observador.pt - 30 abr. 01:57
O momento de maior tensão, o risco evitado, as falhas e as bifanas. Os bastidores do Governo na crise do apagão
O momento de maior tensão, o risco evitado, as falhas e as bifanas. Os bastidores do Governo na crise do apagão
Situação de uma maternidade preocupou muito e o regresso da eletricidade antes do anoitecer ajudou a evitar escalar de tensão. Fake news "amedontraram" e SIRESP falhou definitivamente no teste.
Cinco horas de autonomia, 400 litros de combustível. É a capacidade do gerador da Maternidade Alfredo da Costa (MAC), em Lisboa, a infraestrutura que mais preocupações gerou ao longo das 12 horas que durou o apagão que atingiu o país. A determinada altura, a situação aproximou-se do limite. Era preciso garantir que chegava mais combustível àquela unidade hospitalar — e fazê-lo rapidamente — para reduzir a zero o risco de o gerador parar. Mas havia dificuldades logísticas associadas ao transporte (em segurança) do combustível. Os que conseguiriam assegurar essa missão não estavam suficientemente perto; os outros não tinham meios para o fazer naquele momento. A ordem foi clara: mobilizar meios para o terreno e garantir que o combustível chegava a tempo à MAC. Mesmo que houvesse redundâncias.
No Palacete de São Bento, onde estava reunido o Conselho de Ministros, chegou a ser equacionada por alguns breves momentos uma solução de recurso e altamente engenhosa: os motoristas dos ministros usariam as viaturas oficiais para se deslocarem até à maternidade e usar o combustível que tinham nos carros. Só que os modelos mais recentes têm mecanismos de segurança para impedir o roubo de combustível, o que tornaria toda a operação impraticável. Havia igualmente a hipótese de seguirem para postos de combustível para que enchessem quatro ou cinco jerricans e seguissem depois para a maternidade. Mas acabou por não ser necessário: o transporte foi assegurado por um camião-cisterna da GNR vindo da Trafaria que serviu igualmente outros hospitais. A situação-limite fora ultrapassada.
Mas os riscos não estavam ainda totalmente afastados. Na verdade, os elementos do Governo que respondiam à crise, alimentados à base de bifanas, o jantar improvisado que foi chegando à residência oficial do primeiro-ministro, só puderam respirar de alívio quando a energia foi reposta. Há quem reconheça que a experiência distópica que o país viveu durante 12 horas poderia ter sido bem diferente — e porventura bem mais grave — se a energia não tivesse sido restabelecida ainda antes de o Sol se pôr completamente. Uma coisa é gerir uma crise de energia durante o dia; outra coisa totalmente diferente é assegurar a serenidade e a ordem durante a noite.
As previsões da REN apontavam para que a energia só regressasse a Lisboa já perto da meia-noite, o que tornaria toda a situação mais imprevisível. Os riscos de desacatos, episódios de violência e possíveis assaltos aumentavam. Aconteceu noutras latitudes, em situações idênticas. Por isso, as forças de segurança tinham instruções claras para fossem para a rua, em estado de prontidão e fazer vigilância. A luz voltou pelas 20h30, sem que as ruas tivessem mergulhado na escuridão total. Nesse preciso momento, por um segundo, houve uma falha de luz em São Bento, quando o gerador se desligou para que o sistema regressasse ao sistema normal. Um pequeno soluço depois de 12 horas de tensão.
O significado da visita à Alfredo da CostaÀs 22h23 de segunda-feira, o staff de Luís Montenegro informava os jornalistas de que o primeiro-ministro estaria precisamente naquela maternidade dali a poucos minutos. A eletricidade estava restabelecida há um par de horas e o primeiro-ministro queria ver de perto como estava a decorrer o regresso à normalidade. Antes de seguir para lá, comunicou com a ministra da Saúde (que esteve sempre no Norte do país), que articulou com os responsáveis da maternidade. Depois de conversar com o conselho de administração e de falar com profissionais de saúde ali presentes, Luís Montenegro fez uma visita à unidade hospitalar. Não foi possível não reparar num bebé de 23 semanas numa incubadora — se tivesse existido uma falha de energia na MAC, aquele bebé poderia não ter sobrevivido.
À saída, o mesmo Luís Montenegro disse ter decidido visitar o local para ouvir de “viva voz as reflexões que as pessoas tiraram no terreno”, reconhecendo ter existido “alguma dificuldade acrescida no reabastecimento de alguns geradores em alguns hospitais”, incluindo naquela maternidade. “Foram acionados os geradores, alimentados por combustível. Só que combustível vai-se consumindo e é preciso alimentar novamente os depósitos. Acontece que a cadeia de abastecimento de combustíveis estava ela própria colapsar. Foi preciso fazer uma gestão muito rigorosa.” O que Montenegro não chegou a revelar — e não era suposto que o fizesse — foi o nível de preocupação que aquela unidade de saúde em particular gerou.
Este foi o momento mais crítico de toda a operação, apontam várias fontes ouvidas pelo Observador e diretamente ligadas ao gabinete de crise que geriu a resposta ao apagão “grave, inédito e inesperado”, como lhe chamou na terça-feira Luís Montenegro. Uma operação que, apesar do choque inicial e de toda a incerteza associada, terminou sem incidentes graves a reportar, tendo sido possível restabelecer a energia de forma relativamente célere — até por comparação com Espanha.
A prioridade foi descobrir primeiro a origem do problema, perceber como é que se poderia fazer a retoma e, finalmente, que medidas poderiam ser tomadas para minorar o impacto. Gerir, decidir e resolver problemas, tratar da comunicação. O que não podia acontecer, sublinha-se agora a partir do Governo, era comunicar à medida que se tentava resolver problemas. Não se faz as duas coisas bem ao mesmo tempo. E se o debate é agora em torno da comunicação do Governo, apontam as mesmas fontes, é porque no aspeto da resposta operacional nada de verdadeiramente estrutural falhou — ou, pelo menos, não há incidentes graves a reportar. O que ninguém esconde é que se viveram alguns momentos de incerteza e de tensão ao longo daquelas 12 horas.
A máquina começa a trabalharO dia de Luís Montenegro estava dedicado à preparação do debate com Pedro Nuno Santos. A parte da tarde estava reservada precisamente para esse efeito. Até que às 11h33 o país apagou. Dois minutos depois, o primeiro-ministro percebeu que não era uma avaria simples e começaram os contactos. António Leitão Amaro, ministro da Presidência e responsável pela coordenação do Governo, Miguel Pinto Luz, ministro das Infraestruturas, e Graça Carvalho, ministra do Ambiente e da Energia, foram os primeiros a ser envolvidos. Ana Paula Martins e Margarida Blasco, ministras da Saúde e da Administração Interna, respetivamente, entraram no anel seguinte.
Na mesma altura, Luís Montenegro falou com Marcelo Rebelo de Sousa — o primeiro-ministro foi mantendo contactos sucessivos e regulares com o Presidente da República. O chefe de gabinete do primeiro-ministro fez o mesmo com chefe da Casa Civil do Presidente. O secretário-geral do Sistema de Informações da República portuguesa (SIRP), Vítor Sereno, foi igualmente envolvido. As secretas portuguesas, a quem cabe responder, entre outras coisas, pela produção das informações necessárias à prevenção das ameaças à segurança interna e externa, começaram a operar em modo de gabinete de crise — tal como Sistema de Segurança Interna (SSI) e a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC).
Segundo apurou o Observador, Luís Montenegro teve pelo menos duas conversas com o presidente do Governo espanhol, Pedro Sánchez, ainda que o conteúdo dessa conversa não seja ainda conhecido. Também Paulo Rangel, que seguiu para Valência para participar no Congresso do PPE, foi mantendo o contacto com o homólogo espanhol, José Manuel Albares. Pelo menos numa fase inicial, houve reconhecidas dificuldades da parte da REN em conseguir informações da homóloga espanhola. Dificuldades essas atribuídas às reservas dos responsáveis espanhóis em partilhar com terceiros informações sensíveis numa altura em que ainda não se sabia exatamente a verdadeira dimensão do incidente e a origem do mesmo.
O primeiro contacto do Governo com os responsáveis da REN aconteceu ainda antes das 12 horas, sensivelmente à mesma hora em que António Leitão Amaro falou pela primeira vez com a comunicação social. Pelas 12h30, foi convocado um Conselho de Ministros em formato híbrido, na sala de reuniões ao lado do gabinete do primeiro-ministro e não na sala onde costumam decorrer as reuniões com os membros do Governo. Alguns ministros, os que estava em condições de chegar lá rapidamente, deslocaram-se para São Bento; outros participaram na reunião por videoconferência. A Luís Montenegro cabia a decisão estratégica, a António Leitão Amaro a gestão tática e aos outros ministros a atuação mais setorial.
Os primeiros momentos da criseA primeira decisão operacional foi desligar completamente a rede portuguesa da espanhola e começar a ligar os sistemas redundantes. Sempre com uma certeza: Lisboa, por concentrar o maior volume de consumo, não poderia ser a primeira a recuperar, sob pena de fazer o sistema todo ir abaixo, tal como acontece, em termos simplistas, quando se ligam todos os eletrodomésticos de uma vez só depois de uma quebra de eletricidade doméstica.
Os Serviços de Saúde, da Proteção Civil e de Segurança interna ativaram os planos de contingência — e comunicavam entre si. O Governo assegurou rapidamente a comunicação com os setores vitais: a banca, a distribuição e, naturalmente, a energia (E-Redes, EDP e REN). O centro de despacho dessas entidades têm geradores com forte capacidade o que permitiu manter a comunicação em permanência mesmo quando os operadores móveis falharam — o Conselho de Ministros funcionava igualmente graças a geradores.
As prioridades imediatas foram os hospitais — havia algumas unidades com menor autonomia — e os mais velhos — foi montada uma operação especial para garantir que aqueles que dependem de sistemas de ventilação assistida ligados à eletricidade estavam salvaguardados. A evacuação de todos os Metros foi outra das primeiras medidas adotadas (ainda antes do arranque do Conselho de Ministros), tal como a resposta nos aeroportos: era preciso dar condições para que os muitos passageiros que se acumulavam nos aeroportos (em especial o de Lisboa) recebessem alimentos, produtos básicos e camas de campanha.
As Forças Armadas foram igualmente mobilizadas num estágio muito inicial, tal como as forças de segurança. Precisamente para ajudar nas operações logísticas de distribuição (sobretudo de combustível) e nas escoltas necessárias. Mas também em questões mais imediatas e aparente prosaicas mas que tinham com objetivo tentar evitar que uma situação de eventual caos se instalasse: com o sistema de semáforos em baixo, era preciso garantir que havia polícia na rua para controlar o tráfego.
Por essa altura, já a equipa governamental se organizava para dar resposta à crise que se abatera sobre o país. A coordenação política ficou sempre a cargo do primeiro-ministro — Marcelo Rebelo de Sousa foi sendo informado em permanência sobre tudo o que estava a acontecer. Depois, havia uma equipa mais pequena, um grupo restrito de ministros, que recolhia informação e ajudava na tomada de decisões.
António Leitão Amaro, ministro da Presidência, ficou responsável pelas áreas da cibersegurança, por articular com os responsáveis do Sistema de Segurança Interna, por falar igualmente com Ana Paula Martins, ministra da Saúde, que estava no Porto com Álvaro Almeida, diretor executivo do SNS, e com o presidente do INEM. O papel de Miguel Pinto Luz foi especialmente relevante, não apenas por tutelar as Infraestruturas (transportes de todo o tipo e aeroporto), mas também pela componente técnica — é engenheiro eletrotécnico de formação.
Graça Carvalho, ministra do Ambiente, estava naturalmente neste primeiro grupo mais restrito, tal como Margarida Blasco, da Administração Interna (com importante tutela de Proteção Civil). Pedro Reis, ministro da Economia, ficou responsável pelas cadeias de distribuição, as gasolineiras e as farmacêuticas. O próprio chefe de gabinete de Luís Montenegro, Pedro Perestrelo Pinto, teve um papel importante em toda a articulação.
Os outros ministros foram-se juntando à operação, mas sem áreas totalmente estanques — o importante era garantir que o primeiro-ministro não tinha de articular com os 17 membros do Governo e que a informação fluía entre os gabinetes criados para o efeito até chegar ao grupo mais restrito e ao primeiro-ministro, numa lógica de cascata, com células de crise setoriais que reportavam a níveis superiores. José Manuel Fernandes, ministro da Agricultura, assegurou que havia respostas na área alimentar; Rita Júdice, ministra da Justiça, certificava-se de que as necessidades nas prisões estavam asseguradas; e Fernando Alexandre, ministro da Educação, por exemplo, cuidava de saber junto do respetivo setor a situação das escolas.
Na questão dos hospitais, por exemplo, para lá da cadeia normal de decisão, houve assumidamente a necessidade de transmitir um impulso político mais forte para garantir que as coisas fossem mais céleres — sabendo quais eram os hospitais que tinham menos autonomia, foram feitos cálculos para que houvesse sempre redundância e combustível disponível para qualquer eventualidade. Até por uma razão especial: hoje, o consumo energético dos hospitais, pela quantidade de tecnologia que existe, não corresponde exatamente à previsão de autonomia dos geradores. Nas escolas passou-se algo de idêntico: foi preciso dar instruções claras para que ficassem com as crianças até que os pais estivessem em condições de as ir buscar.
As várias fontes ouvidas pelo Observador e diretamente ligadas ao gabinete de crise reconhecem de forma unânime que o maior obstáculo foram precisamente as comunicações. E é hoje assumido pelos principais responsáveis — com Luís Montenegro à cabeça — que a rede SIRESP voltou a falhar. Quase 24 horas depois, os mesmo elementos que coordenaram a resposta ao apagão assumem que é preciso retirar uma lição imediata e inequívoca: a rede SIRESP não é a solução de que o país precisa.
Há quem aponte um aspeto particularmente grave associado à quebra de comunicações a este nível: numa crise desta natureza, os órgãos de soberania deixam de poder comunicar entre si por ausência de meios não convencionais — a Assembleia da República, por exemplo, não tem recursos próprios para manter linhas de comunicação com as autoridades competentes. Houve muitas dificuldades para informar rápida e adequadamente o presidente da Assembleia da República e os partidos com assento parlamentar. É outra lição a reter para futuro.
O efeito real das fake newsFoi também a primeira vez que o Governo se viu confrontado com o impacto real que a informação falsa pode ter quando em momentos de crise. Minutos depois do apagão, começou a circular, nas redes sociais e no WhatsApp, uma mensagem com uma suposta notícia atribuída à CNN Internacional onde se dava conta de que o incidente em Portugal e noutros países da Europa havia sido causado por ciberataques russos, com alegadas declarações da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
As mesmas mensagens chegaram a Luís Montenegro e aos membros do Governo que acompanhavam a crise, semeando a dúvida. Aquele foi o primeiro momento de grande tensão. A informação não correspondia a nada que o primeiro-ministro soubesse por via oficial ou oficiosa. Às 12h08, ainda um elemento do Executivo dizia, em conversa telefónica com o Observador, que poderia ser um ataque em larga escala e que era preciso encarar essa possibilidade como real.
Ao mesmo tempo, e numa altura em que se acumulavam muitas dúvidas sobre a causa do incidente, Manuel Castro Almeida, ministro Adjunto e da Coesão, que prestava declarações à RTP3 sobre um outro tema, foi surpreendido pela pergunta e sugeriu que poderia ser realmente um ataque informático de grande escala. “Há essa possibilidade, de facto”, assumia o ministro Adjunto e da Coesão Territorial. Minutos depois, quando começou a falar com os vários órgãos de comunicação social, António Leitão Amaro resistiu sempre em falar abertamente sobre essa possibilidade. Nuno Melo, a partir de Coimbra, à margem de um evento entretanto cancelado, recusava-se a especular sobre a origem do incidente.
Entretanto, a equipa de Luís Montenegro entrou em contacto com o chefe de gabinete de Von der Leyen, que desmentiu prontamente a informação. Percebeu-se que a suposta notícia era falsa. No Governo, sabe-se agora que foi gerada por um sistema de Inteligência Artificial a que foram dadas instruções para utilizar a linguagem-tipo de um comunicado da presidência da Comissão Europeia mas que falasse nos tais ciberataques russos.
A partir desse momento, o secretário-geral do SIRP foi envolvido na missão de confirmar todas as informações que iam chegando sobre falhas de energia noutros pontos da Europa. Também os embaixadores de alguns países europeus foram contactados para esse efeito. O objetivo era evitar qualquer tipo de manipulação da informação. Na terça-feira, quando falou ao país, Luís Montenegro disse mesmo que este apagão foi a primeira vez que, na “história de Portugal”, a “desinformação e a manipulação tiveram a dimensão dos tempos modernos”, confessando que ele próprio se sentiu “amedrontado” por ter recebido notícias falsas difundidas com a chancela idêntica à de órgãos de comunicação social credíveis.
A necessidade de fazer chegar informação fidedigna às pessoas foi, portanto, uma das prioridades imediatas do Governo. Pelas 12 horas, 30 minutos depois de a energia cair, o staff de António Leitão Amaro, ministro da Presidência e responsável por centralizar todas as informações à comunicação social, sinalizava a disponibilidade para prestar declarações. E assim fez. Primeiramente com as rádios — o meio privilegiado por motivos óbvios —, depois com as televisões. Mais tarde, ao longo do dia de segunda-feira, o Governo fez diligências junto de alguns meios de comunicação social (sobretudo televisões) para perceber se tinham garantias de autonomia para manter as respetivas emissões.
A determinada altura, até pelas dificuldades criadas às próprias televisões, foi decidido o frente a frente entre Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos iria ser cancelado. Os dois falaram sobre isso e chegaram à mesma conclusão. Convinha, apesar de tudo, dar conta disso mesmo sem alarmismos desnecessários — era, afinal, a assunção de que a normalidade demoraria a ser restabelecida. Também a viagem de Montenegro para Valência, agendada para terça-feira de manhã, a propósito do Congresso do PPE, foi cancelada por motivos óbvios — naquelas circunstâncias, o primeiro-ministro não podia ausentar-se do país.
O caminho até à REN e a gestão das expectativasPouco depois de falar ao país, às 15 horas, Luís Montenegro seguiu para o edifício da REN em Sacavém. O trânsito era de facto um problema e chegou a temer-se que a situação se tornasse complicada não fosse progresso conseguido com a ajuda dos batedores. Apesar de tudo, por essa altura, havia uma relativa serenidade cívica que transmitiu alguma tranquilidade — ajudou, pelo menos, a ter uma perceção do que realmente se passava nas ruas para lá do que ia sendo discutido no gabinete de crise montado no Palacete de São Bento.
Na REN, Luís Montenegro recebeu uma leitura mais técnica do que estava a acontecer e a informação de que assim que os dois motores de arranque — as centrais elétricas da Tapada do Outeiro e de Castelo de Bode — entrassem numa velocidade de cruzeiro, seria possível retomar a normalidade possível num período de 8 a 10 horas. Mas o primeiro-ministro pediu duas coisas claras: que a REN fizesse um ponto de situação público o mais rapidamente possível (para de alguma forma serenar os portugueses); e que não se criassem falsas expectativas. Não havia vantagem para ninguém.
Mais ou menos à mesma hora, uma outra notícia causou um enorme alarme social: a agência Reuters avançava que a REN tinha informado que “um fenómeno atmosférico raro em Espanha” estaria na origem dos cortes de energia na Península Ibérica e que a normalização do abastecimento de energia ao país poderia “demorar uma semana“. Por se tratar de uma agência de informação altamente credível, que alimenta o ciclo noticioso de muitos órgãos de comunicação social, a informação disseminou-se rapidamente. Confrontados pelo Governo, os responsáveis da REN desmentiram categoricamente. Às 15h22, nem meia hora depois de a notícia ser disseminada, a REN negava publicamente a informação.
Ao longo do dia, ANEPC, SSI e as Forças de Segurança emitiram avisos a população. A mensagem da Proteção Civil foi enviada às 17h15, mas o Governo percebeu rapidamente que não chegaria à larga maioria dos destinatários porque as redes de comunicação estavam em baixo — as antenas foram ficando inoperacionais ao longo do tempo porque as baterias que as suportam em caso de falha elétrica têm uma autonomia de 3 a 8 horas. O Governo foi mantendo as comunicações essencialmente graças ao SIRESP e à rede fixa — uma vez alimentada pelos geradores, a ligação à Internet era sempre assegurada. Os jornalistas presentes em São Bento, enquanto esperavam pelo fim do Conselho de Ministros, iam sendo informados pelo staff de Luís Montenegro em off the record.
As previsões da distribuidora elétrica acabaram por pecar por excesso. Às 21h22, já com a eletricidade largamente restabelecida, o primeiro-ministro fez a sua comunicação oficial ao país. Em retrospetiva, a estratégia de comunicação é defendida da seguinte forma: não só era importante que sempre que falasse ao país Montenegro tivesse alguma informação sólida para partilhar; como também se tornou impossível fazê-lo de forma impactante a determinada altura — com as comunicações em baixo (televisões e sites), não havia objetivamente forma fazer chegar a mensagem à generalidade da população.
O Conselho de Ministros ainda continuaria mesmo depois da visita de Luís Montenegro à Maternidade Alfredo da Costa. O primeiro-ministro não dormiu mais do que cerca de quatro horas nessa noite. Na terça-feira, o Conselho de Ministros serviu essencialmente para que cada ministro apresentasse um levantamento das principais falhas e se retirassem as primeiras ilações.
O sistema SIRESP, assumidamente, vai ser revisto e profundamente alterado. A função de ‘black start’ (o tal motor de arranque) vai ser aplicada nas centrais do Baixo Sabor e do Alqueva para impedir que o país demore tanto tempo a recuperar a energia se um incidente deste género se repetir no futuro. Foi também pedida uma auditoria europeia à falha com origem em Espanha e vai ser preparada uma comissão técnica independente para estudar o que falhou e o que deve ser melhorado no futuro — algo que levará tempo, naturalmente.
Entretanto, o apagão tomou conta da política e da corrida às eleições legislativas. O frente a frente entre Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos, reagendado para esta quarta-feira, será inevitavelmente marcado pela discussão em torno da resposta política e operacional à falha no abastecimento de energia. Pedro Nuno Santos marcou o tom ao dizer que houve também um “apagão no Governo”. Até aqui, Luís Montenegro tem resistido em responder na mesma moeda — o Governo julga ter do seu lado a vantagem de uma resposta que, apesar de tudo, foi relativamente rápida. Resta saber se esta crise terá ou não ter impacto no resultado de 18 de maio. Para um lado ou para o outro.