Observador - 18 jun. 00:05
A Irmandade Muçulmana em França: uma ameaça camuflada
A Irmandade Muçulmana em França: uma ameaça camuflada
Não podemos ceder ao comunitarismo travestido de multiculturalismo. O liberalismo político não é uma passividade cultural — é uma defesa ativa de princípios universais.
Em nome da liberdade religiosa e do multiculturalismo, a Europa tem, por vezes, tolerado o intolerável. A França, em particular, tornou-se o campo de batalha simbólico entre o universalismo republicano e a crescente influência do islamismo político — onde a Irmandade Muçulmana desempenha um papel central, ainda que frequentemente disfarçado de moderação e diálogo intercultural.
O problema é real, embora muitos insistam em relativizá-lo. A Irmandade Muçulmana — com origem no Egito nos anos 1920 — não é apenas uma associação religiosa: é uma máquina ideológica, organizada, bem financiada e estrategicamente inserida em centros culturais, associações de caridade e até conselhos representativos de muçulmanos. O seu objetivo último é claro: estabelecer uma ordem social inspirada numa leitura islamista da religião, incompatível com os princípios fundamentais do liberalismo ocidental.
Liberdade religiosa sim — islamismo político não
Enquanto liberais, devemos ser firmes em distinguir a legítima liberdade de culto — um pilar de qualquer sociedade aberta — da tentativa de transformar essa liberdade numa plataforma para alterar as regras do jogo democrático. A Irmandade não se limita a organizar práticas religiosas ou a defender os direitos dos muçulmanos franceses. Ela promove uma conceção de sociedade em que as normas religiosas ganham primazia sobre a lei civil. Não por acaso, muitos dos seus discursos internos — e dos seus aliados intelectuais — defendem o uso do véu como marca identitária, a separação entre homens e mulheres em espaços públicos e a relativização da laicidade francesa.
Este tipo de ativismo político-religioso mina precisamente o que torna as democracias liberais únicas: a separação entre Estado e religião, a primazia do indivíduo sobre o grupo, e a universalidade da lei. A liberdade religiosa não pode ser instrumentalizada para fins que, no fundo, visam corroer a própria liberdade.
Uma resposta liberal, não populista
O risco, evidentemente, é que o combate necessário ao islamismo político se transforme numa cruzada contra o Islão ou contra os muçulmanos enquanto tais. Seria um erro trágico. A esmagadora maioria dos muçulmanos em França vive em conformidade com os valores
republicanos, quer trabalhar, estudar e prosperar. A luta contra a Irmandade não é uma guerra contra uma fé — é uma defesa contra uma ideologia que instrumentaliza a fé para fins de poder.
A resposta deve, por isso, ser simultaneamente firme e fiel aos nossos valores: investigação rigorosa sobre o financiamento de organizações ligadas à Irmandade; combate às associações culturais e educativas que funcionam como braços ideológicos do islamismo; reforço da escola pública e da educação cívica para formar cidadãos — e não comunidades separadas por fé ou etnia.
Laicidade como condição da liberdade
A laicidade, tão criticada por certos setores como se fosse uma forma de repressão cultural, é, na verdade, a garantia da liberdade de todos. Num espaço público neutro, ninguém é obrigado a esconder as suas convicções — mas também ninguém tem o direito de impor aos outros os códigos da sua fé.
A França tem sido, há décadas, o laboratório europeu deste confronto civilizacional. Mas a lição é clara para toda a Europa, incluindo Portugal: não podemos ceder ao comunitarismo travestido de multiculturalismo. O liberalismo político não é uma passividade cultural — é uma defesa ativa de princípios universais, sem os quais a democracia se esvazia e a liberdade se torna frágil.
A Irmandade Muçulmana, com a sua aparência respeitável e linguagem moderada, representa um desafio subtil, mas profundo, ao modelo de sociedade livre que defendemos. Reconhecer isso não é alarmismo — é lucidez democrática.