sol.sapo.pt - 19 jun. 08:30
Coleccionadoras. “São o perpetuar da maternidade. O encanto perdido no tempo”
Coleccionadoras. “São o perpetuar da maternidade. O encanto perdido no tempo”
Fernanda, Maria e Margarida são apaixonadas pelos seus bonecos reborn. Apesar de garantirem não os tratarem como bebés reais, as três admitem que estes lhes trazem paz e que são uma coisa apenas sua
Na internet, em particular no TikTok, têm-se multiplicado as partilhas principalmente de mulheres que colecionam este tipo de bonecos. As contam das usuárias são sobretudo do Brasil e dos EUA, mas o fenómeno já chegou a Portugal há anos. Para muitos, parece difícil compreender de onde vem este interesse e paixão já que, por norma, associamos as bonecas às brincadeiras das crianças. No entanto, esta “atividade” tem conquistado pessoas de todas as idades e, cada boneca, pode ser um investimento.
Um passatempo
Fernanda tem 57 anos, é portuguesa e professora do 2.° e 3.° ciclo. Durante a pandemia, “com tanto tempo livre”, foi vendo vídeos de artistas pintoras destes bonecos e outros de colecionadoras. “Fiquei fascinada com a perfeição, com os pormenores (veias, diferentes tonalidades de pele e, sobretudo, o cabelo implantado)”, conta ao i. “Aprendi que se começa de um kit em branco, que existem centenas diferentes esculpidos por dezenas de artistas. Depois, vem a artista pintora que vai dar ‘vida’ àquela ‘tela’ em branco. O produto final é sempre diferente, é único, tal como qualquer outra obra de arte”, partilha. Apesar de ser casada e de ter duas filhas já adultas, “aquela nostalgia do tempo em que as meninas eram bebés bate sempre em quase todas as mulheres”. “Ao ver aqueles bonecos tão realistas, surge sempre um sorriso”, revela.
Atualmente tem quatro bebés reborn, todos pintados pela Carolina ( ver págs. 2-5). “Descobri-a online e fiquei muito contente por saber que vivia em Portugal, pois os conteúdos que assistia no Youtube eram sempre de artistas ou colecionadoras estrangeiras (dos EUA, do Brasil, do Reino Unido ou de França). Nem sabia, se em Portugal, alguém conhecia a arte”, lembra. Comprou o primeiro boneco em finais de 2021. “Atendendo a que se tratava de um envio dentro de Portugal, estava mais segura quer ao pagar, quer ao receber a encomenda. Queria mesmo ter uma peça de arte reborn”, refere. Depois do primeiro, viu um kit pelo qual se apaixonou (neste momento, já foi descontinuado, logo, tornou-se mais valioso) e pensou: “Quem tem um, pode ter dois”. Apesar de já ter alguns, não se considera uma “verdadeira colecionadora”.
Tenta sempre adquirir bonecos com características diferentes: tem um bem pequeno, do tamanho de um recém-nascido; outro com o tamanho de um bebé com cerca de três meses; um com cerca de 6/ 9 meses e um com olhos fechados. Todos com cabelos diferentes. “Dois tem características de menina, dois com características de menino”, detalha.
Cada vez que pensou em comprar um boneco, fez um “mealheiro” para tal. Perguntava à Carolina qual o valor final e, quando tinha a quantia, fazia a encomenda. O valor total gasto nos quatro bonecos reborn ronda os 1400 ou 1500 euros”, confidencia. O boneco mais caro foi o que tem o tamanho maior (cerca de 65 cm) e custou-lhe 450 euros em julho de 2022.
É a arte em si que mais a fascina, a sua aproximação da realidade, os detalhes. “Alguns parecem ir pestanejar a qualquer momento. Por outro lado, descobri que ter um ao colo ou estar apenas perto de um, acalma, traz paz interior. Já me aconteceu estar bastante cansada e nervosa, no final do dia e pegar num boneco e sentir-me melhor”, admite.
A maior parte do tempo, os seus bonecos “estão protegidos”. De vez em quando, Margarida escolhe um, tira-lhe algum pó que possa ter com um pincel suave, penteia-o e coloca um pouco de amaciador diluído com água no cabelo. É pelo de cabra angorá e precisa de ser nutrido, senão perde o brilho e quebra”, explica. E muda-lhe a roupa (adquiriu algumas peças em segunda mão). “Sou franca, acho engraçado colocar uma roupa diferente aquando das festas ou da mudança de estação (com a qual ficará, meses a fio, até eu ter disponibilidade outra vez.). Não, não mudo fralda, nem dou biberão. Também não saio de casa com os bonecos. Para além de serem frágeis, é um passatempo só meu”, afirma.
“A minha mãe com 87 anos gosta muito de um deles e, quando vem visitar-me, pede-me para ir buscar o ‘neto’ que se porta sempre bem. Fala com ele, na brincadeira, mas tem perfeita noção de que se trata de um boneco”, revela. “O meu marido aceita o meu passatempo. Já as minhas filhas não gostam nada, mas respeitam. Apesar de os meus amigos saberem do meu passatempo, infelizmente, muitas pessoas não o compreendem”.
Fernanda acredita que já “fechou a loja”. “Não pretendo ser uma grande colecionadora. Já tenho a minha amostra. Quanto mais bonecos se tem, mais cuidados requerem. É preciso ter muita disponibilidade (e dinheiro). Neste momento, estou satisfeita com os que tenho. Mas… nunca se sabe. Pode aparecer uma pérola rara que prenda a atenção”, brinca.
Uma grande colecionadora
Maria tem 72 anos, é portuguesa, reformada e coleciona bebés reborn desde 2016. Neste momento, tem mais de 10. “O detalhe de alguns é de tal forma que se confundem com os reais”, refere. Tem um cuidado especial em escolher o artista e descobriu Carolina que, na sua opinião, “os faz na perfeição”. “Claro que são um pouco caros, mas como não tenho vícios de qualquer espécie, retiro sempre uma pequena quantia mensal e, quando chego ao valor pretendido, lá me tento a comprar um”.
Estes bebés, diz, são “o perpetuar da maternidade”. “O encanto perdido no tempo”, explica. “Adoro bebés e recém-nascidos, período que passa depressa”, acrescenta. Um dos seus hobbies é fazer roupas em tricô e a coleção começou porque queria expor os seus trabalhos e precisava de um manequim. “Encantei-me e ganhei o gosto”, admite. “Tenho de todo o tipo: carequinhas; com cabelo; uns de olhinhos fechados; outros de olhos abertos”, confidencia. “Não os trato nem brinco como se fossem bebés reais… Apenas gosto de os ter, trocar fotos com muitas amigas no estrangeiro amantes desta arte e de os fazer de manequins para alguns trabalhos que faço”, garante Maria.
Normalmente pesquisa sempre as escultoras, escolhe o kit que mais lhe agrada e depois encaminha para a artista à sua escolha. “Artistas que são difíceis de encontrar em Portugal com a qualidade desejada”, lamenta. Mas teve “a sorte” de encontrar duas, ambas de nacionalidade brasileira.
Neste momento, acredita que não vai aumentar a coleção. Mas o desinteresse pelos bonecos, “está fora de questão”. “Sou apaixonada. Procurei desde o início pelos que mais se parecessem a recém-nascidos e foi nessa procura que cheguei a ter tantos. Até que a última saciou o meu desejo”.
Um lugar de paz
Margarida só conheceu estes bebés no ano passado, mas depressa se apaixonou por eles e começou a sua coleção. Tem 25 anos, é portuguesa, auxiliar de infância e, aquilo que a cativou foi precisamente o realismo, “a perfeição da arte e da escultura”. “Parecem mesmo bebés recém-nascidos”, frisa.
Tem 8 bebés reborn e mais duas reservadas. “A primeira bebé foi o kit Valentina, feito pela Carolina. Vi no seu Instagram as fotografias dessa bebé e fiquei completamente encantada”, partilha, revelando já ter gasto mais de dois mil euros nestes bonecos. A mais cara que comprou custou-lhe 470 euros.
Considera os bonecos “um anti-stress maravilhoso”. “Elas são como filhas para mim. Não brinco com elas, mas estão num móvel só delas e não deixo ninguém lá tocar ou mexer”, admite. “As bebés dão-me paz e amor. Todos os problemas do mundo desaparecem ao pegar ao colo uma, ou vestir-lhe a roupinha”, acrescenta, adiantando que tem várias mudas de roupa para cada uma delas.
Margarida pede sempre para produzir bonecas loiras, de pele branca e olhos verdes. “Com a ajuda da Carolina, escolho sempre os kits mais realistas e mais pequenos (eu amo os prematuros), depois a Carolina faz a sua magia e dá-lhes vida”, afirma, revelando que vai continuar a comprar. “Acho que vou sempre amar. A escolha desta coleção e da minha profissão é pelo amor que sinto pelos bebés. Mesmo que estes não tenham vida, eu trato deles como se tivessem”, remata.