Observador - 30 abr. 00:04
Como podem ou devem liberais celebrar abril?
Como podem ou devem liberais celebrar abril?
Quem diz defender a liberdade não deve ser o primeiro a desincentivar ou negar aos outros o direito de a celebrar.
Na nossa democracia liberal, o direito à manifestação é constitucional. Exige-se apenas o exercício do civismo, idealmente sem provocar de forma tribal, infantil ou passivo-agressiva quem o faz de forma diferente. Pensar sequer nesta pergunta, lamento, denuncia tendências perigosas.
Gravava entrevistas no Marquês quando os vi e registei algo incomum: um pelotão de soldadinhos, com uniformes mais brilhantes do que o céu, marchava lenta e calculadamente para assumir a cauda do desfile da liberdade. Faziam-se ouvir para reclamar o seu espaço. Mesmo que as políticas neoliberais que a IL propõe não tenham resultados provados (exceto para capitalistas de risco), o liberalismo, enquanto filosofia política de defesa da liberdade, não podia ser ostracizado neste dia – nem os partidos que o representam.
Também testemunhei a desumanização a que este grupo foi sujeito (direcionada também ao VOLT, por exemplo). Uma hostilidade radicalizante, moralista, que em nada avança a Justiça Social e tão desalinhada está com os ideais desta data. Quem diz defender a liberdade não deve ser o primeiro a desincentivar ou negar aos outros o direito de a celebrar — mesmo que estes provoquem com associações falaciosas.
A maioria de nós é absolutamente contra o totalitarismo e o autoritarismo, mesmo que a ignorância nos faça patinar em populismos.
Sim, Abril de 74 é ideológico: é o corte com o totalitarismo, por ninguém mais que a esquerda revolucionária. É o seu mérito incontornável e, por isso, temos de respeitar a luta e a perseguição daqueles que o lograram, mesmo que hoje os seus sucessores desvirtuem esse feito.
Porém também é verdade que o caos que se seguiu não era sustentável e que nem todas as visões de liberdade apresentadas no faroeste que foi o PREC eram desejáveis.
Em 75, tivemos o corte com a deriva revolucionária (não o comunismo, do qual estávamos longe), desta vez pelas mãos de todos os democratas, e deste saíram as primeiras eleições livres no primeiro aniversário da revolução. Um ano depois, entra em vigor a Constituição (tão nossa amada, por difícil que seja de concretizar pelos nossos dirigentes). O corte com a força como base do poder político, pelos representantes do povo.
A democracia que temos hoje é incontornavelmente liberal — e não é evidente que quaisquer das liberdades e direitos que conquistamos tivessem sido possíveis noutro regime.
Direitos para todos, conseguidos através destes “três cortes” de Abril.
Tenham diálogos construtivos — não percam tempo em fricções puristas — inspirem-se.