observador.ptobservador.pt - 18 jun. 14:05

Depois do "apagão" político, AD lança-se como o "partido do meio" e exige colaboração à oposição

Depois do "apagão" político, AD lança-se como o "partido do meio" e exige colaboração à oposição

Programa foi aprovado e Governo garante que será a grande força do centro. Esquerda acusa-o de "radicalização", Chega fala num primeiro-ministro semelhante a Costa. Carneiro recusou "assessorar" a AD.

Já é oficial: o Governo tem programa aprovado, já pode entrar em plenas funções e, a partir de agora, assumirá o papel do “partido do meio” — o mesmo que dizer que quer ser a grande força do centro, que irá dialogando com os restantes partidos sempre com o respaldo de ter crescido e obtido uma “maioria maior” nas últimas eleições. No encerramento do programa do Governo, os partidos marcaram as suas posições de partida para a legislatura que agora começa: o PSD em modo partido charneira, o PS a assegurar que não servirá como “assessor” do Governo e o Chega a disparar contra ambos — será o líder da oposição contra o “sistema”.

Pelo Governo, foi Paulo Rangel o responsável pelo discurso de encerramento de um debate que começou na quarta-feira e que se prolongou por mais de onze horas até ao chumbo da moção de rejeição do PCP ao programa do Governo (com apenas Bloco de Esquerda, PCP e Livre a votarem-na favoravelmente). Usando o apagão como metáfora para a crise política, Rangel assegurou que o “restart” que as eleições representaram veio trazer uma nova “energia” e “alma” a um Governo relegitimado e com “ânimo reformista” — e colocá-lo no centro do sistema político.

A pressão foi quase toda colocada do lado da oposição: Rangel disse ter ouvido da parte do Chega, PS, IL, PAN e JPP, “quiçá até em intermitências no Livre”, e apesar do “calor” da discussão parlamentar, uma disponibilidade para cooperarem na “construção da estabilidade e desenvolvimento de políticas da agenda transformadora”. Mas agora, exigiu, é necessário que as oposições “cumpram a sua palavra e se obriguem a provar” que querem fomentar a estabilidade e estão “à altura da responsabilidade”.

Essa responsabilidade é “uma decorrência quase meridiana da reconfiguração da correlação de forças” pós-eleições, até porque “ninguém compreenderá” que acabem por ter um comportamento “irresponsável de puros votos pios ou vazios”, foi avisando.

O que não desonera nem desobriga o Governo a ter também uma postura de responsabilidade, abertura e iniciativa: “Somos a aliança do meio, os partidos do meio, o partido do meio. A AD é o movimento político do meio e isso é um dado político incontornável” (apesar de os partidos mais à esquerda terem considerado este “o Governo mais à direita” e mais “radicalizado” pelas aproximações às propostas do Chega e da IL). É essa AD que quererá tornar o Estado mais “atlético”, controlar a imigração ou dar prioridade à segurança, não com as contas “certas” do PS, mas com contas “justas”: “Porque elas são certas mas não são cegas. São justas: estão de olhos abertos para as necessidades concretas das pessoas e para o Estado social”.

Sendo Rangel o responsável pelos Negócios Estrangeiros, deixou ainda uma série de recados importantes sobre a situação internacional: avisou para os riscos “graves e múltiplos” do conflito entre Israel e Irão, pedindo “máxima contenção às partes e o regresso à via das negociações para impedir o programa nuclear militar do Irão”; manteve a “total solidariedade” com a Ucrânia; referiu“a terrível catástrofe humanitária na faixa de Gaza”, criticando o “intolerável bloqueio e condicionamento da ajuda humanitária por parte de Israel”.

Portugal, frisou Rangel, exige a libertação dos reféns israelitas mas continua a condenar a “manifesta desproporção” da resposta de Israel e a política de colonatos na Cisjordânia, a recusar a exportação de armas ou material militar para Israel, a votar favoravelmente as resoluções a favor da solução de dois Estados e da autodeterminação da Palestina. E promete continuar consultas com parceiros quanto ao reconhecimento do Estado da Palestina, aguardando “com expectativa” a conferência organizada por França e Arábia Saudita, onde se esperam “progressos significativos”.

PSD rejeita “papões”, Chega cola Montenegro a Costa

Também no PSD, Hugo Soares prometeu um Governo cumpridor — “fartos de quem promete e não cumpre estão os portugueses”. Pegou numa bandeira do Chega, defendendo que “ninguém deve receber mais do Estado do que aqueles que trabalham” mas distanciando-se de Ventura para dizer que esta não é uma questão ideológica, mas de questão de “justiça” e de “rigor com as prestações sociais”.

Mais uma vez, Hugo Soares quis colocar a AD ao centro, vendo no hemiciclo “uns do lado dos papões, outros do lado das soluções, uns do lado da ideologia e outros do lado da realidade”. E isso significa que irá governar com quem? “O nosso chão comum são as soluções completas para a vida dos portugueses”. “O Governo vai governar com os portugueses e eles não perdoarão a quem desperdiçar o seu esforço”.

Já André Ventura tinha discursado pronto a disparar em todas as direções, colando, desde logo, AD e PS para se apresentar como o verdadeiro líder da oposição. Sobre Montenegro, sentenciou: “Nunca foi diferente de António Costa. Jogaram sempre com a mesma equipa: a equipa do sistema que domina há 50 anos, que nada tem de novo a trazer”. Um “marasmo” perpetuado também por José Luís Carneiro, acusou: “Um diz que já fez, outro que fará; um tem um tom mais frouxo, outro menos”. “Há um líder da oposição e há muletas neste Parlamento”.

Lançando uma ronda abrangente de críticas, da escolha por Montenegro de três governantes investigados pela Justiça à falta de medidas anticorrupção (apesar de o Governo ter apresentado um pacote nesse sentido este ano), Ventura anunciou que com o Chega “a impunidade está a chegar ao fim”, recusando que “venha aí o fascismo”: “Quem não roubou o país não tem nada a temer”. O Chega “só quer” ir “um a um pedir responsabilidade” pelas últimas décadas.

O líder do Chega acusou ainda o Governo e o Presidente da República de só condenarem a violência quando é exercida contra “coitadinhos e não contra o português comum”, lembrando o exemplo de um polícia esfaqueado no Prior Velho, em Lisboa, esta quarta-feira, e ainda classificou o Conselho da Europa — que alertava esta semana para um aumento do discurso de ódio em Portugal — como uma “organização de tachos“. Um ataque que mereceu resposta de Hugo Soares, que aproveitou para desafiar o Chega a deixar, então, de indicar nomes para ocuparem lugares em órgãos externos como este. Ventura acabou a adiantar duas medidas que quer destacar: dar uma pensão digna a todos os antigos combatentes e “pôr a trabalhar” todos os que recebem subsídios “indevidamente”.

As “perplexidades” de Carneiro num PS que não vai ser “auxiliar” do Governo

A “cordialidade” e as “diferenças no estilo” face ao anterior líder do PS foram características atribuídas a José Luís Carneiro pelo PSD no debate desta terça-feira. Na sessão de encerramento, em que acabou aplaudido de pé pela própria bancada (após um discurso ironicamente descrito como “entusiasmante” por André Ventura), o candidato à liderança do PS não recebeu mais elogios (ou, pelo menos, benefícios da dúvida), mas não abandonou o estilo cordial.

Tal como na intervenção de estreia do novo Parlamento, em que se mostrou disponível para construir “consensos” com o Governo da AD, Carneiro voltou a mostrar essa abertura, lembrando, ainda assim, que se há matérias em que o PS está disponível para convergir, também há pontos de divergência não só prováveis como necessários. Prometeu “convergência no que há que convergir”, mas manter “o interesse do país acima de interesses partidários”.

As críticas ao Governo surgiram na forma de “perplexidades”. Desde logo pelo facto de o Executivo “não atualizar o seu cenário macroeconómico, em que mais ninguém a não ser o próprio Governo ainda finge acreditar”. Esta tem sido, aliás, a principal chamada de atenção do PS ao Governo, recuperando as “contas certas” (que passaram a ser “justas”, nas palavras de Paulo Rangel) que diz ter deixado à AD e que este Governo vem agora a “derramar”.

Num discurso centrado na sua visão de um “Portugal futuro”, na economia, indústria, agricultura ou ambiente, Carneiro atirou também à “grave crise” da habitação, para defender que “só uma intervenção decidida do Estado e das autarquias poderá travar” o seu agravamento. Apelou a uma “visão estratégica de médio prazo, com metas devidamente quantificadas e consensualizadas, que abram um horizonte de esperança para as famílias que não têm acesso a habitação”.Para considerar que o programa do Governo não traz essa visão. “O país tem de garantir que, num prazo de dez anos, todos tenham acesso a uma habitação condigna”, alertou.

Para o fim ficaram os avisos sobre os “deveres” do Governo e do Parlamento que agora espera iniciar um mandato de quatro anos sem “apagões”. Garantindo que o PS “assumirá as suas responsabilidades, de oposição responsável, construtiva, mas firme”, Carneiro vincou que o partido não está lá para ser “auxiliar” nem “assessor” do Governo. “É o senhor que responde perante o Parlamento e não o Parlamento que responde perante si”, concluiu, antes do PS votar contra a moção de rejeição do programa do Governo.

Um “benefício da dúvida”, o “cheiro a troika” e uma vista “agradável” no parlamento

O encerramento do debate sobre o programa do Governo começou com o JPP no púlpito do parlamento pela primeira vez. Na sessão desta terça-feira, Filipe Sousa dizia não se sentir preparado para subir os “mais dois ou três degraus” que separam a bancada do púlpito. Um dia depois subiu-os, para dar “o benefício da dúvida” ao Governo. O JPP também votou contra a moção de rejeição, sem dar carta branca ao Governo. Apelando para que se olhe para os “esquecidos” do “país real”, o deputado estreante pediu mais clareza nas medidas para as regiões autónomas.

Do PAN, o diagnóstico foi perentório: o programa do Governo é “mau”, os problemas das famílias são “esquecidos”, o ministério da Cultura é uma “mixórdia de temáticas” e o Executivo é o que tem menos mulheres da última década. No final, o resultado foi a abstenção.

Paulo Raimundo voltou a trazer o “cheiro a troika” ao debate, atacando a “atitude de arrogância” do Governo. Para o PCP, o programa do Governo perpetua os baixos salários, a precariedade e um país onde se “empobrece a trabalhar”. Explicando que o PCP apresentou uma moção de rejeição ao programa do Governo para ter alguma “clarificação”, acabou a defender que ficou “claro que o Chega, IL e PS vão suportar” a “política injusta”, avisando que estes partidos “amanhã serão responsabilizados pelas consequências na vida das pessoas”.

Ainda à esquerda, o Livre atirou ao facto de o programa do Governo “não estar à altura” do tempo “com grande significado histórico” que se vive. Isabel Mendes Lopes criticou as opções do Governo, nomeadamente a “política fiscal que agrava as desigualdades” e o “papão” da imigração”, tendo sido dos poucos partidos a trazer ao debate o tema que dominou a primeira sessão. O Livre votou a favor da moção de rejeição do PCP e deixou o aviso: “Da parte do Livre seremos oposição, construtiva e muito atenta”.

O Bloco de Esquerda, que agora por ser partido de deputada única teve apenas direito a dois minutos e meio para falar, deixando Mariana Mortágua a meio do discurso, disse haver poucas diferenças entre o atual programa do Governo e aquele que foi apresentado no ano passado. Ainda assim, encontrou uma de peso: “O governo anterior escondia ao que vinha, este diz ao que vem. Trabalha-se mais em Portugal, com menos férias e menos salário”. Defendendo que este é um programa que vai “transformar pobres em miseráveis”, Mortágua realçou que existe uma “confusão entre reforçar o Estado e enfraquecê-lo”. Fora do debate classificaria este como um Governo “radicalizado” e o “mais à direita” que houve em Portugal.

Para a IL, o que separa o partido deste Governo é a “coragem”. Na saúde, nas escolas ou nos impostos, sublinhou Mariana Leitão, pedindo uma “revolução fiscal”. Para os liberais, o programa da AD mostra uma coligação que “ainda acredita num Estado acima de todos nós”. “Portugal não precisa de mais tutela, precisa de mais liberdade. Esta é a diferença entre este programa e um programa liberal”, concluiu.

No espectro mais à direita, o CDS pediu reformas e estabilidade. E num Parlamento com uma vista “mais agradável”, com menos esquerda, afirmou que daqui para a frente haverá “lei e ordem”, sendo preciso que o “Estado saia da frente”. “É mesmo desta”, promete. “Não podemos desperdiçar esta oportunidade”.

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