sol.sapo.ptJoana Andrade - 17 jun. 14:28

O declínio da democracia liberal?

O declínio da democracia liberal?

Hoje, Meloni, Orbán, Le Pen ou Weidel, já não são apenas notas de rodapé na política europeia e mundial.

Em 2015, escrevi um artigo intitulado Why Democracy is its Own Worst Enemy?. Nele, argumentava que os desafios que se colocavam à democracia eram tão graves que os cientistas políticos teriam dificuldade (e coragem) em identificar com clareza o que iria acontecer nas décadas subsequentes. Não me enganei. Uma década depois, o crescimento dos populacionismos extremistas de direita, na Europa e nos EUA; o ímpeto dos conflitos disruptivos geopolíticos e a subsequente ascensão consolidada das potências autoritárias leva-nos para trás no tempo, sem surpresa, ao mesmo ponto de debate. Existe, de fato, a sensação generalizada de uma crise democrática.

Por sua vez, Putin e Xi-Jinping estão mais fortalecidos, enquanto Trump assume-se como elemento disruptivo.

 Sobretudo, existe uma certa letargia comunitária que se recusa a entender as razões pelas quais a política mudou enfraquecendo, no processo, a democracia.

Há dez anos, quando os termos ‘democracia’ e ‘inimigo’ eram utilizados na mesma frase existia uma tendência natural, por parte daqueles que viviam nas sociedades democráticas do Ocidente, em procurar a fonte de todos os problemas fora da chamada ‘bolha democrática’ ocidental. Ou seja, os ‘inimigos democráticos’ – os nossos próprios inimigos – eram apenas criaturas mitológicas que viviam num horizonte longínquo. Sendo que esta linha de pensamento era visível em torno do eterno debate sobre a luta da democracia contra os seus ‘inimigos externos’. Esta asserção não era inédita, nem relativamente recente. Se bem nos recordamos, durante o período da Guerra Fria fomentou-se a ideia de que a democracia estava em ‘guerra’ com o comunismo e, antes disso, com o nacional-socialismo e fascismo. E, posteriormente, estes ‘inimigos externos’ ganharam uma nova dimensão com a emergência do autoritarismo mundial, do terrorismo internacional, do extremismo religioso e do fundamentalismo islâmico.

O grande problema é que esta asserção está errada. Ou seja, a democracia liberal continua, em certa medida, a ser a sua pior inimiga. Porquê? Porque a maioria das questões que estão atualmente a ser debatidas resultam de um elevado grau de inépcia, apatia, alheamento e desinteresse por parte das democracias ocidentais. A questão da recessão democrática não é nova. Samuel Huntington, como sabemos, colocou em cima da mesa a possibilidade de um “retrocesso” democrático, seguido muito de perto pelos estudos emanados do Journal of Democracy.

 Como se inverte o processo? Do meu ponto de vista, através da credibilização institucional interna que alicerce a confiança dos cidadãos no processo político. É necessário combater a má governança, a corrupção e enfatizar a importância do Estado de Direito.

 O aumento da qualidade e da legitimidade democrática ao nível estatal é vital para promover os princípios democráticos externamente. De alguma forma, precisamos ‘institucionalizar’ os padrões da democracia, quer interna, quer externamente. Para isso, é essencial apostar numa abordagem tocquevilleana-wilsoniana (armada com o ‘soft power’ de Joseph Nye), consolidando os processos democráticos internos antes de irmos ‘para o exterior em busca de monstros para destruir’.

E, sim, por incrível que pareça, as democracias liberais precisam se tornar mais atraentes a longo prazo para que possam impulsionar uma nova onda de transições democráticas. O mundo mudou e as fórmulas do passado já não fazem sentido.

A solução é (e será sempre ) prerrogativa exclusiva das democracias liberais ocidentais.

Professor Universitário – IEP-UCP

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