observador.pt - 19 jun. 01:19
"Ouvir o público" é fundamental no teatro, diz diretor do Festival de Almada
"Ouvir o público" é fundamental no teatro, diz diretor do Festival de Almada
O diretor do Festival de Almada, que começa a 4 de julho a sua 42ª edição, disse que a arte arrisca-se a ser levada pelas tendências e a não "escutar quem mais perto está".
O diretor do Festival de Almada, Rodrigo Francisco, sublinhou esta quarta-feira a relevância do teatro por essa capacidade de “se colocar no lugar do outro”, fundamental para “ouvir o público”.
“Ouvir o público” é mesmo o título do texto de apresentação da 42.ª edição do festival, assinado pelo também diretor artístico da estrutura anfitriã, a Companhia de Teatro de Almada (CTA), um título como um alerta, quando “a urgência da novidade vai invadindo, indelével, as distintas dimensões das nossas vidas”, que ganha dimensão geral: “Também a democracia sairia reforçada, se os nossos democratas se dedicassem a escutar atentamente os cidadãos.”
“Através de meios crescentemente sofisticados e sorrateiros, somos sugados para o último grito, para o que acabou de dar-se, para o que fulano ou beltrano proclamaram em qualquer parte remota. E ao deixarmo-nos levar pelo afã de estar a par do que vai sucedendo no vasto Mundo (…), arriscamo-nos a não escutar quem mais perto está de nós”, escreve Rodrigo Francisco, acrescentando que as artes de palco “não escapam a esta premência”, acentuando-se “a expectativa de que os festivais nos revelem ‘novidades'”.
Em declarações à Lusa, no dia em que foi apresentada a próxima edição do Festival de Almada, a decorrer de 4 a 18 de julho, Rodrigo Francisco ressalvou, todavia, que a companhia que dirige e que está instalada desde finais dos anos 1970 em Almada, “faz teatro para a comunidade e procura estar dentro da comunidade”.
Isso não significa que quando organizam o festival o façam no contexto ora das expectativas do público, ora para lhes “‘tirar o tapete'”.
“Muitas vezes fico perplexo com o solipsismo de muitos criadores para quem não interessa de todo o efeito daquilo que fazem nas pessoas que vêm assistir aos seus espectáculos”, acrescentou Rodrigo Francisco, sublinhando que, ao longo do ano, no Teatro Municipal Joaquim Benite (TMJB), sede da companhia, têm “vários dados” que lhes permitem perceber as expectativas do público, de modo a organizarem um festival que “ora vai ao encontro dessas expectativas”, ora lhes “‘tira o tapete'”, causando-lhes o que chama “prazer inteligente da reflexão”.
“Trazer o contraditório, uma coisa que o teatro pode fazer tão bem, é podermos estudar o ponto de vista de quem pensa de forma diferente da nossa, que é uma coisa que nós temos de fazer obrigatoriamente quando montamos um espetáculo”, sustentou.
Por isso, a capacidade de “se colocar no lugar do outro é tão importante no teatro e num festival de teatro”, argumentou, sublinhando que a programação da 42.ª edição do festival procura essa reflexão com todos os seus espectáculos, seja através das diferentes dramaturgias, seja em palco, seja pelas produções de novo circo, de marionetas ou de objetos.
Ouvir o público é também o pretexto para a exposição desta edição que apresenta os “espetáculos de honra”, uma prática iniciada em 1987 e que consiste na escolha, pelos espectadores, de uma peça para regressar no ano seguinte ao festival.
Uma “tradição” que “releva a relação íntima do teatro com a democracia”, escreve Rodrigo Francisco, acrescentando que “o estudo da História tem-nos demonstrado que nos momentos em que a democracia – a liberdade – regride, o teatro fenece. E vice-versa”.
Ao convidar os espectadores a eleger um espectáculo de honra, presta-se a companhia “a escutá-los”, demonstrando que esta “festa do teatro” é organizada para eles, os espectadores: “Para que cresçam connosco”, afirma o coletivo.
“Estarmos atentos ao que têm para dizer-nos aqueles que assistem às nossas peças pode evitar males maiores para o teatro — salas vazias, por exemplo. Suponho que também a democracia sairia reforçada, se os nossos democratas se dedicassem a escutar atentamente os cidadãos”, conclui o texto de Rodrigo Francisco.
A 42.º Festival de Almada, a decorrer nesta cidade de 4 a 18 de julho, numa organização da Companhia de Teatro de Almada (CTA) e da Câmara Municipal, contabiliza um total de 46 espetáculos de teatro e dança, 16 concertos ao ar livre, além de iniciativas paralelas como colóquios, debates e exposições, de acordo com a programação anunciada esta quarta-feira.