publico@publico.pt - 19 jun. 08:00
Um apelo ao transporte marítimo
Um apelo ao transporte marítimo
Portugal tem aqui também um papel a desempenhar. A DGRM pode e deve assumir uma posição forte, proibindo tão depressa quanto possível descargas nas águas sob a sua jurisdição.
“O oceano é fundamental para a vida no nosso planeta e para o nosso futuro.” Esta frase constava da declaração política da Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos, realizada em Lisboa em 2022. Três anos depois, em Nice, os líderes mundiais repetiram a mesma mensagem. No entanto, em sectores como o transporte marítimo, as ações concretas para proteger os oceanos continuam a ser manifestamente insuficientes.
Um dos exemplos mais evidentes são os chamados “scrubbers” (depuradores) – sistemas instalados nos navios para reduzir as emissões de enxofre provenientes da queima de combustíveis fósseis como o fuelóleo pesado (HFO). Embora cumpram esse objetivo, criam um problema: os poluentes removidos são transferidos para o oceano sob a forma de águas residuais contaminadas com enxofre, metais pesados e hidrocarbonetos tóxicos. Estes resíduos são frequentemente descarregados no mar, contribuindo para a acidificação, a degradação dos ecossistemas e potenciais riscos para a saúde humana.
Na verdade, a instalação de depuradores permite aos navios contornarem a regulamentação internacional e continuar a utilizar o combustível fóssil mais barato e mais poluente disponível – o fuelóleo pesado (HFO). Quando queimado, causa danos duradouros à atmosfera do planeta e, com altas emissões de carbono negro, também contribui para o rápido derretimento do gelo marinho do Ártico quando emitido por navios que lá navegam.
O tipo mais comum de depuradores “limpa” os gases de escape utilizando água do mar ou uma solução química para lavar os gases de escape, reduzindo assim os óxidos de enxofre emitidos para a atmosfera. Porém, tal resulta em águas residuais ácidas, que não só contêm as partículas de enxofre, mas também uma série de outros produtos químicos nocivos, incluindo metais pesados e hidrocarbonetos poliaromáticos (HAP), que são descarregados no oceano. Aí, estes poluentes estão disponíveis para os animais planctónicos e filtradores e podem acumular-se na cadeia alimentar, acabando por chegar ao topo da cadeia − incluindo a nós.
Cientistas e organizações não-governamentais alertam há muito que mesmo pequenas quantidades desses resíduos tóxicos no oceano têm um grande impacto na vida humana e marinha, com potencial para perturbar ecossistemas inteiros, alterando os níveis de pH através da acidificação e causando estragos nas comunidades costeiras e ameaçando a sua dependência de um oceano saudável.
Em 2023, já 45 países tinham adotado 90 medidas para proibir ou restringir descargas de “scrubbers” nos seus portos ou zonas marítimas e os números continuam a aumentar.
A opção certa, desde já, é os navios usarem combustíveis com baixo teor de enxofre (combustíveis destilados), não necessitando de o retirar através de quaisquer equipamentos. Tal deve ser complementado com alternativas tecnológicas viáveis como sejam ligar os navios a eletricidade proveniente de fontes renováveis enquanto estão atracados, recorrer à propulsão eólica, integrar sistemas de baterias e, acima de tudo, transitar para combustíveis com zero emissões. Desta forma podemos zarpar rumo a um transporte marítimo mais limpo, deixando os depuradores nos livros de história.
Portugal tem aqui também um papel a desempenhar. A Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM), através do Grupo de Trabalho para o Plano de Ação para Combater a Acidificação do Oceano (PACAO), criado em 2025, pode e deve assumir uma posição forte, proibindo tão depressa quanto possível descargas nas águas sob a sua jurisdição.
No próximo dia 26 de junho de 2025, em Vigo, durante a reunião ministerial da OSPAR, a Convenção para a Proteção do Meio Marinho do Atlântico Nordeste, espera-se uma demonstração de liderança. A proibição da descarga de águas residuais provenientes de “scrubbers” seria um passo essencial para proteger os ecossistemas marinhos e responder com seriedade à crise climática.
Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico