sol.sapo.ptmagalhaes.afonso@newsplex.pt - 29 abr. 21:56

A Universidade e a Liberdade

A Universidade e a Liberdade

Os ataques à liberdade académica em Harvard começaram muito antes de Trump e vieram das estruturas que dirigem própria universidade

Desde que em 1215 o Papa Inocêncio III afirmou a independência legal da universidade de Paris relativamente ao bispo da cidade, protegidas por bulas papais e cartas reais, as universidades tornaram-se instituições legalmente autónomas, com liberdade para organizar as suas próprias faculdades, controlar as admissões s e estabelecer padrões para a graduação. E, fundada nessa autonomia, a liberdade académica floresceu, lenta e conturbadamente durante os tempos medievais, até atingir em Humboldt, no início do século 19, a sua expressão moderna: «A liberdade dos professores para investigar qualquer assunto que suscite a sua preocupação intelectual(…), (e dos ) estudantes, (…) estudarem assuntos que lhes dizem respeito, de tirar conclusões por si próprios e de expressar as suas opiniões».  (cf., Enciclopédia Britannica). A justificação desta liberdade foi eloquentemente colocada por Lorde Hague na sua tomada de posse como chanceler de Oxford: «A preocupação de uma universidade é que as opiniões sejam formadas com base na verdade, na razão e no conhecimento, o que por sua vez exige pensar e falar com liberdade».

A propósito de combater o antissemitismo, a administração Trump lançou um ataque sem precedentes em democracia à autonomia da Universidade de Harvard e, por implicação, à própria liberdade académica. O ataque é canhestro e pode mesmo comprometer a ciência excecional produzida em Harvard e noutras universidades de elite, e esconde mal o desejo de contrabalançar o ‘wokismo’ com o ‘maganismo’. 

Mas sejamos francos: os ataques à liberdade académica em Harvard começaram muito antes de Trump e vieram das estruturas que dirigem própria universidade. Inquéritos da Foundation for Individual Rights of Expression (Fire), revelam que em Harvard, 74% dos estudantes sentem-se «desconfortáveis em discordar publicamente com um professor sobre um tema político controverso» e que 61% sentem-se «desconfortáveis em expressar [as suas] opiniões sobre um tema controverso durante uma discussão em sala de aula». Mais de metade disse que era difícil «ter uma conversa aberta e honesta sobre o conflito israelo-palestiniano no campus». Uma proporção substancial de estudantes (41 por cento) acredita que a sua universidade não deveria permitir um orador que anteriormente expressou a opinião de que «o Black Lives Matter é um grupo de ódio»; mas muitos menos – 21% – pensam que uma proibição semelhante deveria ser imposta a um orador que tivesse anteriormente expressado a opinião de que «o racismo estrutural mantém a desigualdade ao proteger o privilégio branco». Não admira que a Fire tenha colocado Harvard em último lugar entre as universidades americanas no ranking de liberdade de expressão. E esta situação não está limitada a Harvard; é comum nos campi norte-americanos e começa a generalizar-se no ocidente com destaque para o mundo anglo-saxónico.

As preocupações da administração Trump com a liberdade de expressão e de pensamento em Harvard são, pois, justificadas. A situação que os inquéritos revelam é uma consequência inevitável das políticas dos organismos dirigentes para incorporar políticas de DIE (Diversity-Inclusion-Equity) em todos os aspetos da vida universitária, elevando critérios de ‘correção’ política e ideológica acima do mérito intelectual e do livre debate. DIE é puro newspeak orwelliano cujo verdadeiro o verdadeiro objetivo promover uma doutrina identitária – segundo a qual a condição de ‘oprimido’ e ‘opressor’ é a verdade mais fundamental e que subjaz a todas as análises da realidade social ou natural –, e que é profundamente hostil à liberdade individual. Uma consequência, pois, de governos universitários desejosos de promover ideais ‘progressistas’, esquecendo que as universidades não são nem entidades políticas nem plataformas de estilos de vida alternativos. Harvard pôs-se a jeito!

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