observador.ptobservador.pt - 19 jun. 02:08

Gouveia e Melo identifica-se com programa de Montenegro, de quem tem "uma boa opinião": “Precisamos de reformar o Estado"

Gouveia e Melo identifica-se com programa de Montenegro, de quem tem "uma boa opinião": “Precisamos de reformar o Estado"

Almirante diz ter "boa opinião" do PM já que encontros que tiveram "foram muito positivos". Confessa que "votou no vencedor" a maior parte das vezes e define-se como “adepto feroz da estabilidade".

O candidato presidencial Henrique Gouveia e Melo não tem dúvidas que, caso vença as eleições de 2026, a relação com Luís Montenegro correrá bem, visto que se identifica com o programa do Governo. No programa da RTP3 Grande Entrevista, de Vítor Gonçalves, elogiou inclusivamente a criação de um Ministério para a Reforma do Estado pois é “um sinal importante para o sistema político e económico”.

“Muito do programa que foi apresentado agora, que é um programa reformista, também está alinhado de alguma forma com os artigos que escrevi, identificando um conjunto de reformas que são essenciais para a sociedade”, disse, admitindo que conhece pessoalmente o primeiro-ministro Luís Montenegro, de quem tem “uma boa opinião” já que “os encontros foram muito positivos”.

“Precisamos de reformar o Estado. Isso não significa abandonar funções do Estado, precisamos é de ser mais eficientes, termos menos burocracia, termos leis mais simplificadas”, enumerou, considerando existir há muito “maleitas da sociedade portuguesa já estavam a criar um atrito à vida dos portugueses e à economia que os sustenta”.

Já quando questionado se o Governo de Luís Montenegro — que entrou esta quarta-feira em plenitude de funções — tem condições para cumprir a legislatura, Gouveia e Melo considerou que “há condições políticas” para tal e que isso “é francamente desejável, porque o Estado precisa de se reformar”.

No seu entender, os mini-ciclos políticos dos últimos anos não só têm prejudicado “a economia” e, assim, “o Estado Social” por ela pago, como também levam a que “os governos tenham a tendência para fazerem medidas mais demagógicas e, portanto, menos estruturantes”. “São a espuma dos dias em vez de estarem preocupados com medidas de médio-longo prazo que são as que mudam verdadeiramente a vida das pessoas”, atirou.

Afirmando-se como um “adepto feroz da estabilidade política”, Gouveia e Melo defende que “só se deve julgar um governo depois de ele ter tido tempo para fazer o seu programa e depois será julgado em eleições normais”. “As soluções muitas vezes só acontecem quando há tempo para se fazerem, sublinhou.

Poderes presidenciais: “Já houve outras interpretações muito mais abusivas”

Num momento da entrevista em que houve um certo pingue-pongue argumentativo, Gouveia e Melo foi instado a defender a sua ideia previamente apresentada de dissolver a Assembleia da República caso o Governo não cumpra as suas promessas eleitorais.

Lembrando que apenas defendeu isso em casos “graves”, explicou que estes consistem em um partido prometer algo numa campanha eleitoral e fazer o oposto após tomar posse. “Se eu for Presidente, pretendo que os partidos, quando vão aos atos eleitorais, sejam menos demagógicos e digam verdadeiramente ao que veem”, apontou.

Questionado se essa interpretação, deixada ao julgamento do Presidente da República, não atropela a Constituição, Gouveia e Melo vinha com a resposta na ponta da língua, lembrando que na alínea e) do Artigo 133º da lei fundamental portuguesa não há limitações específicas às justificações encontradas para dissolver a Assembleia da República. “O Presidente não é um funcionário, é um individuo que se apresentou a eleições e tem a legitimidade política da maioria. Esta legitimidade não pode ser retirada ao presidente, é um árbitro do sistema, que evita que este se desmorone”, retorquiu.

Numa alfinetada a Marcelo Rebelo de Sousa, Gouveia e Melo defendeu já ter havido “outras interpretações muito mais abusivas do que aquelas que eu digo e que criaram instabilidade — e muito recentes”. Sendo-lhe pedidos exemplos, lembrou que “não há nada que diga que um Orçamento do Estado que não seja aprovado obrigue à dissolução da Assembleia da República”, e o mesmo ocorrendo para quando “um primeiro-ministro saia de funções, havendo estabilidade na AR e havendo outro nome para o substituir”. “Já foram feitas coisas muito piores do que aquela que eu enunciei”, repetiu.

Gouveia e Melo rejeitou temores de que será um líder com tendências autoritárias caso seja eleito, frisando que “uma coisa é ter autoridade militar, outra é ser autoritário, como um ditador em potência. Quanto ao primeiro caso, lembra que teve de exercer autoridade militar como almirante porque lhe era exigido, o que não acontece como Presidente da República.

O candidato garantiu também publicamente que o seu movimento de apoio vai desfazer-se no dia seguinte às eleições e que não irá “patrocinar partido político a partir de Belém nenhum”. “Isso seria misturar o que não quero misturar”, aponta. “Os partidos são essenciais para democracia, não quero mexer nesse processo, senão concorria a primeiro-ministro”.

Ao contrário de Marcelo, Gouveia e Melo não quer ser um Presidente que “comenta futebol”

Supondo-se eleito, Gouveia e Melo afirma que terá como postura ser “um Presidente que quando fala, fala sobre assuntos importantes e com substância”. Assumindo um estilo claramente distinto do de Marcelo Rebelo de Sousa, o ex-Almirante diz que não quer ser “um Presidente que comenta futebol, que faz uma data de coisas que desvalorizam a palavra da presidência”.

“O maior poder que o Presidente tem é a palavra e a influência que esta tem na vida da sociedade”, continua, considerando que este “tem de ser contido, não pode desgastá-lo usando-o de forma errática e sem sentido”.

No entanto, Gouveia e Melo concedeu que Marcelo Rebelo de Sousa fez “uma aproximação à população e esta retribuiu”, pelo que quer ter um estilo semelhante de proximidade em que evite o isolamento em Belém. “Claro que andarei pelo país. O presidente tem necessidade de estar em contacto com a população porque senão fica isolado numa redoma e passa a ser governado pela corte à volta dele”, advertiu.

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Almirante critica adversários: “Dizem ter uma grande experiência política, mas depois negam ser políticos”

Sobre as críticas de que, tendo dedicado a maior parte da sua vida ao exercício da carreira militar, Gouveia e Melo não tem experiência política, o ex-Almirante corrigiu para dizer que na verdade não tem “experiência político-partidária”.

“Dizer que eu não tenho carreira política é não conhecerem o que é uma carreira militar”, atirou, recordando a necessidade de capacidade negocial no ramo.

“Fui responsável por uma das áreas mais complexas do Estado que é a Marinha. E a vacinação, além de um processo logístico, foi um processo político”, continuou, rejeitando que tenha sido apenas sido condução logística. “Os meus adversários podem dizer o que quiserem, eu gostaria de os ver lá”, disse.

Recorrendo depois à ironia, Gouveia e Melo perguntou onde está “a escola para a presidência”, porque “pelos vistos, os outros dois candidatos frequentaram essa escola”, afirmou, referindo-se a Luís Marques Mendes e a António José Seguro

“Os meus dois adversários dizem ter uma grande experiência política, mas depois negam ser políticos”, caracterizando Seguro como alguém que “diz que foi político mas teve 10 anos fora e agora é super independente” e Marques Mendes como quem quis “entregar o cartão do partido”.

“No entanto, são verdadeiramente fruto de um sistema político-partidário”, apontou, lembrando que este não deve ter um papel nas presidenciais. “O sistema não é um clube fechado, eu sei que incomodo muita gente que está nesse clube e que acha que entrei sem pagar as quotas. Quem vai fazer esse julgamento no fim é a população portuguesa”.

Ainda no que toca às críticas que lhe são apontadas, outra das mais comuns é de que tem alimentado um certo messianismo à volta da sua figura, de que apresenta um porte de homem providencial face aos eleitores que desconfiam dos políticos tradicionais.

A esse respeito, Gouveia e Melo arriscou uma analogia económica, dizendo que é uma questão “de oferta e de procura”. “Há uma nova procura, as pessoas estão ansiosas por novas coisas, mas a oferta é a antiga, andam a tentar encontrar essa procura com uma oferta desfasada”, critica.

O ex-almirante apontou então baterias novamente ao “sistema político-partidário”, que disse estar “completamente desfasado dos novos problemas e das novas preocupações da população”. “A democracia não é a população? Não é o serviço ao povo e à comunidade. Que ouçam a comunidade em vez de me chamar de salvador de isto e daquilo”, criticou, acusando os concorrentes de “quererem requentar um processo quando o mundo está em mudança fortíssima”.

“Dizer que a população está ansiosa por um Dom Sebastião, é dizer que não sabe o que faz, que é infantilizada. Eu não vou por aí. A população sabe muito bem o que quer”, concluiu.

Quanto à ideia sugerida por Marques Mendes de que a sua eleição poderia representar um risco para a democracia, respondeu apenas assim: “só me dá vontade de rir”.

Gouveia e Melo revelou que ainda que foi ele que convidou o ex-presidente do PSD ara mandatário nacional da sua campanha, mas não com o intuito de dividir o eleitorado social-democrata, ainda que conceda que tem “esse efeito colateral”.

“Rui Rio foi um político verdadeiramente do centro”, aponta, registando como “ato elevado de dignidade” quando propôs a António Costa quando este era primeiro-ministro “fazer uma reforma do Estado e que estaria disponível na oposição para fazê-la”. Por essa razão e por estima pessoal, o ex-Almirante disse que tem “grande consideração” por Rui Rio, adiantando ainda que a sua experiência político-partidária “pode ser muito útil”.

“Não podemos ter duas sociedades” em Portugal, diz sobre a imigração

Os casos mais recentes da atualidade política e social do país não ficaram à margem da entrevista e, sobre a questão da imigração em Portugal, Gouveia e Melo considerou que o processo “não foi bem gerido”. “Não se deu a suficiente atenção ao processo de integração e hoje começamos a ter duas comunidades que, de alguma forma, sentem diferença uma da outra”, começou por dizer, deixando um alerta: “Temos de ter cuidado para não criarmos guetos na sociedade portuguesa, não podemos ter duas sociedades.”

No seu entender, é preciso ter cuidado ao admitir estrangeiros para que “não tragam intolerâncias para a nossa sociedade tolerante”, já que “não são compatíveis com os nossos valores humanitários e civilizacionais. “Não é obrigar as outras sociedades a ter os nossos valores, mas quem vive connosco tem de, no mínimo, respeitar as nossas leis”, apontou.

No entanto, face à questão de, por exemplo, proceder à expulsão de imigrantes, o candidato lembrou os “problemas jurídicos e humanitários muito complexos”. “Não gostaria de ver uma solução tipo ICE, americana, aplicada no nosso território”, frisou, acrescentando, porém: “Não podemos deixar que o problema se agrave. Não queremos trazer pessoas que ficam fragilizadas e são escravizadas na nossa sociedade”.

No que toca aos ataque recentes por parte de elementos da extrema-direita ao ator Adérito Lopes à porta do Teatro da Barraca e do desmantelamento do Movimento Armilar Lusitano, Gouveia e Melo diz-se muito preocupado com o crescimento da violência política. “Vejo de forma muito preocupante, deve merecer a nossa maior atenção. Devemos combater esse foco e evitar que se alastre, porque são grupos verdadeiramente perigosos. O ódio não deve pertencer a uma sociedade democrática. Devemos agir de acordo com as leis de forma exemplar porque isso evita a propagação desses movimentos.”

Já quanto à possibilidade de mudanças no direito à greve, o almirante, relembrando que o mesmo “está constitucionalmente protegido e é um direito essencial dos trabalhadores”, defendeu que “às vezes envolvem-se mecanismos corporativos que podem afetar o interesse geral”, dando como exemplos greves do transporte de combustíveis ou dos portos.

No seu entender, a greve dos transportes que motivou o Governo a colocar o tema na agenda, contudo, é “menos grave”. “Temos de medir as coisas que prejudicam verdadeiramente o coletivo, se os interesses que estão em jogo se devem sobrepor ao interesse coletivo”, apontou, considerando existir “fronteira móvel em função da situação no momento”.

Para o candidato presidencial, a lei da greve deve ser flexibilizada para “jogar com essa fronteira em função do que está em jogo, com o cuidado que essa fronteira não passe a ser instrumental para que os trabalhadores percam direitos”. Gouveia e Melo disse ainda que o que está em causa não é uma dicotomia entre “o interesse dos trabalhadores” e “o interesse das empresas”, mas sim “o interesse coletivo”.

“Se formos atacados, vamos ter de fazer a nossa parte”

Confrontado com as declarações que fez ao Diário de Notícias em 2024 — quando disse “se a Europa for atacada e a NATO nos exigir, vamos morrer onde tivermos de morrer para a defender” —, Gouveia e Melo defendeu-se sugerindo que “dizer o contrário é verdadeiramente demagógico, é fugir à realidade”.

“Nós estamos numa aliança em que a nossa defesa é coletiva e temos compromissos. Não podemos pensar que só os outros é que morrem por nós. Se formos atacados, vamos ter de fazer a nossa parte”, alertou, dando como exemplo os tratados de defesa que Portugal subscreve.

Não respeitar esses tratados — como o da NATO — implica “passarmos a estar isolados a defender-nos sozinhos”, o que é “uma situação muito mais perigosa”, conclui.

“Na maior parte das vezes, votei no vencedor das eleições”

No decurso da entrevista, Henrique Gouveia e Melo foi instado a definir-se, considerando essa “uma pergunta difícil de responder”, porque as pessoas são “a mistura de muitas coisas”.

“Sou um cidadão português, que gosta imenso de Portugal, que passou 45 anos dedicado ao Estado e aos interesses do Estado e da Constituição. Agora que saí das Forças Armadas, e como cidadão normal, continuo a sentir essa vontade e essa pulsão de servir a população portuguesa”, descreveu, afirmando que decidiu “entrar na vida política e fazer um contributo cívico nessa área”.

Para tal, define como alguns dos seus valores fundamentais a “a liderança pelo exemplo” e “a integridade”. “Quando não somos íntegros, deixamos de ser vistos pelos nossos camaradas e pelas pessoas que andam connosco como não sendo genuínos”, afirmou, adiantando ainda que não gosta de facilidades, que prefere “o caminho das pedras e do arame farpado” ao “caminho das alcatifas”.

Não costuma ir à Igreja, mas é “católico e profundamente cristão” , e garante que nunca pertenceu à Maçonaria. Sobre a vida como eleitor, confessou: “Às vezes votei PS, outras vezes votei PSD”. “Na maior parte das vezes, votei no vencedor das eleições”, acrescentou com um ligeiro sorriso.

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