observador.ptObservador - 18 jun. 00:05

Integrar fagos no Pacote Farmacêutico da UE: uma decisão estratégica

Integrar fagos no Pacote Farmacêutico da UE: uma decisão estratégica

Ao contrário dos antibióticos de amplo espectro, a terapia com fagos é mais precisa, ajuda a preservar a microbiota benéfica e reduz o risco de efeitos secundários.

Num cenário global em que a resistência aos antimicrobianos (RAM) representa uma das maiores ameaças à saúde pública, à sustentabilidade dos sistemas de saúde e ao equilíbrio económico, a procura por alternativas eficazes aos antibióticos é mais urgente do que nunca. É neste contexto que as terapias com bacteriófagos (fagos) emergem como uma solução promissora, com vasto potencial por explorar que importa incentivar.

A RAM compromete o tratamento de infeções comuns e diversos tratamentos médicos essenciais, tais como a realização de cirurgias. Quando os antibióticos deixam de funcionar, infeções outrora simples podem tornar-se graves, prolongar internamentos hospitalares e exigir medicamentos e procedimentos mais caros e frequentemente pouco eficazes. Este fenómeno não só representa um risco crescente para a vida humana, como impõe um enorme peso financeiro aos sistemas de saúde. Combater a RAM é, por isso, uma prioridade estratégica para a saúde global.

Os fagos são vírus naturais que atacam exclusivamente bactérias específicas. Esta sua alta seletividade permite eliminar as bactérias patogénicas sem afetar as bactérias benéficas que habitam o nosso organismo, protegendo assim a microbiota e reduzindo os efeitos adversos associados aos tratamentos convencionais. Além disso, a utilização de fagos pode ajudar a diminuir o risco de desenvolvimento de novas resistências.

Por estas razões, considero que a integração dos fagos na legislação farmacêutica da União Europeia é uma medida estratégica e urgente, que deve ser contemplada na sua revisão, atualmente em discussão. Nesse sentido, nós, na Lxbio, estamos a colaborar com grupos de investigação e centros clínicos nacionais para desenvolver o ecossistema local de terapias com fagos e infraestruturas de biobancos, com o objetivo de integrar Portugal nas redes europeias de referência neste domínio.

Esta integração representa também uma oportunidade económica relevante, criando condições para o investimento em investigação, desenvolvimento e produção de terapias com fagos dentro da União Europeia – tornando a indústria farmacêutica mais competitiva, inovadora e sustentável, e reforçando a resposta europeia ao desafio da RAM.

Entre as propostas que defendemos, no âmbito da iniciativa PhageEU, destacam-se quatro medidas fundamentais:

A introdução de uma definição clara de bacteriófagos e o alargamento do conceito legal de antimicrobianos, garantindo segurança jurídica e um enquadramento regulamentar específico para estas terapias;

A inclusão dos fagos nos mecanismos de incentivos comunitários à sua investigação e desenvolvimento;

A criação de “regulatory sandboxes”, ou espaços regulatórios experimentais, onde empresas e autoridades competentes possam testar abordagens mais flexíveis e adaptadas à natureza inovadora dos fagos – por exemplo, no que toca à produção descentralizada ou ao uso em situações clínicas urgentes;

A simplificação dos processos de atualização dos cocktails de fagos, reconhecendo que, por serem agentes biológicos dinâmicos, os seus componentes podem precisar de ser ajustados regularmente para manter a eficácia contra bactérias em constante evolução.

Estas medidas têm como objetivo acelerar o acesso dos doentes a terapias eficazes, fomentar a inovação e posicionar a Europa na linha da frente da luta contra a RAM.

Para Portugal, com um ecossistema emergente nas ciências da vida e na biotecnologia, esta agenda representa uma oportunidade única para atrair investimento estratégico, gerar emprego qualificado e reforçar a sua posição na cadeia de valor farmacêutica europeia.

Ignorar o potencial dos fagos seria desperdiçar uma solução com enorme valor terapêutico, científico e económico. A sua inclusão plena no Pacote Farmacêutico é essencial para preparar a Europa para os desafios futuros da saúde pública – e para consolidar a sua soberania científica e tecnológica em áreas críticas para o bem comum.

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