João Pedroso de Lima - 18 jun. 06:59
A sala de espera
A sala de espera
Voluntário num hospital, um médico reformado percebeu que a sala de espera pode ser um lugar onde se aprende a viver. Entre o medo e a esperança, entre lágrimas e sorrisos, entre o desespero e a coragem, desenrola-se aqui a mais pura essência da humanidade
Desde há três anos que me encontro ligado à Liga Portuguesa Contra o Cancro. Sou Voluntário num hospital oncológico e, se inicialmente pensava que o meu papel se resumiria a acompanhar doentes e seus familiares nos percursos dentro do hospital, depressa percebi que seria muito mais do que isso. O diagnóstico de cancro representa um marco transformador na vida de qualquer pessoa, desencadeando uma cascata de reações emocionais complexas que se estendem muito além das manifestações físicas da doença. Como Voluntário sou uma testemunha silenciosa de uma das experiências mais desafiantes da condição humana.
A Sala de Espera de um hospital é um universo com uma geografia emocional particular. Cada pessoa conta uma história, cada silêncio esconde uma batalha. O medo assume múltiplas facetas na experiência oncológica. Existe o medo da morte mas também receios mais subtis e igualmente angustiantes: o medo da dor, da dependência, da perda de autonomia, das alterações corporais e da forma como os outros as perceberão.
O senhor António, de 77 anos, todas as segundas-feiras procura sentar-se naquela mesma cadeira, sempre acompanhado pela filha. Nas primeiras semanas, via-se o medo nos seus olhos, aquele terror de quem acaba de descobrir que o corpo que sempre conheceu se tornou estranho. Agora, meses depois, há uma serenidade diferente no seu olhar, talvez de aceitação… A filha, ela própria com grave doença reumática, parece ficar mais frágil a cada consulta. Por vezes parece serem os acompanhantes quem mais sofre, carregando não só a sua própria angústia, mas também a responsabilidade de serem o pilar emocional de quem amam.
Durante estes anos, aprendi a ler os sinais. Reconheço quem está ali pela primeira vez pelo modo como olha em volta, procurando pistas sobre o que esperar. Identifico quem recebeu más notícias pela forma como caminha - mais devagar, com os ombros caídos, como se carregasse um peso invisível. Aprendi ainda que há pessoas que processam o seu medo no isolamento. E também reconheço os momentos de esperança: um sorriso genuíno após uma consulta ou um abraço mais apertado entre familiares.
Impressiona-me a solidariedade espontânea que nasce entre desconhecidos. Vi pessoas nesta sala partilharem medos e esperanças. Há uma cumplicidade silenciosa entre quem enfrenta a mesma batalha. Um olhar compreensivo, uma palavra de encorajamento sussurrada - pequenos gestos que neste contexto assumem enormes proporções.
Ser Voluntário ensinou-me que esperança não é apenas uma palavra - é uma força ativa, uma escolha diária. Não é a esperança ingénua de que tudo vai ficar bem, mas sim a coragem de continuar a viver plenamente enquanto se luta. É encontrar beleza nos momentos simples, valorizar cada conversa, cada sorriso, cada dia.
A Sala de Espera é, assim, paradoxalmente, um lugar onde se aprende a viver. Entre o medo e a esperança, entre lágrimas e sorrisos, entre o desespero e a coragem, desenrola-se aqui a mais pura essência da humanidade. E eu sinto-me privilegiado por poder partilhar estes momentos com pessoas que me revelam o verdadeiro significado da palavra coragem.
Referências:
- https://www.ligacontracancro.pt/
- Claude AI (2025)