Observador - 19 jun. 00:09
Portugal Europeu: Após 40 Anos de Mudança – Balanço Crítico de uma Integração
Portugal Europeu: Após 40 Anos de Mudança – Balanço Crítico de uma Integração
A trajetória de Portugal como membro da UE demonstra uma notável capacidade de adaptação e resistência. Somos, por escolha e convicção, um país europeísta.
Desde a adesão à Comunidade Económica Europeia em 1985, Portugal transformou-se economicamente e socialmente. Este artigo de opinião pretende explorar, de forma crítica e distendida, os principais impactos dessa integração europeia, desde os avanços no desenvolvimento e na coesão até às desigualdades persistentes, passando pelas perceções públicas, identidade nacional e cidadania europeia.
Mário Soares assinou o Tratado de Adesão à CEE no Mosteiro dos Jerónimos, a 12 de junho de 1985, um momento histórico que simbolizou a “chegada” de Portugal ao projeto europeu. Passadas quatro décadas, Portugal é indubitavelmente um país diferente. A entrada na então Comunidade Económica Europeia (CEE) foi um marco que catalisou mudanças profundas no tecido económico, social e político do país. A adesão europeia cumpriu em grande medida a promessa de modernizar e desenvolver o país, basta olhar para as infraestruturas modernizadas, a estabilidade democrática e a melhoria geral da qualidade de vida. No entanto, nem tudo é um sucesso inequívoco: persistem desafios, desde as desigualdades regionais até ao debate sobre a soberania e identidade num contexto supranacional. É fundamental, ao refletir sobre este percurso desde 1985, reconhecer tanto os ganhos palpáveis como os aspetos em que a integração não alcançou plenamente as expectativas, numa análise crítica mas construtiva sobre o nosso futuro europeu comum.
Desenvolvimento Económico e Social: Um Salto Quântico
A adesão à CEE em 1985 abriu as portas de Portugal a um novo mundo de oportunidades económicas. Do ponto de vista económico, o país registou um crescimento notável e uma modernização acelerada, em grande parte impulsionados pelos fundos estruturais europeus e pelo acesso ao vasto mercado comunitário. De facto, a integração europeia é frequentemente apontada como “o mais poderoso vetor de modernização de toda a história económica portuguesa” (Sousa, 2001). Entre 1986 e 2023, Portugal recebeu mais de 130 mil milhões de euros em fundos europeus (Cunha, 2024), investimento que se traduziu em milhares de projetos: autoestradas e vias férreas que aproximaram o litoral do interior, modernização de escolas e hospitais, saneamento básico em regiões antes esquecidas, apoio à indústria e agricultura, entre muitos outros. Esses recursos funcionaram como uma “alavanca do desenvolvimento económico”, permitindo reduzir a inflação para níveis históricos, aumentar a produtividade e melhorar significativamente as condições de vida dos portugueses (Sousa, 2001).
Como resultado, ao longo dos anos 90 observou-se uma convergência gradual da economia portuguesa para a média europeia, traduzida num crescimento do PIB per capita e na expansão do comércio externo apoiada pelo mercado único. Indicadores sociais também acompanharam esta evolução positiva: a esperança média de vida aumentou, o acesso à educação universalizou-se e diversos indicadores de bem-estar melhoraram. Há mesmo quem destaque que, após a adesão, houve uma diminuição da desigualdade de rendimentos e um aumento do acesso da população a serviços essenciais como a saúde. Em suma, o Portugal de hoje, comparado ao de meados dos anos 80, é um país mais próspero, mais desenvolvido e mais aberto.
No campo político e institucional, a integração europeia ajudou a consolidar a jovem democracia portuguesa saída da Revolução de 1974. Nos anos que precederam a adesão, Portugal enfrentou instabilidade governativa e incertezas económicas; a partir de 1986, porém, assistiu-se a uma crescente estabilidade política e a um consenso alargado em torno do rumo europeu do país. A pertença à CEE (mais tarde União Europeia) implicou a adoção de exigentes critérios de governação económica – por exemplo, o controlo do défice e da inflação para entrada na União Económica e Monetária – os quais impuseram disciplina e rigor nas políticas públicas. Essa disciplina, embora desafiante, contribuiu para sanear as finanças e integrar Portugal no euro em 1999, consolidando uma década de estabilidade económica.
Por outro lado, a participação nas instituições europeias trouxe prestígio e influência internacional: Portugal assumiu por quatro vezes a Presidência do Conselho da UE, foi anfitrião de cimeiras históricas (como a de Lisboa em 2000, que lançou a Estratégia de Lisboa) e chegou a ter portugueses em cargos de destaque europeu, por exemplo, José Manuel Durão Barroso presidiu à Comissão Europeia (2004-2014). Estes marcos reforçaram a autoestima nacional e provaram que mesmo um país de menor dimensão podia ter voz ativa na construção europeia. Importa notar ainda que a integração europeia foi decisiva para ancorar Portugal no campo das democracias liberais ocidentais, funcionando como um “seguro” contra retrocessos autoritários. Conforme observou o jurista e eurodeputado Vital Moreira, a democracia portuguesa, após a adesão, deixou de ser “problemática”, tornando-se uma realidade sólida e sem ter de enfrentar os fenómenos de extremismo político de direita, nacionalista e xenófobo que afetam outras democracias europeias mais antigas (citado em Sousa, 2001).
Em suma, no balanço destes 40 anos, os ganhos económicos, sociais e políticos da adesão são tangíveis e numerosos: Portugal modernizou-se, internacionalizou-se e estabilizou-se de uma forma que dificilmente teria sido tão rápida sem o enquadramento da UE.
Desigualdades Regionais e Coesão: Promessas e Paradoxos
Apesar dos inegáveis avanços, a integração europeia não foi uma panaceia para todos os problemas estruturais de Portugal. Um dos paradoxos evidentes reside nas desigualdades regionais e sociais persistentes. A política de coesão da UE, através de fundos estruturais dirigidos às regiões menos desenvolvidas, tinha como objetivo reduzir as assimetrias internas, mas os resultados nesse campo ficaram aquém do esperado. Estudos recentes indicam que, embora todas as regiões tenham progredido em valores absolutos, a disparidade relativa entre o litoral urbanizado e o interior rural de Portugal mantém-se teimosamente ampla (Havryliuk, 2024). Em termos simples: as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto beneficiaram substancialmente da entrada na UE, atraindo investimento e melhorando infraestruturas, enquanto muitas zonas do interior e do sul registaram um desenvolvimento mais lento.
Por vezes, estes fundos até acentuaram desequilíbrios, já que as regiões mais capazes de absorver investimento (com mão de obra qualificada, acesso a mercados, boas ligações) foram as que mais tiraram partido dos financiamentos europeus, deixando as regiões deprimidas ainda mais para trás (Greco, 2023; Pratama et al., 2025). De acordo com Pratama et al. (2025), a desigualdade regional em Portugal permanece um dos principais obstáculos a uma coesão efetiva, mostrando que os benefícios da integração não chegaram de forma equilibrada a todos os cidadãos.
Exemplos práticos ilustram esta situação: é inequívoco que hoje temos autoestradas e parques industriais em zonas outrora remotas, mas muitas dessas autoestradas acabam por ligar os jovens qualificados do interior diretamente aos aeroportos, de onde partem em bununo miguelsca de oportunidades nas cidades do litoral ou no estrangeiro. A desertificação de certas regiões do país continua a ser uma realidade, com concelhos do interior a perderem população e atividade económica, apesar de décadas de fundos de coesão. Segundo uma análise de Havryliuk (2024), as políticas regionais europeias não conseguiram estancar esta divergência, levantando questões sobre a eficácia e o direcionamento desses apoios.
Além disso, surgiram críticas que questionam se os fundos foram sempre bem geridos internamente. Como nota Cunha (2024), “há falta de consenso sobre se o dinheiro foi gasto adequadamente, com questões de transparência e responsabilização a serem levantadas”. Ou seja, parte do problema pode não estar só em Bruxelas, mas também em Lisboa: planeamento deficiente, burocracia excessiva ou mesmo casos de má alocação de recursos limitaram o impacto transformador que os fundos europeus poderiam ter tido em algumas comunidades locais (Pozovna, 2024). Este quadro convida a uma reflexão honesta: até que ponto conseguimos converter a ajuda europeia em desenvolvimento sustentável e equilibrado? Os ganhos foram muitos, mas a promessa de “nivelar” o país internamente ainda está por cumprir plenamente.
Para o futuro, vários analistas sugerem reavaliar as estratégias de coesão e desenvolvimento regional – integrando mais os atores locais e a sociedade civil no processo – para assegurar que nenhuma região fique para trás (Comissão Europeia, 2022). Afinal, a coesão territorial não é apenas um princípio europeu; é essencial para a vitalidade de Portugal como um todo.
Perceções Públicas: Europeístas, mas com Reservas
Um elemento central desta história de 40 anos é a perceção que os portugueses têm da União Europeia e dos seus efeitos no dia a dia. Aqui, os dados e sondagens deixam pouca margem para dúvidas: Portugal destaca-se regularmente como um dos países mais euroentusiastas de toda a União. Segundo o último Eurobarómetro do Parlamento Europeu (2025), impressionantes 91% dos portugueses consideram que o país beneficiou da adesão à UE, um valor muito acima da média europeia (Parlamento Europeu, 2025). Essa aprovação traduz uma realidade sentida por muitos: as gerações que viveram a pobreza e o isolacionismo pré-1986 veem a Europa como sinónimo de progresso económico, estabilidade política e abertura de horizontes.
Não é de estranhar, pois, que Portugal apresente “a imagem mais positiva da UE” entre os 27 Estados-membros (Parlamento Europeu, 2025). Em paralelo, a população portuguesa mostra-se amplamente favorável a uma maior união entre os países europeus – cerca de 92% concordam que é preciso mais cooperação para enfrentar desafios globais comuns (Parlamento Europeu, 2025). Esses números expressam um sentimento de confiança de que a solução para muitos problemas passa por mais Europa, não menos.
Contudo, seria simplista pensar que esta confiança é acrítica ou homogénea. Ao longo das décadas, houve também momentos de descontentamento e debate aceso sobre o rumo da integração. Por exemplo, durante a crise da dívida soberana e a intervenção da troïka em 2011-2014, muitos portugueses sentiram na pele as duras medidas de austeridade associadas aos resgates financeiros da UE. Nessa altura, slogans como “Que se lixe a troïka!” ecoaram em manifestações, revelando frustração com políticas percebidas como impostas externamente e socialmente injustas. Esse período negro da crise económica gerou alguma desilusão e questionou a narrativa de solidariedade europeia, expondo falhas na arquitetura do euro e no equilíbrio de poder entre Estados credores e devedores.
Apesar disso, é notável que o euroceticismo nunca ganhou raízes profundas em Portugal. Mesmo nos piores anos da recessão, não emergiram movimentos políticos significativos advogando a saída do euro ou da UE, ao contrário do que se viu em países como a Grécia ou mesmo no Reino Unido com o Brexit. Ceticismo houve, e há, mas manifesta-se mais como desejo de reformar a UE por dentro do que de a abandonar. Em parte, isso deve-se ao facto de o projeto europeu estar entranhado na estratégia nacional de desenvolvimento desde 1986: todas as forças governativas principais (do centro-esquerda ao centro-direita) sempre sustentaram a permanência na UE, isolando as poucas vozes abertamente eurocéticas para as margens do espectro político.
Outro fator de resiliência do entusiasmo europeu em Portugal é a perceção de que a UE funciona como uma rede de segurança e progressismo. Muitos cidadãos confiam mais nas instituições europeias do que nas nacionais para garantir certos direitos e políticas de longo prazo (Wilgosh et al., 2022). Por exemplo, políticas europeias de proteção ambiental, de defesa do consumidor ou de direitos laborais são geralmente bem acolhidas, por se entender que elevam os padrões nacionais. Da mesma forma, a pertença ao espaço Schengen e à zona euro facilita a vida diária, seja para viajar sem fronteiras, seja para evitar as dores de cabeça com câmbios monetários. Essas vantagens concretas reforçam uma ligação afetiva e prática do cidadão comum à ideia europeia.
Ainda assim, há um conhecimento limitado do funcionamento das instituições europeias e alguma distância em relação a “Bruxelas”, enquanto entidade política abstrata. A participação eleitoral nas eleições para o Parlamento Europeu, por exemplo, tem ficado aquém do desejável (geralmente com abstenções elevadas), sugerindo que, apesar do apoio genérico, falta envolver mais os cidadãos nos processos de decisão europeus. Em resposta a isso, 67% dos portugueses defendem atribuir um papel mais relevante ao Parlamento Europeu na governação da UE (Parlamento Europeu, 2025), sinal de que há apetite por uma democracia europeia mais forte e próxima das pessoas.
Em resumo, a opinião pública portuguesa equilibra gratidão e expectativas: reconhece os frutos da integração mas quer ver a União evoluir, para ser mais solidária, transparente e efetiva na resolução dos problemas que realmente importam no dia a dia.
Identidade Nacional e Cidadania Europeia: Múltiplos Pertencimentos
Uma questão mais subtil, mas não menos importante, que emerge destes anos de integração é como evoluiu a identidade nacional portuguesa face à identidade europeia. Em 1985, ao assinar o Tratado de Adesão, o Primeiro-Ministro Mário Soares declarou que Portugal entrava na CEE em busca de “um futuro de progresso e modernidade”, mas ciente de que “não seria uma opção de facilidade”, pois exigiria sacrifícios e adaptações (Comissão Europeia, 1985). No cerne desse comentário estava a ideia de que nos estávamos a “tornar europeus” sem deixar de ser portugueses, um equilíbrio delicado entre abertura e preservação da autonomia.
Passados quarenta anos, pode-se dizer que os portugueses incorporaram a dimensão europeia na sua identidade coletiva sem grandes traumas. Hoje, ser português é também, em boa medida, ser europeu. Em sondagens Eurobarómetro, a maioria identifica-se simultaneamente como portuguesa e europeia, evidenciando identidades complementares e não excludentes (Colombo et al., 2011).
As novas gerações, em particular, já cresceram num contexto de liberdade de circulação, moeda única e intercâmbio cultural intenso, o que normalizou a ideia de uma cidadania europeia partilhada. Programas emblemáticos como o ERASMUS+ contribuíram para isso: desde 1987, mais de 100 mil estudantes portugueses passaram períodos em universidades estrangeiras ao abrigo do Erasmus (Cunha, 2024), e muitos milhares de jovens europeus estudaram em Portugal. Essa vivência académica e pessoal no estrangeiro, facilitada pela UE, ampliou horizontes, criou laços interculturais e fomentou aquilo que o programa visava desde o início – uma consciência europeia entre os cidadãos (Cunha, 2024). Não é exagero dizer que hoje há uma geração inteira de portugueses, frequentemente apelidada de “geração Europa” – para a qual trabalhar em Madrid, fazer investigação em Berlim ou lançar uma startup em Amesterdão é tão natural como fazê-lo em Lisboa ou no Porto.
Contudo, a integração cultural e identitária também trouxe novos debates sobre soberania e influência externa. Setores mais tradicionalistas ou nacionalistas perguntam: o que significa ser português num mundo de normas europeias comuns? Estaremos a diluir a nossa soberania e especificidades culturais? Este dilema ecoa em discussões sobre políticas europeias que tocam símbolos identitários, desde as quotas de pesca que afetaram comunidades piscatórias locais até diretivas sobre rótulos de produtos regionais. A verdade é que algumas decisões tomadas coletivamente em Bruxelas causaram tensões internas: basta lembrar a polémica em torno da Política Agrícola Comum (PAC) nos primeiros anos de adesão, quando muitos agricultores portugueses tiveram de se adaptar a novas regras, abandonar culturas tradicionais ou enfrentar concorrência acrescida. Muitos sentiram aí uma perda de controlo sobre o seu modo de vida, originando alguma hostilidade inicial.
Porém, com o tempo, mesmo esses setores foram reconhecendo vantagens, a PAC trouxe subsídios que modernizaram a agricultura e a pesca, ainda que à custa de reestruturações dolorosas. No balanço identitário, Portugal conseguiu manter vivas as suas tradições e cultura, ao mesmo tempo que se tornou mais cosmopolita. A saudade continua no fado, o azulejo continua nas paredes, celebramos Camões e o 25 de Abril; mas celebramos agora também, com igual naturalidade, o Dia da Europa a 9 de Maio, e termos a “Cidade do Porto” eleita Capital Europeia da Cultura ou termos um filme português vencedor de um prémio LUX de cinema europeu são motivos de orgulho nacional e europeu simultaneamente.
Em última instância, a identidade nacional não foi engolida pela europeia, em vez disso, enriqueceu-se com uma camada adicional. Como nota Jang et al. (2024), o debate identitário oscila entre temores de perda de autonomia e a perceção de que ganhar voz na Europa fortalece o país no cenário global. A experiência portuguesa sugere que se pode ser devoto à própria pátria e, em simultâneo, um europeu convicto.
Temos agora direitos de cidadania europeia que se somam aos direitos nacionais: podemos circular, trabalhar e viver livremente em 27 países, votar e ser candidatos nas eleições europeias, usufruir de proteção consular de outros países da UE. Estes benefícios práticos cimentaram a ideia de pertencermos a uma comunidade maior. Claro que desafios permanecem nesta dimensão humana da integração: por exemplo, a saída de centenas de milhares de portugueses para outros países europeus em busca de melhores condições de vida, sobretudo durante a última crise económica, levanta questões sobre o futuro demográfico e a “fuga de cérebros”.
É ótimo que os jovens possam prosperar em Londres ou Paris, mas seria melhor ainda se não se vissem obrigados a sair de Portugal para realizar as suas ambições.
Este é um ponto em que a cidadania europeia tanto empodera (pela liberdade de escolha) como expõe fragilidades internas (pela dificuldade em reter talento). Também se observa por vezes um certo “deslumbramento europeu” que leva a acreditar que tudo o que vem de fora é melhor – um complexo de periferia que o país tem vindo a superar, mas que faz parte das narrativas populares. A longo prazo, o ideal será cultivar um patriotismo saudável que coexista com a pertença europeia, evitando tanto o nacionalismo retrógrado como um cosmopolitismo desligado das raízes locais.
Conclusão: Um Olhar em Frente
Passados 40 anos, o veredicto global sobre a adesão de Portugal à CEE/UE é amplamente positivo, partilhando uma visão otimista, ainda que temperada pela consciência crítica dos desafios pendentes. Portugal ganhou com a Europa: ganhou infraestruturas, investimento, estabilidade financeira, mercados abertos para os seus produtos e oportunidades sem precedentes para os seus cidadãos. Ganhou também um enquadramento de paz, democracia e Estado de direito que seria impagável por si só. Por outro lado, a Europa também trouxe exigências e expôs fragilidades: nem todas as regiões e pessoas colheram os frutos da integração por igual, e a competição europeia acentuou as dificuldades de setores menos preparados. Políticas públicas nacionais nem sempre souberam aproveitar ao máximo os recursos europeus, ou corrigir distorções por eles criadas.
O próprio projeto europeu enfrentou (e enfrenta) crises que abalam a confiança, da crise do euro ao Brexit, passando pela pandemia de Covid-19 e, mais recentemente, a guerra na Ucrânia que testa a união e os valores europeus.
Ainda assim, a trajetória de Portugal como membro da UE demonstra uma notável capacidade de adaptação e resistência. Somos, por escolha e convicção, um país europeísta. A opinião pública favorável e o compromisso consistente das nossas instituições com o projeto europeu indicam que Portugal continuará a apostar na Europa como seu destino. Mas esse futuro não está isento de interrogações. Para onde caminhamos nos próximos 40 anos? Conseguiremos convergir totalmente com os nossos parceiros mais ricos, corrigindo as disparidades internas e tornando a nossa economia mais inovadora e resiliente? Iremos aprofundar a união política europeia, talvez avançando para uma Europa a várias velocidades, e estaremos preparados para nela participar ativamente? E como manteremos acesa a chama europeia junto das novas gerações, evitando a apatia e garantindo que se sintam representadas? Estas questões exigem debate público e estratégia.
Em conclusão, partilho a convicção de que a integração europeia foi, e continua a ser, a grande oportunidade histórica de Portugal no último meio século. O balanço desde 1985 é francamente positivo, mas incompleto. Cabe-nos, enquanto país, aproveitar a próxima etapa para realizar o potencial ainda por concretizar: usar a União não como muleta, mas como plataforma de lançamento. Isso implica insistir em políticas de coesão mais eficazes, fomentar a competitividade económica sem descurar a justiça social e participar construtivamente nas reformas da UE que se avizinham (por exemplo, na transição ecológica e digital, onde enormes fundos e decisões europeias estarão em jogo). Implica também aprofundar a cultura cívica europeia doméstica, trazer “Bruxelas” para mais perto dos cidadãos, para que a democracia europeia seja sentida como extensão natural da nossa. O futuro europeu de Portugal está aberto: podemos influenciá-lo, desde que mantenhamos o equilíbrio entre a nossa identidade única e a nossa vocação plural.
Tal como em 1985, assumimos com coragem o “desafio para Portugal e para a Europa” (Soares, 1985), hoje o desafio renovado é contribuir para uma Europa mais coesa, solidária e fiel aos seus valores, garantindo que as próximas gerações de portugueses continuarão a dizer, com orgulho crítico: valeu a pena ser parte deste projeto comum.
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