www.publico.ptpublico@publico.pt - 18 jun. 00:01

Montenegro e a tática do pisca-pisca

Montenegro e a tática do pisca-pisca

Montenegro propõe-se a navegar à vista, umas vezes virando à esquerda, outras à direita e outras provavelmente procurando apoios fora do Parlamento, na concertação, para condicionar os partidos.

Somos definitivamente um país politicamente predisposto à inovação. Ontem, no debate do programa de Governo tivemos mais uma demonstração disso mesmo. Senão vejamos.

Quando olhamos para a paisagem política europeia, temos governos maioritários, governos de coligação pré-eleitoral, governos de coligação pós-eleitoral e, talvez até, governos com algum tipo de compromisso parlamentar, ainda que informal. Mas Portugal é, hoje, definitivamente um caso à parte, que oferece uma experiência singular: um executivo minoritário de coligação pré-eleitoral com um programa de Governo assente num exercício de pesca à linha, através de um copy paste casuístico dos programas eleitorais dos restantes partidos. O exercício soa confuso e é propenso a gerar ainda mais confusão, designadamente atendendo ao contexto político muito sensível e à envolvente externa muito incerta.

Como é óbvio, é de louvar o esforço de Montenegro de incorporação de medidas das oposições na agenda governativa, mas é um daqueles casos em que o método, não sendo tudo, é crucial. Num quadro em que, por força da fragmentação parlamentar, o centro de gravidade da governação estará no Parlamento, o país ganhava se em lugar de um movimento oportunístico a cultura de compromisso fosse levada a sério. Até porque o contexto e os desafios do país assim o obrigam.

Só que, num daqueles chico-espertismos em que os políticos portugueses são pródigos e que compensam no curtíssimo prazo, em lugar de fazer escolhas, o primeiro-ministro optou pela via fácil, irresistivelmente traduzida em metáforas futebolísticas. Com o seu costumeiro sorriso de autossatisfação, Montenegro avisou que o Governo “joga de cabeça, com os dois pés e até para a bola no peito quando for necessário”. Ou seja, propõe-se a navegar à vista, optando pela tática do pisca-pisca – umas vezes virando à esquerda, outras à direita e outras provavelmente procurando apoios fora do Parlamento, na concertação, para condicionar os partidos. Esta vontade de fazer, de novo, do PSD um partido charneira não é em si má, não fora o contexto político muito particular e os riscos evidentes que lhe estão associados.

É um facto que a situação política hoje não é a mesma que tínhamos antes das últimas legislativas. A AD reforçou em três pontos percentuais a sua maioria (um pecúlio curto, após um ano de campanha, cavalgando a folga orçamental herdada) e, muito importante, cavou um fosso brutal em mandatos face ao segundo partido mais votado, que passou a ser o Chega. Entretanto, o PS ficou num estado comatoso e sem margem para grandes exigências ou estratégia. Mas que diferença é que este novo contexto faz para a governação?

A mais evidente é que a AD passou a ter sozinha mais deputados do que o conjunto da esquerda, o que faz com que a abstenção do Chega ou do PS seja suficiente para viabilizar a governação (antes apenas o PS estava nessas circunstâncias). É este contexto que confere a Montenegro incentivos para umas vezes piscar o olho à esquerda e outras à direita – não privilegiando nenhum dos lados.

O problema é que esta direita a quem Montenegro pisca o olho tem como único fito ultrapassar eleitoralmente o PSD e, pelo caminho, desafiar a natureza do regime. Ora quando uma força política como o Chega fica em segundo lugar, o centro-direita democrático deveria ser o principal interessado em isolá-la politicamente. Como Montenegro perceberá rapidamente.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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