www.publico.ptpublico@publico.pt - 18 jun. 20:30

EuroPride 2025, quando o orgulho se rende ao negócio

EuroPride 2025, quando o orgulho se rende ao negócio

O que era para ser uma celebração europeia dos direitos LGBTI+ transformou-se numa feira turística, festas promovidas por patrocinadores e pouca ou nenhuma presença de activismo de base.

O EuroPride 2025 chegou a Lisboa envolto em promessas grandiosas: seria o maior evento LGBTI+ da Europa, uma celebração de diversidade e um símbolo do progresso português. Mas, à medida que os dias passaram e os discursos se esvaziaram, tornou-se evidente que este não era um momento de verdadeiro orgulho, mas, antes, uma vitrina de pinkwashing, turismo arco-íris e capitalização de uma luta que deveria ser profundamente política.

O que era para ser uma celebração europeia dos direitos LGBTI+ transformou-se numa feira turística com concertos esparsos, festas promovidas por patrocinadores e pouca ou nenhuma presença de activismo de base. À medida que a organização do evento se concentrava cada vez mais numa lógica empresarial, as principais associações portuguesas LGBTI+ foram-se afastando. A ILGA Portugal, a rede ex aequo, a AMPLOS e outras entidades anunciaram publicamente a sua retirada do processo organizativo, denunciando a falta de transparência, de representatividade e de compromisso com as necessidades reais da comunidade.

A responsabilidade do evento recaiu sobre a associação Variações, presidida até recentemente por Diogo Vieira da Silva, que é também figura central deste escândalo. Além das suspeitas de desvio de fundos públicos e de irregularidades na gestão financeira, manteve ligações directas à Embaixada de Israel e foi o organizador de eventos como a Israeli Pride Party em 2023, já então acusada de ser uma operação de pinkwashing. Neste contexto, torna-se difícil ignorar que o EuroPride em Lisboa se tornou palco de uma instrumentalização clara dos símbolos LGBT para encobrir práticas políticas questionáveis tanto nacionais como internacionais.

Mais de 40 organizações subscreveram o manifesto No Pride in Genocide, que denuncia a apropriação do discurso queer por parte do governo israelita num momento em que se intensificam os bombardeamentos em Gaza e se agravam as violações dos direitos humanos nos territórios ocupados. É, na minha opinião, particularmente perverso que um país que não reconhece o casamento igualitário nem garante protecção plena à sua própria população queer tente projectar uma imagem progressista através de parcerias com eventos como o EuroPride.

A Câmara Municipal de Lisboa, liderada por Carlos Moedas, atribuiu um subsídio extraordinário de 175 mil euros à Variações para a realização do evento. Esta decisão que enfrentou críticas da oposição e da própria comunidade LGBTI+, que acusou a autarquia de canalizar fundos públicos para um evento esvaziado de impacto social e marcado por lógicas de espectáculo e lucro. A programação oficial foi anunciada com muito atraso, dificultou a mobilização internacional e revelou-nos uma estrutura mais interessada em festas e conferências genéricas do que em reivindicações políticas ou visibilidade das margens da comunidade, especialmente da comunidade portuguesa, que poderia retirar deste evento maior mobilização social, mais diversidade de perspectivas ou mais força política para ver progresso real, que já não se vê em Portugal desde 2016.

Faltam mulheres lésbicas, pessoas trans, migrantes, negras, trabalhadoras do sexo, corpos não normativos. Falta voz às vozes que mais precisam de orgulho. No seu lugar, sobra uma festa branca, cis, masculina e comercial, onde a bandeira arco-íris foi usada como logótipo e não como símbolo de resistência.

Lisboa perdeu uma oportunidade rara: sediar um EuroPride que fosse verdadeiramente transformador, capaz de reflectir as conquistas e os desafios actuais da população LGBTI+ na Europa e, em particular, em Portugal. Num contexto em que crescem as forças conservadoras, seria urgente utilizar este momento para reforçar redes, denunciar retrocessos e propor avanços concretos nas políticas públicas. Em vez disso, ofereceu-se ao mundo um postal turístico com purpurinas.

O EuroPride 2025 é, acima de tudo, um espelho desconfortável. Mostra-nos que o orgulho pode ser domesticado, transformado em produto, vendido em pacotes e esvaziado de política. E que mesmo as maiores celebrações da diversidade podem ser capturadas por interesses económicos, políticos e até geopolíticos. Quando a comunidade é silenciada, quando os movimentos de base são afastados, quando a festa ocupa o lugar da luta, resta perguntar: orgulho de quê?

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