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Não largo do Carmo, nem da Liberdade

Não largo do Carmo, nem da Liberdade

A solução democrática, sempre desafiadora, é buscar vias de diálogo que respeitem a complexidade das sociedades, apesar da inevitável tensão suscitada pelos conflitos ou discordâncias.

Os artigos da equipa do PÚBLICO Brasil são escritos na variante da língua portuguesa usada no Brasil.

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Em Portugal, meu dia preferido no calendário é 25 de Abril. Faço questão de encontrar as pessoas, participar dos eventos, comprar cravos para vestir e distribuir. Quem me dera viver num planeta em que cada país celebrasse a democracia todos os anos.

Os festejos de Abril são um exemplo português para um mundo em que o autoritarismo ganha uma força assustadora. E os imigrantes têm participado cada vez mais dessas comemorações que concernem diretamente a eles, sobretudo, os que vêm de territórios já ocupados por Portugal. Afinal, celebramos o término da ditadura salazarista, mas, também, o fim da guerra colonial e do império lusitano.

Vi muitos estrangeiros junto aos portugueses nas multidões que animaram o Arraial dos Cravos, no Largo do Carmo, e o tradicional desfile pela Avenida da Liberdade. Fiquei comovida com a grandeza dos festejos, apesar dos rumores de que seriam inibidos pela decretação de luto após a morte do Papa. O povo entendeu que Francisco, defensor da democracia e dos imigrantes, seria o maior entusiasta dessa festa plural e humanista.

Para desgosto dos que apreciam o espírito da Revolução, houve quem aproveitasse a festa contra o fascismo para defender o fascismo. Em Lisboa, os jornais noticiaram protestos anti-imigração de grupos neonazis, que entraram em confronto com a polícia e com manifestantes antifascistas, o que resultou em alguns presos e feridos.

Esses embates nos mostram que a luta não está ganha. Não há qualquer garantia de que a democracia seja perene. Ela exige um esforço constante de reafirmação, num tempo em que os ideários supremacistas, xenofóbicos e ultranacionalistas saíram da deep web e conquistaram apoios desavergonhados.

O bode expiatório da vez, ao menos na Europa e nos Estados Unidos, são os imigrantes — especialmente aqueles chamados de “mouros” nos cartazes dos neonazis que exigem sua expulsão de Portugal. É a figura da alteridade, que há séculos parece tão estranha e ameaçadora.

Frente aos impulsos narcísicos que atravessam os sujeitos humanos, mesmo que inconscientemente, cada um de nós deve lidar com a seguinte questão: como agir diante de um Outro que é tão diferente de Mim?

A solução fascista — simplista, imediatista, violenta — se reduz a odiar, maltratar, excluir e, no limite, aniquilar o Outro.

Segundo o senso comum, as palavras se distinguem dos atos. Mas existem palavras capazes de produzir efeitos muito concretos. A cada Abril, faço questão de ir até o Carmo e a Liberdade para juntar minha voz ao coro que grita: “Fascismo nunca mais/ 25 de Abril sempre”. Não porque esse grito é um clichê que se ensina às crianças nos manuais escolares, para cumprir um protocolo. Mas porque esse grito é um rito. É um escudo antifascista. É a História viva que se refaz, nas vozes de todos nós.

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