Observador - 18 jun. 00:14
Agora e sempre - Habitação
Agora e sempre - Habitação
Nestas linhas centrar-me-ei no problema da (falta de) habitação para arrendamento, já que para aquisição terá outra lógica de resposta e não faz sentido o Estado entrar no mercado imobiliário.
Foi anunciado (mais) um parto, de um programa europeu de promoção da habitação. Promete-se, como é usual, um parto sem dor e rápido, uma boa hora como soi dizer-se por cá. Como sempre a unidade é o milhão, ou vários, muitos. Cada um, à sua maneira, está a pensar como ir buscar parte desse maná celeste. Como sabemos não é (só) com dinheiro que se resolvem os problemas, basta olhar para a saúde onde cada vez gastam mais e têm menos. Importa uma ideia, uma certa ideia como diria De Gaulle de habitação, ou mais precisamente uma ideia certa.
As pessoas precisam de casa amanhã. Um “programa” público, garante-nos casas em 4 a 7 anos (um ano para definir onde, outro ano para desenvolver os projectos, outro para os concursos públicos para a construção e outro para a construção propriamente dita, ou seja, 4 anos numa prespectiva optimista. Importa que não se apressem, cadelas apressadas, diz o povo, parem filhos cegos. No caso é o que acontece com os projectos sempre que feitos “à pressa” e com programas mal pensados. Acresce que se o local tiver de ser objecto de sondagens arqueológicas podemos considerar mais um ano, se algum empreiteiro ou projectista, na corrida meter uma providência cautelar também podemos ter de considerar mais alguns anos. Mas, continuando, assumindo que o Estado vai usar apenas terrenos e edifícios seus, quantos fogos conseguirá produzir nesse espaço de tempo? E para quem serão?
Digo que há pessoas (muitas) que precisam de casa amanhã, ou mesmo para ontem. Mas não sei, e pior, o Estado também não sabe, quem são, quantos são, onde querem morar, qual a dimensão do agregado, qual o rendimento, qual o enquadramento cultural, qual a faixa etária e a situação de emprego. Sem estes dados de base não é possível construir uma política de habitação. Há muitas casas vagas na Beira-Bbaixa, ou no alto Alentejo, mas aí não há procura.
Não tem qualquer realismo pensar uma política de habitação só do lado público. Importa arregimentar todos os potenciais “actores”. Os “privados”, pequenos e grandes e misericórdias, ou equivalentes. Para todos há que garantir a rendibilidade do negócio, sem dogmas.
Os AL não foram, na sua génese, retirar casas ao mercado de arrendamento, os AL foram isso sim os responsáveis por recuperar os centros das cidades, os “bairros históricos”, com investimentos que nunca seriam rentabilizados com os arrendamentos tradicionais.
Nestas linhas entendo apenas centrar-me no problema da (falta de) habitação para arrendamento já que para aquisição terá outra lógica de resposta e não creio que faça sentido o Estado entrar no mercado do imobiliário para venda.
Podia dizer que não sei se os valores que são pedidos para as rendas são elevados, mas sei que uma fatia grande da população não as consegue pagar. Em outro artigo defendi que o valor da renda não deve superar os 20% do rendimento líquido dos inquilinos. Este valor pode subir com a subida de escalão do rendimento dos inquilinos.
A fatia dos candidatos com rendimentos mais baixos deverá ser suprida pelo Estado, pelas casas produzidas para arrendamento pelas autarquias ou por fundos desenvolvidos para o efeito. Também sem dogmas, com soluções de construção mais económicas, com áreas mais espartanas, bem como os acabamentos. Os fundos não são elásticos, todos os factores que permitam economias no processo são bem-vindos.
Para os rendimentos intermédios há que tornar o investimento interessante. O investimento é interessante para retornos entre os 4 e os 8%, abaixo dos 4% não é rentável hoje, acima de 8% começamos a entrar no sector especulativo. Dentro deste intervalo devem ser equacionadas benesses fiscais, do IVA na execução às taxas de IRS ou IRC.
Mas importa também garantir que o “produto” tem a qualidade mínima, para tal existem já matrizes optimizadas em países europeus, onde são atribuídos pontos, com base em diversos descritores (idade, área, existência de elevador, wc e cozinhas equipadas, etiqueta energética e acrescento eu, localização). Indicadores, precisam-se indicadores.
Imaginemos que uma habitação com um bom score era colocada no mercado dentro do intervalo 4-8%, terá de haver um benefício fiscal com prazo alargado ��� pensemos numa renda de 1000€, para simplificar, com uma taxa de 20%, ou seja, 2400€ de imposto anual nos cofres do Estado. Para construir um fogo de 100m2 seriam precisos… 83 anos de impostos. Ou seja, o Estado (nós todos) só lucramos com a entrada de privados no processo. Acresce que só por existir, além do IMI, uma habitação gera inúmeras receitas indirectas para os cofres públicos.
Com a instabilidade que passou a ser o novo normal, as guerras na Europa e no Médio Oriente, a relocalização dos centros de decisão para longe da Europa, os mercados procuram onde parquear o dinheiro de forma segura, mesmo que transitória. Esse capital pode ser alocado a investimento nesta área desde que sejam cumpridas as regras básicas de segurança. Que caso o contrato de arrendamento seja incumprido o despejo seja rápido, que não haverá alterações legislativas durante uns bons anos, que não haverá perseguição.
A contratação pública é complexa e lenta, demasiado lenta para dar resposta a necessidades urgentes como é o caso. Mais uma vez urge definir indicadores. Dou exemplos, contratar um projecto, de execução, por 3% do valor da construção é um óptimo “negócio”. Contratar a construção de habitação abaixo dos 1500€/m2 também é um óptimo negócio. Estes indicadores são mais importantes que todas as complexas fórmulas multifactor definidas no Código dos Contratos Públicos.