Observador - 19 jun. 00:10
Esquizofrenia: uma sentença de isolamento, uma invisibilidade para contrariar
Esquizofrenia: uma sentença de isolamento, uma invisibilidade para contrariar
Num novo ciclo político, deixo um desafio para os decisores: olhem para a saúde e a doença mental como uma prioridade, e não apenas como uma bandeira eleitoral.
Esquizofrenia: doença mental complexa, caracterizada, por exemplo, pela incoerência mental, personalidade dissociada e rutura de contacto com o mundo exterior. Esta é a definição simples de uma das doenças mentais crónicas mais afetadas pelo preconceito e desinformação. Mas a esquizofrenia é mais do que esta mera explicação, é mais do que um diagnóstico clínico, é, frequentemente, uma sentença de isolamento social e invisibilidade. Quem vive com esta condição enfrenta o silêncio desconfortável dos outros, a distância dos serviços e o peso do estigma. Numa altura em que se assinala o Dia Mundial da Pessoa com Esquizofrenia, esta é uma data para relembrar a doença e a importância de falar da mesma. Sem preconceitos, nem tabus.
Para isso, é fundamental reconhecer esta realidade sem eufemismos. De acordo com o estudo “O custo e a carga da esquizofrenia em Portugal”, desenvolvido pelo Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência, da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, e pelo Centro de Estudos Aplicados, da Católica Lisbon School of Business and Economics, estima-se que, em Portugal, cerca de 48 mil pessoas sofram desta doença, sendo que mais de 7 mil destas pessoas não têm qualquer acompanhamento médico. Esta ausência de cuidados revela falhas estruturais profundas, não se conseguindo garantir uma resposta eficaz e contínua. Além do sofrimento psicológico, o impacto da esquizofrenia mede-se também em vidas perdidas: cerca de 6% das pessoas diagnosticadas acabam por morrer por suicídio, e 20% tentam pôr termo à própria vida ao longo do percurso da doença. Estes números deveriam bastar para provocar um debate nacional. No entanto, a esquizofrenia continua a ser associada, de forma errada, a “múltiplas personalidades” ou a comportamentos perigosos.
Além do impacto significativo a nível clínico e social, a esquizofrenia impacta também a sustentabilidade do sistema de saúde. Em Portugal, o peso económico da doença é de cerca de 340 milhões de euros por ano, entre custos diretos (medicação, hospitalizações, consultas) e custos indiretos (perda de produtividade, subsídios, exclusão do mercado de trabalho), de acordo com o estudo já citado. Esta carga financeira, muitas vezes invisível, representa um peso significativo para o País e, ainda assim, os investimentos em saúde mental continuam aquém do necessário.
Entre os obstáculos mais concretos ao tratamento, está a diminuição da comparticipação dos medicamentos antipsicóticos. Muitos doentes viram os seus tratamentos passarem de 100% de comparticipação para apenas 90% ou 95%, o que se traduz num custo e esforço adicional, especialmente para quem vive com baixos rendimentos. Paralelamente, o acesso a cuidados continuados e o acompanhamento de proximidade é ainda limitado. A Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), que inclui estruturas como residências de apoio máximo e equipas de apoio domiciliário, ainda não cobre as necessidades reais da população com uma doença mental grave.
É importante referir que a Lei da Saúde Mental, aprovada pela Assembleia da República em 2023, representa um avanço legislativo importante, ao consagrar os direitos das pessoas com necessidades de saúde mental com base nos princípios da dignidade, da liberdade e da não-discriminação. No entanto, como tantas vezes acontece, a legislação só será eficaz se for acompanhada de meios concretos para garantir a sua implementação no terreno: mais profissionais, mais equipas multidisciplinares, mais articulação entre os cuidados primários e os serviços especializados. A evidência científica disponível é inequívoca: uma abordagem centrada na pessoa, com cuidados continuados e integrados, é essencial para melhorar o prognóstico da esquizofrenia.
Quando acabamos de entrar num novo ciclo político, deixo um desafio para os decisores poderem olhar para a saúde e a doença mental como uma prioridade, e não apenas como uma bandeira eleitoral. É urgente falar de dignidade, de inclusão, de direitos e de equidade. É altura de assegurar que cada pessoa tenha acesso a cuidados atempados e adequados, a uma rede de apoio sólida e, sobretudo, a uma vida socialmente integrada.
Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com o Hospital da Luz e com a Johnson & Johnson Innovative Medicine e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.
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