Bruno Gonçalves - 17 jun. 07:00
Precisamos de tarifas dentro da UE?
Precisamos de tarifas dentro da UE?
É como se existisse um Trump invisível entre nós, dedicado a colocar restrições ao comércio entre Estados-membros
Depois de várias décadas onde o comércio internacional conheceu uma tendência única, rumo à liberalização, as tarifas voltaram a ser tema no debate público e arma nas relações internacionais. No que depender do Presidente dos Estados Unidos da América (EUA), o seu entusiasta número um, estas barreiras alfandegárias vieram mesmo para ficar. Se é rival ou aliado, não importa. E o motivo tampouco, visto que tudo serve de justificação.
Donald Trump é um homem errático, sendo as tarifas a exceção que comprova a regra: a taxa pode flutuar, mas tende a subir progressivamente e a consolidar-se como um fenómeno estrutural da nova ordem económica internacional. Gostemos ou não, Trump deixou a sua marca - o mundo de ontem acabou. Para os novos EUA, além do comércio livre ter passado a fator negativo, o centro geopolítico deslocou-se do Atlântico para o Pacífico, e a força bruta nas relações bilaterais destronou o respeito pelas instituições multilaterais da diplomacia.
E a União Europeia, que sempre se destacou pela convicção nas teorias benevolentes sobre o “fim da História”, não pode simplesmente resignar-se a suspiros de lamento. Face às condicionantes no acesso ao mercado norte-americano e recuo geral da globalização, é preciso encontrar alternativas. A resposta mais óbvia é procurar novos destinos para exportar produção industrial.
António Costa, presidente do Conselho Europeu, manifestou apoio à concretização do acordo comercial entre UE e Mercosul - bloco económico de 280 milhões de pessoas na América do Sul. Não é uma força económica equipar��vel aos EUA, mas teria uma importância redobrada para Portugal, face à nossa geografia orientada para o Atlântico e, em particular, ao fortalecer os laços com o Brasil.
Há também quem se deixe aliciar pelo potencial e dimensão da China. No entanto, além do historial em matéria de direitos humanos, o padrão comercial e de consumo não podia estar mais distante do americano. A China é uma economia de exportação, ou seja, parece-se mais com a própria UE. .
Desde os meados da década de 90, os custos no comércio de mercadorias intra-UE diminuíram apenas 11%, menos até do que a redução para as importações extracomunitárias. Assim, não é surpreendente que as trocas entre Estados-membros representem menos de metade do comércio transfronteiriço entre os estados norte-americanos. O potencial desperdiçado é tremendo. A começar pela coluna vertebral da nossa economia, as pequenas e médias empresas.
Podem ser competitivas no seu setor e ter um perfil inovador, mas as perspetivas de crescer para pesos pesados, de reforçar a oferta de emprego qualificado e melhorar remunerações são limitadas devido à ausência de escala. E enquanto o acesso ao mercado interno não for desbloqueado, o problema manter-se-á.
Além disso, as PME em fase de crescimento estão sujeitas à concorrência feroz de multinacionais gigantes. Muitas destas crescem no seu mercado doméstico - sobretudo americano ou chinês - pelo que entram no mercado europeu já com dimensão suficiente para contratar batalhões de advogados que naveguem a manta de retalhos e barreiras que são os 27 regimes jurídicos nacionais.
Esta fragmentação do mercado comum não será motivo único, mas contribuiu certamente para a perda de competitividade europeia ao longo das últimas décadas. Para que se perceba a dimensão do problema: há 20 anos, o PIB da Zona Euro era semelhante ao Americano, hoje está mais perto de ser apenas metade.
A Europa não é casa das principais empresas tecnológicas. Não está a liderar em inteligência artificial (EUA), nem em várias componentes fundamentais das tecnologias verdes (China). Não há garantias que seja capaz de manter a sua posição até em sectores tradicionalmente europeus, como a indústria automóvel. É preciso mudar este registo, agora.
Sendo certo que não existem panaceias, qualquer estratégia europeia para a competitividade deve considerar uma multitude de desafios: atração de investigadores em ciências de ponta, retendo também os nossos jovens qualificados; combate à concorrência desleal de atores externos, nomeadamente quando contornam regras aduaneiras; potenciar investimento público e privado, sobretudo com uma negociação ambiciosa do próximo quadro comunitário.
Ainda assim, nada disso nos deve impedir de começar pelo mais óbvio. A redução das “tarifas invisíveis” do mercado comum não permite grandes anúncios à presidente Von der Leyen, ou a Luís Montenegro. Mas permitem desbloquear um ponto de partida para colocar a UE numa rota de reflorescimento económico: o potencial do nosso tecido empresarial e trabalhadores, bem como do mercado interno europeu.