sol.sapo.pt - 18 jun. 20:54
Dr. Sans Segarra. ‘Quem está em contacto com a supraconsciência – e eu estou –não teme a morte’
Dr. Sans Segarra. ‘Quem está em contacto com a supraconsciência – e eu estou –não teme a morte’
O relato de um paciente que esteve em morte clínica impressionou-o tanto que não descansou enquanto não investigou o assunto a fundo. O cirurgião Manuel Sans Segarra explica como chegou à conclusão de que existe uma consciência que perdura para lá do desaparecimento físico
Médico especializado em cirurgia digestiva oncológica tem uma fé inabalável na ciência e nos seus métodos. Mas a sua visão do mundo mudou num dia em que estava nas urgências do hospital e reanimou um doente que se encontrava em morte clínica. Abismado pelo relato deste sobrevivente, Manuel Sans Segarra dedicou-se a investigar o assunto a fundo, lendo a literatura existente, falando com pessoas que já estiveram do lado de lá e conduzindo experiências com pacientes.
Essa pesquisa deu origem ao livro A Supraconsciência Existe – Vida depois da vida (ed. Planeta), onde fala da parte de nós que permanece depois da morte física. O alcance da obra foi tão grande que o autor recebeu convites do Papa e do Dalai Lama para trocarem ideias e pontos de vista. Em entrevista ao Nascer do SOL num hotel de Lisboa, Sans Segarra conta ainda como os seus vídeos salvaram pessoas desesperadas, oferecendo-lhes um sentido para a vida.
Diz no seu livro que descobriu a realidade da vida humana na sua tridimensionalidade. Essa descoberta mudou mesmo a sua vida, os seus hábitos?
A minha formação como médico fundamenta-se no método cartesiano e newtoniano. Segundo esta visão materialista, a vida é, como disse Descartes: ‘Penso, logo existo’. Com a morte física, deixo de pensar, logo deixo de existir. Como médico cirurgião especializado em cirurgia oncológica muito complexa, a morte era minha inimiga. Se a morte vencesse, eu perdia. Por outras palavras, tinha a visão de que a morte física significava o fim da nossa existência. Até que comecei a descobrir nas urgências as experiências de quase morte, que são uma série de manifestações anímicas em doentes clinicamente mortos – o coração está parado, não há atividade cerebral, o eletrocardiograma é plano, o eletroencefalograma é plano. Isto não se enquadrava na minha formação científica e decidi investigar. Através do estudo aprofundado, lendo a bibliografia, consultando outras disciplinas e outros especialistas, cheguei à conclusão de que a nossa realidade existencial não é apenas corpo e mente. Existe uma consciência local provocada pela atividade dos neurónios e existe uma outra consciência que persiste apesar da morte física.
Que consciência é essa, a supraconsciência de que fala no seu livro?
Definimos a consciência como o conhecimento da nossa existência, das nossas reflexões e dos nossos atos. Então, como poderia existir esta consciência quando o doente estava clinicamente morto? O estudo de experiências de quase morte permite-me afirmar que temos essa outra consciência, a que eu chamo supraconsciência, porque está acima da consciência local, ou neuronal, que desaparece com a morte. Esta supraconsciência persiste e é a nossa verdadeira identidade. A morte física significa desfazer-se do invólucro, da roupagem que a supraconsciência assume durante algum tempo para realizarmos a nossa vida nesta dimensão. E quando a realizámos, desprende-se deste invólucro. Mas a nossa essência autêntica, a supraconsciência, como mostram as experiências de quase morte, persiste noutra dimensão. É evidente que isto influenciou a minha maneira de pensar.
Passou a fazer as coisas de maneira diferente?
Acompanhei durante anos estes doentes que tiveram experiências de quase morte e pude constatar neles mudanças muito profundas. Ao estudar as experiências da quase morte, percebemos que todo o universo é energia, como nos mostra a física quântica. Uma energia subtil que não conseguimos detetar, mas temos provas objetivas da sua realidade existencial. A identidade da consciência local, o que se pode definir como ego, é uma identidade materialista; não é a nossa identidade autêntica. A supraconsciência sim, é a nossa verdadeira identidade, porque perdura após a morte. Existe uma consciência primordial que é a origem de todas as religiões. Uns chamam-lhe Deus, outros YHWH, outros Brahma ou Tao. Chamem-lhe o que quiserem, é a origem de tudo. A supraconsciência é a manifestação dessa consciência primordial em cada um de nós. Espinosa, que era português, expressa isso muito bem, quando define Deus como consciência primordial, cheio de bondade, de compreensão, de perdão. Vi que todos os doentes que tinham contactado a sua supraconsciência tinham uma dinâmica vital tremendamente bondosa, e para eles a vida era uma dádiva. Em contrapartida, também vi que muitos dos que vivem dominados pelo ego se suicidam. A diferença é dramática: uns aceitam a vida como uma dádiva, uma maravilha; para os outros, a vida não tem sentido. Então, eu tentei entrar em contacto com a minha supraconsciência, porque se todos a temos, eu também tenho. E descobri um método: a meditação.
Pratica meditação?
Todos os dias. Existem muitas técnicas, cada um deve escolher a mais adequada para si. Claro que isto tem de ser orientado por um especialista, não se pode fazer sozinho. Pratico há anos o chamado Rajayoga de Patanjali, que utiliza a respiração e, sobretudo, um mantra. E desta forma pode alcançar-se a mente em branco, algo que é impossível fazer com o ego. Se tentar passar um minuto com a mente em branco, verá que não consegue. Automaticamente, o ego começa a dar-se conta de sons, ruídos, que o distraem. Mas quando conseguimos isso temos uma perceção da vida tal como a que descrevem os doentes que tiveram experiências de quase morte. Tem-se uma sensação de abertura, de amplitude, de fazer parte do universo, de estar ligado a tudo. Consegue-se ver a essência numa rocha, num pássaro, numa árvore ou num pôr do sol. Com a supraconsciência, vemos a essência, a divindade de tudo. A minha vida mudou e passei a compreender a minha realidade existencial.
Essa supraconciência é individual, ou seja, cada um tem a sua, ou dilui-se numa entidade coletiva?
Cada um tem a sua. É a identidade autêntica, que torna cada um de nós único e exclusivo.
O que lhe disse o paciente que teve um acidente e esteve à beira da morte? O que lhe contou?
Tenho vários pacientes que descrevem uma experiência típica de quase morte. O que contam? A primeira coisa é a saída do corpo e ficarem numa posição elevada.
Sempre para cima, portanto.
Alguns dizem que conseguem sair lateralmente, mas a maioria eleva-se e assiste a tudo o que acontece a partir de cima. Isso causa-lhes uma grande surpresa, porque não compreendem, não conhecem este fenómeno de saída do corpo. Veem o corpo deitado numa maca, com um grupo de profissionais de saúde à volta. Uma paciente que estava em morte clínica e não conhecia esses profissionais identificou-os a todos. ‘Este é o dr. tal, aquele é o anestesista…’, todos com nome e apelido. Outra característica é que se deslocam com a maior facilidade.
Inclusive através das paredes, não é?
E têm a capacidade de ver o que está a acontecer noutros lugares. Um doente mais velho contou-me tudo o que estava a acontecer em cada dependência do serviço de urgências. Eu mesmo depois pude comprovar o que ele me disse. E depois contactam com seres de luz, ou anjos, como lhes chamam, que os orientam. É frequente contactarem com entes falecidos a quem estavam afetivamente muito ligados. Uma doente minha contactou com a mãe, telepaticamente. E depois há uma luz. E uma sensação de paz, harmonia, bem-estar nessa outra dimensão. E por isso não querem regressar. Um paciente chegou a dizer-me: ‘Você prejudicou-me. Não faz ideia da paz, da harmonia, de como se está bem na outra dimensão. E vem você e reanima-me. Traz-me de volta a este vale de lágrimas’. Este é um caso clássico. Nos livros de [Bruce] Greyson, Raymond Moody, [Michael] Sabom e Pim Van Lommel, há centenas, milhares de casos como este. E já Platão, na República, descreve o caso de um soldado arménio ferido. Todos pensaram que estava morto, mas acabou por recuperar e relatou uma experiência de quase morte idêntica às que eu ouvi. É independente da idade – é muito frequente nas crianças –, do sexo, da raça, do estatuto socioeconómico ou cultural, da ideologia política. Todas contam o mesmo.
Algumas dessas descrições são muito semelhantes às de pessoas que tomam substância alucinogénas, como a ayahuasca ou o LSD. Podem ser experiências parecidas?
Eu não aconselho que se tome substâncias alucinogénias, porque causam distúrbios emocionais e, a longo prazo, podem causar danos cerebrais e psicoses graves. Mas é verdade que as substâncias alucinogénias inibem completamente o ego. Por isso, certas pessoas [espiritualmente] ‘evoluídas’ podem contactar com a supraconsciência. Isso acontecia muitos nas tribos primitivas, com os xamãs. O médium é outra pessoa que tem facilidade em contactar com o seu supraconsciente e com os espíritos de outras pessoas. Mas isso são temas em que eu já não toco. Sou um cientista, só falo dos doentes que tratei, que tiveram uma experiência de quase morte e regressaram. E pesquiso sobre isso.
Caetano Veloso – um cantor brasileiro muito popular – descreve na sua autobiografia [Verdade Tropical] uma má experiência com maconha que o deixou tão perturbado, que, diz ele, ficou para sempre «a odiar a ideia de que possamos seguir sendo nós mesmos depois da morte».
Tem razão. Existem estatísticas de que entre 5 e 7 – menos de 10% – das experiências de quase morte são aterradoras. O doente passa por momentos terríveis. Ouve vozes, é atacado, agredido. Qual é a causa exata? Falei com pessoas que passaram por isso e li a literatura. São pessoas que tiveram uma vida muito atormentada, muito complexa, muito negativa. Nesses casos, as experiências de quase morte podem assumir estas formas diabólicas. E depois os pacientes precisam de apoio psiquiátrico porque passam por algo terrível.
O seu livro tem uma forte componente científica, de neurociência e física quântica. Não poderíamos simplesmente aceitar o mistério e reconhecer que há coisas que a ciência não consegue explicar?
O investigador pretende precisamente encontrar uma explicação lógica, com base científica.
Mas isso é bastante cartesiano…
Como cientista é assim que procedo. Não basta alguém dizer-me uma coisa para eu acreditar, tenho de encontrar uma explicação, uma teoria, que prove que aquilo é mesmo verdade. E depois, reproduzindo-o em laboratório, obtenho o mesmo resultado – esta é a teoria do método científico. Tenho provas clínicas objetivas de que as experiências de quase morte são autênticas. Então pergunto-me: qual é o mecanismo íntimo de como tudo isto funciona? Quero saber que teoria me explica isto. Com o método científico percebi que é impossível, portanto temos de recorrer a outras disciplinas, e uma delas é a física teórica, a mecânica quântica, que estuda a verdadeira estrutura do universo. Já o disse Demócrito, um filósofo grego pré-socrático: ‘Toda a matéria é constituída por partículas muito pequenas’. A partir dos séculos XIX e XX, quando se desenvolveu a mecânica quântica, percebeu-se que este homem tinha razão. Tudo é constituído por átomos e, no fundo, tudo é energia, ondas eletromagnéticas de frequência variável. Partindo daí, vejo um paralelo, uma semelhança, uma analogia entre os princípios do comportamento destas partículas subatómicas e os efeitos das experiências que me foram confiadas. Posso dar certezas? Não. Neste momento, só posso dizer que vejo um paralelismo. Com o progresso científico, talvez daqui a alguns anos possamos dizer: ‘Aquilo de que suspeitávamos é verdade’. Ou então teremos de aceitar outra teoria.
Os seus colegas médicos não olham para si com desconfiança? Deparou-se com falta de compreensão ou mesmo com animosidade por parte dos seus pares?
Como cirurgião, a minha formação é materialista. Quando vi estes fenómenos psíquicos, que não têm qualquer base material, não encontrei uma explicação. Então, comecei a falar com psiquiatras, psicólogos, neurologistas, neurocirurgiões, especialistas em neurociência, e eles disseram-me: ‘Não te metas nisso, só te vais prejudicar a ti, à tua carreira profissional e ao teu serviço. Isso são alucinações. São transtornos neuronais resultantes da paragem cardíaca. O cérebro é muito sensível à isquemia, à falta de irrigação, e quando não recebe sangue produzem-se alterações nos neurónios e dá nessas coisas. Toda a gente sabe isso. Não compliques a tua vida’. Não fiquei nada convencido, porque uma alucinação não tem nada que ver com uma experiência de quase morte. E com as provas objetivas que obtivemos derrubei completamente esses argumentos. Fizemos ressonâncias magnéticas funcionais a pacientes que tiveram experiências de quase morte e que nos contaram a experiência com todo o pormenor. E vimos que quando se mostrava ao doente um objeto que ele nunca podia ter visto na sua vida, mas de que falava na experiência de quase morte, o lobo occipital era ativado. A mesma pessoa que me dizia que eram alucinações admitiu: ‘O doente não mente. Ele viu mesmo este objeto’.
Ficou convencido, portanto.
Ficou convencido. É por isso que digo que temos provas. Agora o mecanismo íntimo… o que mais se aproxima, como disse, é a mecânica quântica. Mas só encontro um paralelismo, não posso dizer que estou 100% certo.
Este processo de encontro com a supraconsciência acontece a qualquer pessoa ou está reservado àqueles que estão de alguma forma preparados?
A supraconsciência tem um inimigo, que é o ego. E o ego tem quatro armas fundamentais. Primeira, a ignorância. Estas questões de que estamos a falar, 90% das pessoas nem sabem sequer que existem. Segunda, o apego pelo material. Buda já o disse: ‘O sofrimento é causado pelo apego pelas coisas materiais’. Terceira: o egoísmo. ‘Tudo para mim, os outros que se danem’. Quarta: o medo. Todo o medo, por mais banal que seja, é motivado pelo ego, porque o ego sabe que a morte física é o fim da sua existência. O ego tem uma origem material, externa. Depende dos nossos neurónios. No momento em que morro, os neurónios são destruídos e o ego desaparece. Todos estes quatro fatores impedem que a supraconsciência se manifeste.
E os animais, também têm acesso à supraconsciência?
Todo o ser vivo tem consciência, que é o conhecimento da sua existência, dos seus pensamentos e dos seus atos. A consciência permite-me, a qualquer momento, saber quem sou, onde estou, o que faço. Permite-me saber que estamos em Lisboa a dar uma entrevista. Isto é consciência local ou neuronal, a atividade dos nossos neurónios. Se inibir os neurónios, a consciência desaparece. Isso acontece, por exemplo, quando está a dormir, ou se eu te der um anestésico para te operar. Perdes a consciência. Sabemos que o primeiro ser vivo apareceu no planeta há 4 mil milhões de anos. Era uma célula, uma cianobactéria, que depois evoluiu para um ser pluricelular, que por sua vez deu origem aos diferentes ramos das espécies. Nós vimos dos peixes – anfíbios – répteis – aves – mamíferos – primatas – hominídeos. Temos três cérebros. O cérebro basal, a que chamamos reptiliano, faz a mesma coisa que o cérebro de um réptil. É ele que controla a vida vegetativa: o coração, a respiração, a temperatura. É uma consciência muito baixa. Um crocodilo tem isso. Depois, o mesencéfalo: é o que têm os mamíferos. Tens um animal de estimação, um cãozinho?
Já tive.
O cão tem emoção quando o vê. Podes ensinar-lhe coisas e ele vai lembrar-se delas. É um nível de consciência mais elevado. E o ser humano tem a consciência mais alta, com os dois hemisférios cerebrais. É aqui à frente que estão as funções mais elevadas: a capacidade intelectual e de livre-arbítrio. Por outras palavras, existem diferentes graus de consciência, mas todo o ser vivo tem consciência.
É crente?
Sou tremendamente espiritual. Estive reunido com o Papa mais de meia hora.
Com o Papa Francisco ou com o novo?
Francisco. No dia 10 de janeiro. O meu livro chegou-lhe às mãos através de outras pessoas, disse que queria falar comigo e marcou-me uma audiência. Fui a Roma e conversámos durante mais de meia hora. E foi maravilhoso porque chegámos a conclusões muito interessantes. Sabes o que me disse? ‘Tu e eu dizemos a mesma coisa. Demonstras cientificamente que existe uma consciência primordial que é Deus. E depois mostras que essa consciência se manifesta em cada um de nós’. Depois fez-me uma pergunta muito curiosa. ‘Eu sei que enches salas com 2.000 pessoas. Mas as igrejas estão vazias. Como se explica isso?’. E eu: ‘A resposta não é fácil…’. ’Vieste aqui para dizer a verdade’. E eu lá disse: ‘A Igreja não evoluiu. Continua com dogmas, e as pessoas não acreditam nos dogmas. Vocês dizem que eu tenho de ter fé em Deus porque a Igreja assim o diz. E eu quero que me provem. Eu não falo de religião, nem de sexo nem de política, só falo de ciência. E mostro cientificamente que Deus existe e se manifesta em cada um de nós. A Igreja diz a mesma coisa, mas de uma forma que as pessoas não acreditam’. Não me contrariou. Vou-te mostrar as fotos para veres que não estou a mentir.
Não é preciso.
Isto foi quando me recebeu. E sabes o que ele me disse no final? ‘Deves ter inimigos’. ‘Sim. Cada vez menos, porque as evidências são claras’. Então ele diz-me: ‘Continua. Eu rezarei por ti.’ E depois uma coisa que me deixou fulminado: ‘E agora peço-te: reza por mim, que eu também tenho inimigos’. E no dia 5 de abril estive com o Dalai Lama, em Dharamsala, a última cidade do norte da Índia, junto à fronteira com o Tibete. Pediu-me para ir a um mosteiro budista explicar cientificamente aos monges a existência de Deus. ‘Nós chegamos lá com meditação, com a metafísica. Tu chegas lá com a ciência’. Deram-me um cadeirão e falei com todos os lamas. No final, o abade do mosteiro ofereceu-me um Buda da saúde, que guardo em casa com todo o carinho. Disse-me a mesma coisa que o Papa: ‘Continua’.
Muitas pessoas que tiveram experiências de quase morte dizem que viram a sua vida toda num instante, com todos os pormenores. Parece que entram numa dimensão diferente do tempo.
Totalmente. É muito comum nas experiências de quase morte as pessoas dizerem-nos que veem a sua vida – passada, presente e, por vezes, futura. Veem-na como se fosse um ecrã, e assistem a tudo no presente. Einstein e Stephen Hawking já o disseram. Só existe um tempo: o momento atual. Já no ego é linear: passado, presente e futuro.
Para terminar. Hoje está um dia maravilhoso, muito sol, 30 graus à sombra. Poderia estar na praia a dar um mergulho ou a fazer um piquenique, mas em vez disso está aqui a falar-me sobre a morte. Centrarmo-nos tanto na morte não pode distrair-nos de viver?
Uma das características do ego é o pânico da morte, porque sabe que com a morte ele acaba, ponto final. A partir do momento em que estamos em contacto com a supraconsciência – e eu estou – garanto-te que perdemos completamente o medo da morte. Eu não gostaria de sofrer e dou aos meus doentes terminais um cocktail para tirar as dores. Mas no que respeita ao trânsito de um estado para o outro, para mim é tudo tão claro que não estou minimamente preocupado. Fizeste-me uma pergunta muito bonita. Eu podia estar na praia, a nadar, ou na minha casa em Montjuïc, que é uma montanha perto de Barcelona, onde há uma floresta que eu adoro. Mas aqui estou. E amanhã vou a correr para Barcelona e depois vou passar o fim de semana a Madrid, para o Dia Mundial do Livro, e toca a assinar não sei quantos livros. Por que faço isto? Já tenho muita idade e uma família a quem quero mais do que tudo. Estou casado há 56 anos, o que mais amo é a minha mulher, os meus filhos e o meu neto, e deixo-os sozinhos. Porquê? Tenho mensagens de WhatsApp de pessoas que me dizem que se iam suicidar e que com os meus livros e os meus vídeos encontraram o sentido da vida. Fizemos um estudo na Faculdade de Medicina, e chegámos à conclusão que, dos 15 aos 35 anos, a principal causa de morte na Catalunha é o suicídio. Isto é horroroso. Chavalos de 15 anos! Lembras-te de quando tinhas 20 anos? Eu era um poço de sonhos, projetos e objetivos. Estas crianças matam-se, embebedam-se, fumam haxixe e atiram-se para debaixo do comboio. Porquê? Porque o materialismo não dá sentido à vida. Procuram a transcendência e não a encontram na religião. E, com os meus vídeos, muitas pessoas encontram-na. Isso dá-me uma paz interior que justifica qualquer sacrifício que eu possa fazer. Só me sinto mal por uma coisa: a minha família. Mas a minha família compreende.