publico.pt - 29 abr. 14:14
A cartilha antiambiental de Trump: uma centena de medidas contra clima e ambiente em 100 dias
A cartilha antiambiental de Trump: uma centena de medidas contra clima e ambiente em 100 dias
Demolir as protecções ambientais contra a poluição nos EUA (mesmo as mais óbvias), atacar a ciência e recusar cooperação internacional no clima: esta é a cartilha ambiental de Trump.
Nos primeiros 100 dias de Donald Trump na Casa Branca, o Presidente dos Estados Unidos conseguiu lançar mais de uma centena de acções ou propostas lesivas do ambiente ou da saúde pública, contabilizou Alexandra Adams, dirigente da organização não-governamental National Resources Defense Council (NRDC). “Em média, foi mais do que uma acção por dia, numa campanha para rasgar protecções essenciais e enfraquecer a sua aplicação”, sublinhou.
No site White House Watch, o NRDC mantém uma base de dados actualizada destas medidas. É até difícil escolher quais as mais chocantes, de tão irracionais. “Pretendem enfraquecer, ou destruir completamente, todo o edifício de regulação governamental construído por políticos de ambos os partidos [Republicano, como o de Trump, e Democrata]", afirmou Alexandra Adams, num artigo online.
Vejamos: Lee Zeldin, o administrador da Agência de Protecção Ambiental (EPA), anunciou a intenção de eliminar mais de 20 limites legais de poluição da água e do ar, relatou o New York Times. Por exemplo, quer rever as restrições da poluição por mercúrio, que tem efeitos neurotóxicos e pode afectar o desenvolvimento do cérebro dos bebés e crianças de forma irreversível.
Nada disto é lei, por ora. Num vídeo com pouco mais de dois minutos, o administrador da EPA anunciou a intenção de mexer nos limites das emissões de fábricas e centrais eléctricas, que são associadas a doenças respiratórias e mortes prematuras. Isso ajudará as centrais a carvão, que o Presidente Donald Trump quer manter em funcionamento. Mas as partículas finas libertadas pela queima do carvão, com dióxido de enxofre, estão relacionadas com um aumento da mortalidade nos EUA.
Trump travou já projectos de eólicas offshore, por exemplo, em Nova Iorque, porque tem uma especial antipatia por esta forma de produção de energia renovável. Mas quer manter as minas de carvão abertas, e este é o combustível fóssil que liberta maior quantidade gases com efeito de estufa que provocam o aquecimento global. O regresso ao carvão far-se-ia a pretexto da “crise energética” decretada por Trump logo que chegou à Casa Branca. Só que não há sinais de que ela exista.
Os EUA são os maiores produtores e exportadores de gás natural e petróleo, os preços estão estáveis com tendência a baixar, o que não desperta apetites por novas explorações e, na verdade, a procura por combustíveis fósseis está em declínio, à medida que as energias renováveis satisfazem uma parte cada vez maior da procura de electricidade.
Negar alterações climáticasNa elaboração de políticas ambientais, Zeldin quer que deixem de ser considerados os custos para a sociedade dos incêndios florestais, secas, tempestades e outros desastres que podem ser agravados pela poluição, ou alterações climáticas. E, no seguimento deste raciocínio, anunciou a revisão do documento de 2009 com base no qual a EPA classifica as emissões de dióxido de carbono (CO2) como um risco de saúde pública, ficando assim sob a sua alçada regulamentá-las.
“Numa altura em que milhões de norte-americanos estão a tentar reconstruir as suas casas depois de terríveis incêndios florestais e furacões potenciados pelas alterações climáticas, não faz sentido tentar negar que as alterações climáticas prejudicam a nossa saúde e bem-estar”, disse ao New York Times Jackie Wong, vice-presidente do NRDC.
Há uma linha de continuidade nesta política, que é a desregulação e negação do conhecimento científico acumulado ao longo das últimas décadas, com o objectivo de beneficiar interesses industriais, com uma visão de curto prazo.
É o que acontece com a proposta de rever a interpretação do significado de “fazer mal” na Lei das Espécies Ameaçadas, para que a destruição do habitat – a principal ameaça – seja excluída do texto. Dessa forma, a lei só impediria ameaças directas, como caça ou ferimentos intencionais. Se o avanço da extracção de madeira, de petróleo, gás natural ou pesca pusesse espécies em risco apenas por destruição do seu habitat, isso seria legal, porque não constava na lei.
Mas as acções de Trump, que considera as alterações climáticas uma “farsa”, têm impacto muito para lá do seu país.
Uma das primeiras decisões de Trump, quando regressou à Casa Branca, foi retirar os EUA do Acordo de Paris – outra vez. Não será por isso de estranhar que, na reformulação do Departamento de Estado, seja encerrado o Gabinete de Alterações Globais, que representava os EUA nas conferências do clima das Nações Unidas.
Quer isto dizer que já em Novembro, na COP30, na Amazónia brasileira, os EUA não estarão presentes. “Não vamos participar em acordos e iniciativas internacionais que não reflectem os valores do nosso país”, confirmou um porta-voz do Departamento de Estado, citado pela agência AFP.
Se se retiram de um lado, querem pesar noutro: os EUA querem influenciar a forma como é distribuído o financiamento do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial. Estão a fazer uma revisão da sua colaboração com estas instituições, com resultado esperado em Agosto. O objectivo, sabe-se, é expurgar destas instituições multilaterais abordagens centradas na adaptação ao clima e redução das emissões, que têm ganhado importância nos últimos anos.
A Agência Internacional de Energia (AIE) está também a ser visada, e a saída dos EUA é uma possibilidade, noticiou o Politico. Não agrada à Administração Trump a investigação que a agência faz sobre energias renováveis e o foco que tem posto na transição energética. “A ‘diferença de opinião’ entre a Europa e os EUA na AIE é um ponto de fricção”, reconheceu ao Politico Michael Bradshaw, da Faculdade de Economia de Warwick, no Reino Unido.
485 milhões de euros é quanto Trump quer cortar no orçamento de investigação científica da NOAA, reduzindo-a a 171 milhões de dólaresCortar, cortar, cortar
A ciência e os cientistas têm sido alvos de Trump, com cortes financeiros e na liberdade de expressão. A revista Science avançou pormenores de um documento de preparação do Orçamento do Estado de 2026 que mostra a intenção de pedir ao Congresso para eliminar os centros de investigação científica na Administração para os Oceanos e a Atmosfera (NOAA, na sigla em inglês) e cortar o financiamento aos cientistas que estudam alterações climáticas. Isto implicará abandonar satélites e provavelmente encerrar o Centro Goddard da NASA, a agência espacial norte-americana.
A proposta é cortar o orçamento de investigação da NOAA para 171 milhões de dólares – uma queda de 485 milhões de dólares. “Seria fechar tudo. Os EUA vão voltar ao nível do que se fazia na década de 1950 – tudo porque a Administração Trump não gosta das respostas para questões científicas que a NOAA estuda”, afirmou à Science Craig McLean, ex-director de investigação da NOAA, que se reformou em 2022.