e tem muitos vidros, a claridade não foi posta em causa”, conta. E reconhece que foi necessário “aumentar o controlo e a vigilância da entrada e saída dos alunos”, já que o sistema de controlo por cartão à entrada não estava operacional. Quanto às presenças dos alunos, “anotámos as faltas num papel e ao longo do dia desta terça-feira os professores vão descarregar essas faltas na plataforma”.
Ainda assim, o processo “foi todo muito pacífico”, afirma Filinto Lima, detalhando que houve necessidade de adaptação por parte dos professores, que “tiveram de recorrer ao chamado ‘método tradicional’ para dar aulas”.
Uma dessas professoras foi precisamente Cristina Mota, que estava a lecionar quando tudo aconteceu. “Pensei que seria algo pontual e que seria retomada [a luz]. Mas como as redes ainda funcionaram percebemos que não, que era algo maior. Aproveitei e falámos das medidas a serem tomadas, do que se devia fazer nestes casos, da importância do kit de emergência para três dias e debatemos um bocadinho.”
E a aula? “Procedi de forma normal”, diz a professora da secundária de Pinhal Novo. Mas “eles [alunos] estavam nervosos e houve minutos em que o tema se direcionou para isto e percebi que era importante falar sobre isto com a turma, que era de secundário”.
“Os alunos estavam preocupados com os pais e irmãos e com a forma como iam para casa. Não queriam saber do telemóvel, só queriam era ir para casa, entrar e cozinhar. Perguntavam: ‘Como é que vamos cozinhar?’. E eu lembrei-os que havia vida antes da eletricidade”, conta. A professora fez o máximo possível para “tranquilizar os alunos”, mas por vezes faziam questões “que mesmo nós não sabíamos responder”.
“Os professores adaptaram-se e até estão de parabéns, porque garantiram atividades e aulas. E assim também ensinaram: explicaram o que aconteceu, os efeitos e impactos (por causa da falta de água e da queda das comunicações), da importância de ouvir a rádio e de manter a tranquilidade”, reconhece a presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap).
No geral, a escola “superou muito bem” todos os desafios, considera Mariana Carvalho — e isso inclui também o ensino pré-escolar, onde o cenário pouco se alterou face ao habitual. “De norte a sul, na generalidade, os jardins de infância funcionaram”, resume Cremilde Canos, responsável pelo departamento da Educação Pré-escolar da Fenprof. “Podia colocar-se a questão do serviço de refeição, mas penso que nem tão pouco aconteceu, porque, por norma, os meninos almoçam por volta das 12h. E às 11h30 [quando o apagão ocorreu] já o almoço estava feito.”
À semelhança do que aconteceu nos outros ciclos, também no pré-escolar “os pais, por vontade própria, foram buscar os filhos mais cedo”, conta a sindicalista. Mas a verdade é que “até foi uma situação climatérica favorável ao apagão: o sol põe-se pelas 20h30 atualmente e não há necessidade de grande energia, além de que também não era preciso aquecedor.”