observador.pt - 29 abr. 20:32
Operadoras privadas, ciberataques, as renováveis e Sánchez. Depois do apagão, procuram-se culpados em Espanha
Operadoras privadas, ciberataques, as renováveis e Sánchez. Depois do apagão, procuram-se culpados em Espanha
Sánchez critica privados e exige "responsabilidades", não descartando ciberataque. Falha na energia solar pode ter causado apagão e direita defende aposta no nuclear. PP ataca gestão do governo.
A vida vai voltando à normalidade em Espanha, após o apagão desta segunda-feira. No entanto, à medida que os serviços vão sendo integralmente repostos, os dirigentes políticos espanhóis tentam responder a duas perguntas: o que causou a falha de eletricidade e se esta poderia ter sido evitada. As explicações ainda são escassas, mas há várias teorias em cima da mesa. Pelo meio, tal como acontece em Portugal, a oposição está a apontar o dedo ao governo, acusando Pedro Sánchez de “falhas de comunicação” durante o apagão. Aliás, líder da oposição e presidente do Partido Popular (PP), Alberto Núñez Feijóo, queixou-se de que falou primeiro com Luís Montenegro do que com o presidente do governo espanhol.
Numa conferência de imprensa esta terça-feira, o chefe do governo espanhol responsabilizou diretamente as “operadoras privadas” do setor energético. Ainda que não tenha especificado a que empresas se dirigiam as críticas, Pedro Sánchez prometeu que o executivo vai “exigir responsabilidades aos operadores privados se tal for necessário”. “O que aconteceu foi um evento extraordinário numas circunstâncias normais e quotidianas, sem que houvesse nenhuma crise”, descreveu o secretário-geral socialista espanhol, indicando que o governo está a “examinar os registos informáticos da Red Eléctrica dos operadores privados para não descartar nenhuma hipótese”.
O executivo de Espanha já ordenou uma comissão de inquérito liderada pelo Ministério da Transição Ecológica para tentar entender os contornos do apagão, ao mesmo que a Comissão Europeia também leva a cabo uma investigação. Em todo o caso, existe um certo desagrado no executivo, como analisa o El País, com a Red Eléctrica, a distribuidora energética espanhola. Apesar de ser chefiada por Beatriz Corredor — ex-ministra socialista pertencente ao segundo governo de José Luis Zapatero —, a entidade é privada, sendo detida apenas em 20% pelo Estado espanhol, o que se enquadra nas críticas deixadas pelo Pedro Sánchez. Esta terça-feira à tarde, o líder socialista esteve reunido com os principais dirigentes das empresas de energia.
Um vislumbre dessa falta de sintonia entre a Red Eléctrica e Pedro Sánchez foi visível na conferência de imprensa desta terça-feira ao final da manhã. Minutos antes, a distribuidora descartou a possibilidade de o apagão ter sido causado por um ciberataque. Porém, o chefe do governo espanhol disse que não tinha conhecimento dessa informação e que soube em primeira mão pelos jornalistas. Mesmo assim, o líder do executivo reiterou: “Seria imprudente descartar qualquer hipótese e é imprudente assinalar só uma ou outra hipótese”.
A oposição tem deixado várias críticas à falta de resposta do governo, bem como à coordenação pouco eficaz. E tem insistido num ponto: o de que a energia nuclear pode ajudar Espanha a evitar novos apagões — e que o país deve apostar na sua continuidade a curto prazo. Essa estratégia é distinta da do governo espanhol, que defende uma transição mais rápida para as renováveis e o encerramento das centrais nucleares até 2035.
E há elementos que podem colocar em questão a estratégia do governo espanhol. O diretor de operações da Red Eléctrica, Eduardo Prieto, sublinhou que foi identificado “um elemento compatível com uma perda de geração energética” no sudoeste de Espanha “que foi superado satisfatoriamente”, mas que 1,5 segundos depois ocorreu um segundo, coincidindo com o momento do apagão. Nesta segunda perda, é “muito possível que a geração [de eletricidade] afetada possa ser solar”, acrescentou o responsável.
Estas conclusões, realçou Eduardo Prieto, são preliminares. Mas há também um documento da Red Eléctrica, entregue à Comissão Nacional do Mercado de Valores (a equivalente à CMVM em Portugal) no final de fevereiro deste ano e divulgado esta terça-feira pela imprensa espanhola, em que se reconhece que havia um “risco a curto prazo” de “desconexões de geração pela elevada penetração das renováveis”.
Sánchez desmente “excesso de renováveis” e o documento da Red EléctricaO chefe do governo espanhol foi rápido a reagir perante a possibilidade de ter sido uma falha nas energias renováveis que levou ao apagão. “Não houve um problema de excesso de renováveis“, frisou Pedro Sánchez, garantindo: “Os cidadãos devem saber que, durante esta crise, as nucleares estão longe de ser uma solução. Foram um problema”.
???? Sánchez asegura que no hubo un problema de exceso de renovables: «Quienes lo vinculan a falta de nucleares, o mienten o demuestran ignorancia». pic.twitter.com/M1mRC9XFDY
— THE OBJECTIVE (@TheObjective_es) April 29, 2025
Atirando contra o Partido Popular e o Vox, Pedro Sánchez disse que aqueles que atribuem este incidente à falta de energia nuclear “mentem ou demonstram a sua ignorância”. “As centrais nucleares, longe de serem uma solução, foram um problema porque estavam apagadas e foi necessário enviar energia para mantê-las ligadas. Havia energia nuclear a ser gerada mesmo antes de o sistema ir abaixo e também se desconectou [no apagão] como as restantes”, sustentou o líder do governo espanhol, argumentando também que “desde há vários dias, cinco dos sete reatores nucleares estão parados por decisão das operadoras, que afirmam que não são competitivas nos preços [em comparação] com as renováveis”.
Entendimento diferente tem Alberto Núñez Feijóo. O presidente do PP defendeu, esta terça-feira, que existe a “imperiosa necessidade” de “ter uma energia de reserva” e que deve ser a nuclear. “Temos muita energia renovável e isso é bom, mas é oscilante”, sublinhou o responsável popular, que considera que o governo gere o assunto com uma “enorme carga ideológica”.
O líder do Partido Popular apelou a Pedro Sánchez para que “retifique” e que aumente a vida útil das centrais nucleares, que são uma “energia verde com zero emissões”. “Se depois do que se passou o governo não ratifica e não aumenta a vida útil das centrais nucleares, estamos num absoluto disparate elevado à enésima potência”, declarou Alberto Núñez Feijóo, justificando que “nenhum país na Europa” está a encerrar estas infraestruturas energéticas. Com uma retórica mais explosiva, o Vox subscreveu as críticas dos populares. O presidente do partido, Santiago Abascal, escreveu no X que Pedro Sánchez causou o apagão por causa das suas “políticas ambientais nefastas”.
Deja de mentir, sinvergüenza.
Tú has provocado el apagón por tus políticas energéticas nefastas.
Tú dijiste que no podía pasar. Que eran bulos.
Tú, Sánchez, ahora que ha pasado, tienes que irte y ponerte a disposición judicial. https://t.co/kBbTPEn1md
— Santiago Abascal ???????? (@Santi_ABASCAL) April 29, 2025
A oposição vai agora agarrar-se ao documento da Red Eléctrica entregue à Comissão Nacional do Mercado de Valores. No relatório anual de fevereiro de 2025, a distribuidora escrevia que o “encerramento de centrais de geração convencional como as de carvão, a de ciclo combinado e nuclear (consequência de requisitos regulatórios), implica uma redução da potência e das capacidades de equilíbrio do sistema elétrico, assim como a sua força e inércia”.
“Isto pode aumentar o risco de incidentes operacionais que possam afetar o fornecimento de energia e a reputação da empresa. Esta incidência supõe um risco com um horizonte temporal a curto e médio prazo”, admitiu a Red Eléctrica no seu relatório anual.
Na conferência de imprensa de apresentação dos resultados da Red Eléctrica em fevereiro, Beatriz Corredor negou que houvesse riscos de um apagão por conta do encerramento de centrais nucleares em Espanha. O governo espanhol estabeleceu o objetivo de fechar todas as centrais nucleares de 2027 e 2035. Nessa ótica, a responsável defendia a posição do executivo e salientava que “não estava em risco a segurança do abastecimento elétrico pelo calendário de encerramento nuclear”.
A empresa voltou a reiterar a posição de Beatriz Corredor meses depois. Na conta oficial das redes sociais, numa publicação a 9 de abril de 2025, três semanas antes da falha de eletricidade, a Red Eléctrica insistia que “não existia risco de apagão”: “A Red Eléctrica garante o abastecimento”.
A questão política foi além do nuclear. Feijóo falou primeiro com Montenegro do que com SánchezAnte las informaciones publicadas:
????No existe riesgo de apagón.
????Red Eléctrica garantiza el suministro.➡️El ERAA 2024 no realiza cuestionamientos de ningún grupo nuclear.
➡️La principal conclusión de este informe de @ENTSO_E es que un volumen importante de ciclos combinados…— Red Eléctrica (@RedElectricaREE) April 9, 2025
A energia nuclear voltou ao centro do debate político em Espanha, mas a oposição também criticou duramente a gestão política de Pedro Sánchez durante o apagão. O chefe do governo espanhol apresentou, no entanto, uma visão otimista na conferência de imprensa desta terça-feira: “Felizmente, com todas as cautelas, Espanha está a superar o pior da crise e caminha com passos firmes rumo à recuperação da plena normalidade”. O sistema, vincou, “reagiu com agilidade e eficácia”, tendo havido uma “excelente e leal” coordenação entre as administrações públicas.
Por sua vez, Alberto Núñez Feijóo criticou o “governo ultrapassado” e desgastado chefiado por Pedro Sánchez. E veio a público denunciar que falou primeiro com o primeiro-ministro português, Luís Montenegro, do que com Pedro Sánchez. “Não digo que o presidente do governo não tenha querido falar comigo. Mas falei primeiro com os presidentes das comunidades autónomas e com o primeiro-ministro português”, sublinhou o presidente do PP, partido que faz parte da mesma família política europeia do que o PSD e o CDS-PP.
Só a meio da tarde desta terça-feira, segundo relata a imprensa espanhola, é que o presidente do executivo espanhol falou ao telefone com o líder da oposição para discutirem a falta de eletricidade. Contudo, o presidente do Partido Popular não ficou esclarecido depois da chamada telefónica, frisando que as informações que obteve não foram “clarificadoras”. “De tudo o que se sabe, o governo espanhol tem de oferecer as explicações que deve aos cidadãos e à Europa.”
Alberto Núñez Feijóo está nestes dias em Valência, no congresso do Partido Popular Europeu, em que também participaria Luís Montenegro, que acabou por não ir devido ao apagão. O evento, que reúne os principais partidos de centro-direita em toda a Europa, aproveitou por colocar a mira em Pedro Sánchez, que, após a derrota de Olaf Scholz na Alemanha, se tornou o chefe de governo socialista com mais influência em Bruxelas.
Na abertura do congresso, Esteban González Pons, vice-presidente do Parlamento Europeu e vice-secretário dos Assuntos Institucionais do PP, atacou o socialista, referindo que “Espanha tem um Estado, mas não tem um governo”. Criticou igualmente o “apagão informativo” do executivo, defendendo que o país “merece rigor e informação”.
Nas hostes socialistas, as opiniões são naturalmente diferentes. A imagem que projetam é que Pedro Sánchez lidou com a falta de eletricidade de forma exemplar. “O presidente do governo foi o que país precisou em momento críticos: um líder. Um país governa-se assim”, elogiam, segundo o El Español, os dirigentes do PSOE, que contrastam com a forma como o executivo regional do PP na Comunidade Valenciana lidou com as cheias na região em outubro de 2024.
Os socialistas denunciam ainda a campanha política em curso da direita espanhola, acusando Alberto Núñez Feijóo de se comportar como um “oportunista político”. “Feijóo não conhece o sentido de Estado, é muito provável que não saiba o que significa essa expressão. Está a tentar aproveitar-se, enquanto o governo resolve a crise. Consegue mover-se melhor na deslealdade institucional do que na política”.
Entre críticas e elogios, o governo espanhol vai continuar a ser escrutinado pela forma como geriu o apagão. Mis além do que a comunicação, a falta de eletricidade colocou no centro do debate político se o sistema produtor de eletricidade de Espanha é resiliente — e se ainda precisa do nuclear para gerar eletricidade. O PP e o Vox vão continuar a defender a existência do que pode ser um back up durante o apagão, ao passo que o governo pretende continuar a apostar nas renováveis.