Fábio Pimentel - 19 jun. 07:15
Golden Golpe
Golden Golpe
O Golden Visa português é um dos mais sofisticados contos do vigário da história moderna.
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Em agosto de 1971, o presidente francês Georges Pompidou enviou um navio de guerra para Nova York com uma missão específica: retirar as reservas de ouro da França armazenadas na Federal Reserve americano. Os franceses desconfiavam que os Estados Unidos não conseguiriam honrar seus compromissos de conversibilidade do dólar em ouro. Pompidou estava certo: três dias depois da operação francesa, Nixon suspendeu o padrão-ouro, admitindo que o país não tinha reservas suficientes. A França protegeu seus investimentos com diplomacia coercitiva e salvou bilhões.
Meio século depois, Portugal criou o anti-Pompidou: um sistema desenhado não para proteger investimentos, mas para confiscá-los via incompetência burocrática. Não precisa de lábia na rua ou cartas falsas pelo correio. Basta um site oficial do governo, brasões da República e a promessa de residência europeia em troca de meio milhão de euros.
A fila de espera da AIMA tem 50 mil investidores e familiares, alguns há três anos ou mais. Todos caíram no mesmo conto: acreditaram que o Estado português cumpriria sua própria lei de 90 dias para análise. O que receberam? O mesmo que vítimas clássicas do vigário: promessas vazias, desculpas criativas e a certeza de que foram magistralmente enganados.
O programa do novo governo português, divulgado esta semana, confessa publicamente a dimensão do fiasco. O documento reconhece "uma imigração sem critério ou controle", critica "a catastrófica extinção do SEF" e "o acumular de mais de 1 milhão de processos pendentes". O número de estrangeiros quadruplicou em 7 anos: de 421 mil em 2017 para 1,6 milhão em 2024. O governo admite ter criado "um dos maiores choques demográficos da história do país, sem que o Estado, os serviços públicos e a sociedade se tivessem preparado". Traduzindo: montaram o maior conto do vigário da Europa, sem nem fingir que tinham estrutura.
Enquanto Portugal transforma imigrantes investidores em inimigos do Estado, os vizinhos mostram como se faz. O Golden Visa espanhol demora 1 a 2 meses. Na Grécia, leva 2 a 3 meses. Ironicamente, Portugal ganhou o prêmio de "melhor programa de residência" da consultora Henley & Partners em 2024, no mesmo ano em que 50 processos judiciais eram protocolados diariamente contra o governo por atrasos.
A AIMA acumula mais de 400 mil pedidos, sendo que os Golden Visa são considerados "menor prioridade". Quem pagou mais fica por último. É o VIP às avessas da burocracia lusa. Entre as 42 medidas governamentais anunciadas para resolver a "incapacidade operacional" estão promessas de reforçar a AIMA e implementar novos sistemas. É o equivalente a contratar mais gente para resolver o problema criado ao demitir gente, reação típica de um Estado entrópico e tecnocrata.
O programa Golden Visa arrecadou mais de 7 bilhões de euros desde 2012, concedendo 12.718 autorizações a investidores. A diferença entre Pompidou e Portugal é brutal: os franceses mandaram um navio de guerra para buscar seu ouro quando desconfiaram dos americanos. Muitos investidores estrangeiros entregaram voluntariamente meio milhão de euros cada um à economia portuguesa e anos depois continuam esperando. Em 1971, a França forçou os EUA a admitirem insuficiência de reservas. Em 2025, Portugal despreza 50 mil investidores que oxigenam e capitalizam a economia.
O governo precisa parar de fingir que mais uma "estrutura de missão" resolverá anos de estelionato institucional. Caso contrário, Portugal continuará sendo um país onde "Golden Visa" tornou-se uma estratégia anti-imigração. Pompidou enviou um navio para defender interesses franceses; Portugal criou a AIMA para fazer exatamente o contrário.
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