observador.ptObservador - 19 jun. 00:18

O lugar da esquerda é na rua

O lugar da esquerda é na rua

Com a agressão na Barraca, usando uma desmentida motivação de extrema-direita, a raiva levantada pela esquerda pretende combater na rua a magnífica derrota eleitoral do dia 18 de Maio.

Terça-feira, Assembleia Municipal de Lisboa, debate sobre a Informação Escrita do Presidente. Carlos Moedas, cujos esforços mais enérgicos sempre se ocuparam de polir as arestas à extrema-esquerda, suplicou pela segurança na cidade apelando ao empenho dos partidos, pedindo mais polícias e abominando o “discurso de ódio”, proverbialmente distribuído em partes iguais pelo “radicalismo” tanto “da direita como da esquerda”. Um erro e uma tarefa a que devia poupar-se. A extrema-esquerda, assim que se apoderou do microfone, despejou sobre Carlos Moedas todo o lixo moral e retórico da seita, numa fúria por causa da equivalência com a extrema-direita. No essencial, e pelos motivos errados, a extrema-esquerda tem razão. Não há equivalência.

Voltando um pouco atrás. A Câmara de Lisboa, pela voz do próprio presidente Carlos Moedas, tem insistido cada vez mais, com o avançar do mandato, em reconhecer na cidade problemas de segurança e em pedir ao governo mais Polícia. Não começou hoje, nem tem por origem as agressões da semana passada. A esquerda chegou agora, e o assunto só lhe interessou a partir da maneira como foi agredido um actor da Barraca. Até lá, havia uma “falsa sensação de insegurança”. Sempre que se falava da necessidade de aumentar a presença ou acção policial isso era associado, de forma directa ou insinuada, a impulsos fascistas e autoritários. A reacção clássica da esquerda: quem dela discorda é fascista.

Num artigo publicado há uns dias aqui no Observador, Nuno Gonçalo Poças descreve com o detalhe necessário seis crimes violentos cometidos este ano, respectivamente a 27 de Janeiro, 6 de Maio, 5 de Junho, 10 de Junho (dois crimes), e 11 de Junho. Como era esperável, a esquerda (extrema ou moderada) agarrou-se a um único e, durante a semana inteira, esguichou raiva nos jornais, na rua, nas “redes” e nas televisões, clamando contra o ataque “à cultura” e à “liberdade de expressão”; todos os partidos, sem excepção, repudiaram o sucedido; e o poder político abominou o caso através de dois ministros, cabendo ao inefável Rangel prometer “uma perseguição e punição exemplar”. Para todos os restantes crimes, silêncio.

Isto mostra um desvio. Em matéria de agressões públicas, não existe simetria política entre esquerda e direita. As agressões atribuídas à direita não têm representação nem protecção oficial. Uma diferença incontestável. Ou seja, elas não são protegidas por nenhum partido com deputados eleitos, seja na Assembleia Municipal de Lisboa, seja na própria Assembleia da República. Não existe um único partido do lado direito que apoie ou defenda qualquer agressão pública, ou que tente sequer suavizar a gravidade destes crimes.

O mesmo não podemos dizer da esquerda. Em matéria de agressões públicas, a esquerda tem representação; e tem vindo a subscrever acções agressivas; e ela própria a protagonizar acções agressivas através do comportamento dos seus deputados em manifestações públicas. Mais: a extrema-esquerda identifica-se a si mesma como herdeira e subscreve um legado histórico e intelectual de actos de extrema violência e regimes brutalmente repressivos, desde que em nome de causas da esquerda; e apresenta atenuantes e desculpas de contexto para os crimes de rua que legitimam a retórica dela ou as respectivas políticas.

Perante este passado e os distúrbios mais recentes, a esquerda não perdeu de vista nem o seu programa nem a sua natureza. O lugar preferido da esquerda é na rua. Com a agressão ao actor da Barraca, usando uma desmentida motivação de extrema-direita rapidamente dilatada aos partidos, a raiva levantada pela esquerda pretende enfraquecer moralmente a legitimidade do governo português e a peremptória maioria de direita na Assembleia da República. E pretende, acima de tudo, combater na rua a magnífica derrota eleitoral do dia 18 de Maio.

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