observador.ptobservador.pt - 29 abr. 15:19

Manhãs a começar mais cedo, reuniões individuais e a importância do sono. Como Arne Slot deu show sem ser uma banda de tributo a Klopp

Manhãs a começar mais cedo, reuniões individuais e a importância do sono. Como Arne Slot deu show sem ser uma banda de tributo a Klopp

Chegou com selo de aprovação de Klopp, mas nunca quis ser uma cópia do antecessor. Como Arne Slot levou ao topo o Liverpool, um clube "perfeito para ele", com mudanças pequenas, mas estruturais.

Muitos não esperavam, outros até podiam imaginar, mas ninguém soube antecipar que o Liverpool iria conquistar a Premier League com quatro jornadas por disputar e sem espaço para dúvidas de que foi a melhor equipa a jogar futebol em Inglaterra ao longo da temporada. No controlo de tudo isso, na estreia, estava Arne Slot.

O treinador neerlandês de 46 anos sagrou-se campeão na primeira temporada em Inglaterra, algo que só tinha sido alcançado noutras quatro ocasiões, e confirmou que foi a escolha certa para suceder ao legado de Jürgen Klopp. Apesar de ter sido num de evolução na continuidade, Arne Slot nunca quis ser uma cópia do treinador alemão e implementou várias mudanças em Anfield: desde a hora de chegada ao centro de treinos, os pequenos-almoços obrigatórios e o fim dos estágios em hotéis na véspera de jogos em casa.

Uma Slot machine que nunca parou até chegar ao dia do jackpot: Liverpool é campeão inglês pela 20.ª vez

No fim, apesar de não ter ido tão longe como pretendido na Liga dos Campeões e de ter falhado Taça da Liga e Taça de Inglaterra, o Liverpool conquistou a Premier League ainda em abril e igualou os 20 títulos do Manchester United. E tudo, principalmente, porque Arne Slot nunca precisou de ser uma banda de tributo ao passado para dar show no presente.

A aprovação de Klopp com direito a retribuição para Anfield ver

Há praticamente um ano, quando se despediu do Liverpool, de Anfield e dos adeptos dos reds, Jürgen Klopp deixou bem claro que não queria saudosismos. O próximo treinador estava escolhido e foi ele próprio, o alemão que levou o clube à conquista do primeiro Campeonato em mais de 30 anos e de uma Liga dos Campeões, que o anunciou: em pleno relvado, antes do comunicado oficial, adaptou o seu próprio cântico e confirmou que Arne Slot seria o sucessor.

Quase um ano depois, Arne Slot retribuiu. Novamente no relvado de Anfield, depois de vencer o Tottenham e garantir a conquista da Premier League, o treinador neerlandês pegou no microfone e dirigiu-se aos milhares que festejavam nas bancadas para pedir que entoassem o cântico original — ou seja, o cântico com o nome de Jürgen Klopp, o antecessor.

ARNE SLOT! JURGEN KLOPP! ???? pic.twitter.com/GnSVIWKhJU

— Premier League (@premierleague) April 29, 2025

“Foi tudo pelo que ele fez ainda antes de eu chegar. Penso que foi algo que mais nenhum treinador fez antes dele e ajudou-me imenso. Ele ajudou-me ainda mais deixando-me a equipa e a cultura por detrás dessa equipa. A qualidade dos jogadores era óbvia para toda a gente, mas a cultura de trabalhar no duro, não só dos jogadores, mas dos elementos do staff, tem sido incrível e foi uma das razões pelas quais conseguimos atingir o que atingimos esta época. Por razões óbvias, acho que agradecer-lhe foi um momento agradável”, explicou Arne Slot já na conferência de imprensa.

A pacífica transição de poder nessa nação chamada Liverpool foi um dos trunfos para a conquista da Premier League a quatro jornadas do fim da temporada, cinco anos depois da última vez e pela primeira em mais de três décadas sem uma pandemia a atrapalhar os festejos. Os reds aproveitaram o apagão do Manchester City, a ausência de competitividade do Tottenham e do Manchester United, o início do novo projeto do Chelsea e a irregularidade do Arsenal e nunca colocaram propriamente em causa o primeiro lugar, igualando os até aqui recordistas 20 títulos dos red devils em Inglaterra.

Arne Slot, de forma muito pessoal, tornou-se também o quinto treinador de sempre a ganhar a Premier League na temporada de estreia — depois de José Mourinho (Chelsea, 2005), Carlo Ancelotti (Chelsea, 2010), Manuel Pellegrini (Manchester City, 2014) e Antonio Conte (Chelsea, 2017). Escolhido na sequência da garantia de que Xabi Alonso iria continuar no Bayer Leverkusen, já que o espanhol era o favorito para suceder a Jürgen Klopp, Arne Slot até aparecia atrás de Ruben Amorim na lista de prioridades do clube. A ideia de que uma evolução na continuidade era mais importante do que uma revolução, porém, garantiu-lhe o passaporte para Anfield.

Depois de Klopp anunciar, o clube confirmou: Arne Slot é o novo treinador do Liverpool

“O Klopp era uma espécie de deus que mudou o clube, não só em campo, mas até em termos de atmosfera. Naquele momento nem sequer pensava no Arne. Ninguém em Inglaterra sabia grande coisa sobre ele. Todos aqueles que acompanham futebol diziam que ia ser um desafio gigantesco e que ele era um treinador desconhecido que vinha dos Países Baixos”, explicou à BBC Sander Westerveld, antigo guarda-redes do Liverpool e colega de equipa do agora treinador nos tempos do Sparta Roterdão.

Arne Slot, na verdade, tinha tudo para fazer do futebol a sua principal e primordial paixão. Filho de um jogador amador que chegou também a orientar várias equipas de camadas jovens, o neerlandês natural de Bergentheim começou por ser médio-centro — jogou no Zwolle, no NAC Breda, no Sparta Roterdão e no PEC Zwolle antes de terminar a carreira em 2013, entrando desde logo no staff do mesmo PEC Zwolle. Tornou-se treinador das camadas jovens e mudou-se depois para o Cambuur, onde foi adjunto de Marcel Keizer e Rob Maas.

Daí, passou a treinador interino na sequência do despedimento de Maas e foi recompensado pelos bons resultados com o cargo efetivo, chegando às meias-finais da Taça dos Países Baixos pela primeira vez na história do clube. Mudou-se para o AZ Alkmaar em 2017, como adjunto de John van den Brom, e subiu novamente a treinador principal um ano depois. Saiu para o Feyenoord em 2021 e tornou-se um dos técnicos mais bem sucedidos da história recente dos neerlandeses: chegou à final da Liga Conferência em 2022, perdendo para a Roma de José Mourinho, conquistou o Campeonato em 2023 e venceu a Taça dos Países Baixos em 2024.

As mudanças no dia-a-dia de um clube que é “perfeito para ele”

Arne, que na verdade é Arend como o pai e adotou o diminutivo como o nome por que toda a gente o trata, chegou a um Liverpool acabado de ficar no terceiro lugar da Premier League e muito marcado pelo legado de Jürgen Klopp. O alvo prioritário no mercado de transferências de verão era Martín Zubimendi, talentoso médio da Real Sociedad que preferiu ficar no País Basco e deixou os reds restritos às soluções que já existiam no plantel. Só chegou Federico Chiesa, que nem sequer teve muito tempo de utilização ao longo da temporada — o resto foi encontrado onde já estava.

De forma natural, e até pelo falhanço na contratação de Zubimendi, Ryan Gravenberch tornou-se uma peça fulcral no meio-campo de Arne Slot. Salah fixou-se à direita, Gakpo regressou ao corredor esquerdo onde se sente mais confortável e Luis Díaz funcionou como referência ofensiva móvel — o que prejudicou Darwin, por exemplo, mas aproximou o ataque do Liverpool da máquina impressionante que era há alguns anos, quando Salah, Sadio Mané e Roberto Firmino foram instrumentais para a conquista da Liga dos Campeões e da Premier League.

Na primeira reunião que teve com todos os jogadores, antes da pré-temporada, Arne Slot levou consigo toda a informação sobre a época em que tinham sido campeões e a época passada. E as devidas diferenças. “Na última temporada, em comparação com o ano em que tinham sido campeões, tinham menos ‘sprints’, a equipa não era tão eficaz. Ao invés de dizer aos jogadores ‘vá lá, trabalhem muito’, estava a dizer-lhes exatamente aquilo que tinham de fazer e tudo aquilo que precisavam de saber através de todas as estatísticas”, revelou Sander Westerveld, também à BBC.

O treinador de 46 anos optou por não ficar na mítica casa de Formby, originalmente adquirida por Steven Gerrard e onde viveram Brendan Rodgers e Jürgen Klopp, e instalou-se sozinho num apartamento, com a mulher e os dois filhos a ficarem nos Países Baixos. Depois disso, apesar de nunca ter recusado a ideia de que iria aproveitar muito do trabalho feito pelo antecessor ao longo de praticamente uma década, começou a implementar as regras que são a base do sucesso.

Desde logo, os horários. A partir do momento em que chegou ao Liverpool, o treinador neerlandês estabeleceu as 9h15 como a hora de chegada a Kirkby, o centro de treinos dos reds — bem mais cedo do que a hora estabelecida por Jürgen Klopp. O pequeno-almoço em conjunto com a equipa técnica e o restante staff tornou-se obrigatório e os estágios em véspera de jogo em Anfield foram abolidos. Ou seja, se o jogo fosse em casa, os jogadores dormiam em casa na noite anterior e não precisavam de ficar num hotel, como acontecia anteriormente.

“As pessoas que sabem mais sobre isto dizem-me que dormimos melhor na nossa cama do que numa cama de hotel”, explicou Arne Slot ainda em agosto. “O sono é uma parte muito importante da performance. É bom para eles estar em casa, com as famílias, mas também é uma preparação melhor para os nossos jogos”, acrescentou.

Os treinos passaram a ser mais longos e menos intensos, para evitar a probabilidade e periodicidade de lesões, e a verdade é que a escassez de problemas físicos no plantel acabou por ser um dado absolutamente decisivo na conquista da Premier League — já que o Arsenal, o principal concorrente ao primeiro lugar, teve uma temporada marcada por lesões prolongadas em jogadores-chave que, naturalmente, afetaram a regularidade de resultados.

Para alcançar os níveis perfeitos de equilíbrio entre duração e intensidade das sessões de treinos, Arne Slot rodeou-se de vários especialistas. Ruben Peeters, um especialista na ciência de otimizar as cargas de treinos, acompanhou-o para o Liverpool a partir do Feyenoord, enquanto que Jonathan Power foi promovido a diretor de Medicina e Performance e Amit Pannu foi contratado para ser o médico da equipa principal.

Adicionalmente, implementou o hábito de realizar reuniões individuais praticamente diárias depois dos treinos ou na sequência de jogos importantes para analisar os erros ou os lances menos conseguidos de cada jogador. “Temos reuniões praticamente todos os dias. Algumas são curtas e diretas, outras são mais longas. Não tínhamos reuniões destas no ano passado, só no dia antes dos jogos. Existem algumas diferenças entre aquilo que o Jürgen fazia e aquilo que fazemos agora”, explicou Conor Bradley, lateral dos reds.

Esse acompanhamento mais pessoal e individualizado teve impacto direto no rendimento de Gakpo, Gravenberch, Luis Díaz ou Salah — mas também Trent Alexander-Arnold, que já falou sobre o tema publicamente. “Se um avançado passa por mim, ele vai destacar esse momento na reunião e dizer que aquilo não pode acontecer. Analisamos cada jogo em conjunto e ele mostra-me onde quer que eu seja melhor. É muito refrescante ter um treinador que te ajuda e que te guia, que te ensina como ser melhor como jogador”, referiu o lateral inglês, que pode estar de saída para o Real Madrid ainda este verão.

A treinar um dos melhores e maiores clubes do mundo, Arne Slot utiliza o padel para relaxar, a modalidade que encontrou para substituir o golfe que praticava nos Países Baixos. Ainda assim, o neerlandês nunca deu a ideia de estar propriamente a sentir a pressão — só mesmo a responsabilidade.

“Antes do primeiro jogo em casa, com 60 mil pessoas nas bancadas, perguntei-lhe se estava nervoso. Respondeu-me que tinha sido treinador do Feyenoord, que tinha um estádio com 50 mil pessoas, que estava habituado. Disse-lhe ‘não, Arnie, não… Isto é Anfield, é diferente. Ele estava a desvalorizar tudo. Depois fiquei a pensar sobre o assunto e percebi que o Liverpool era perfeito para ele. É só um tipo normal, com os pés na terra, muito calmo. Para ele é tudo igual e ele também não muda. Não se deixou levar quando ganharam 11 dos primeiros 12 jogos e também não entrou em pânico quando perdeu a final da Taça da Liga cinco dias antes de ser eliminado da Liga dos Campeões”, recordou Sander Westerveld.

Certo é que, um ano depois de ter sido anunciado pelo próprio antecessor em pleno relvado de Anfield, Arne Slot conquistou a Premier League e já se tornou um dos heróis da história recente do Liverpool. E tudo porque, apesar de ter sempre homenageado o rock n’ roll de Jürgen Klopp, nunca quis ser uma banda de tributo.

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