sol.sapo.ptJoana Andrade - 17 jun. 12:27

Reformar é imperativo!

Reformar é imperativo!

Melhorar não é complicado, convenhamos, desde que se consigam “inovações incrementais” no que hoje se faz. Mas será essa a fórmula para o sucesso?

Inspirado em Fernando Pessoa, Caetano Veloso usou a frase “navegar é preciso, viver não é preciso” numa das suas muitas peças, “Os Argonautas”. Lembrei-me disto a propósito do Programa do actual Governo de Portugal, que resolveu, quanto a mim muito bem, criar um novo Ministério, o da Reforma do Estado, de que é titular Gonçalo Matias, professor na Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa e, desde 2022, presidente do Conselho de Administração e da Comissão Executiva da Fundação Francisco Manuel dos Santos. Creio serem “argumentos” de peso para podermos acreditar nas suas capacidades e competência.

Tem uma tarefa fácil pela frente? Nem por sombras! Por vários motivos, que elenco, na expectativa de que a decisão do dito Governo não seja apenas “para inglês ver”:

  1. O próprio significado da expressão evidencia a dificuldade – reformar quer dizer, por exemplo, melhorar, reorganizar, reformular, corrigir. Será que conseguimos cumprir todos estes verbos sem colocar em causa interesses instituídos, programas concebidos por terceiros, iniciativas tomadas com propósitos “específicos”, colocar o conta-quilómetros a zero e reiniciar a marcha sem atropelar ninguém?
  2. Melhorar não é complicado, convenhamos, desde que se consigam “inovações incrementais” no que hoje se faz. Mas será essa a fórmula para o sucesso? Nalguns casos, sim, na maioria de outros, não – é necessária inovação “disruptiva”, que seja capaz de colocar em causa aquilo que se faz porque  “desde sempre assim se fez”…
  3. Reorganizar vai ser o cabo dos trabalhos! Se tomarmos como exemplo a organização do Estado (organismos centrais e locais), é ou não verdade que há sobreposição de competências entre “parcelas” de organismos, que levam o cidadão de Herodes a Pilatos para só assim conseguir solucionar as suas questões? Citemos um exemplo concreto: a renovação de autorização de residência é possível pedir-se nos serviços de Registo mas o pedido inicial já não… Nesse caso já é a um balcão da AIMA que o cidadão se deve dirigir… e todos sabemos quão bem, e a tempo, funciona essa Agência…
  4. Reformular? O quê? O modo como decorrem os processos de relacionamento do cidadão com o Estado (para citar apenas a dimensão “administrativa” dessa reforma)? E quais são esses processos? Quem neles intervém? Que recursos – próprios e de terceiros – são utilizados para garantir o nível de serviço, se é que os há? Quem os instituiu, e com base em que critérios? Como é avaliado o desempenho dos serviços (e das pessoas) que os prestam? Recordam-se, há tempos, de vos ter aqui falado do que se passa com o “apoio extraordinário à renda”? Como é possível manter as pessoas sem qualquer resposta aos seus pedidos de informação sobre a suspensão do citado apoio durante 4 meses (o caso de que então vos falei foi “aberto” em Fevereiro…), entretanto já decorridos?
  5. Corrigir é, em primeiro lugar, assumir que errámos e estarmos dispostos a rectificar, ouvindo em primeiro lugar os cidadãos, sejam eles contribuintes, utentes do SNS, dos tribunais, das instituições de ensino, dos transportes públicos. Ou seja, não nos limitarmos a “observar” os processos “de dentro”, esquecendo-nos de quem deles se serve… Pergunto, sem saber a resposta: quantos processos de auscultação dos portugueses (vamos, apenas para este efeito, esquecer o direito ao voto) foram, nessas diversas “áreas funcionais”, levados a cabo? Quantos diagnósticos, estudos, relatórios conhecemos e que resultados práticos tiveram? E aconteceu alguma coisa por não se terem cumprido prazos nem sido concretizadas as iniciativas/recomendações então formuladas? E que responsabilização é pedida, e a quem, em caso de insucesso?

A tarefa que o Ministro tem pela frente é hercúlea! Basta dizer-se que, numa simples consulta ao site do XXV Governo, o que encontramos quando clicamos em “Reforma do Estado” temos apenas dois textos: um, diz-nos que a “Reforma do Estado arranca com combate frontal à burocracia: simplificar processos, digitalizar serviços e reforçar a articulação entre entidades públicas. O objetivo é construir um Estado mais ágil, eficiente e centrado nas pessoas”. Integralmente de acordo, mas por onde irá o Ministro começar? O outro texto dá conta da tomada de posse dele, destacando a sua formação académica e principais responsabilidades até aqui desempenhadas em diversos organismos; entre elas, avulta o cargo de Secretário de Estado Adjunto e para a Modernização Administrativa no XX Governo, o que pode constituir activo relevante para o que agora lhe é pedido. Mas modernização administrativa é apenas uma dimensão da reforma!

Tudo isto dito, acho que estamos em presença duma frase que a partir de agora se poderá reformular: viver é preciso, reformar é imperativo! Doa a quem doer…!

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