observador.ptobservador.pt - 8 jul. 15:31

Sardine Girl Summer. Das carteiras de luxo aos vestidos na Shein, a tendência estética que dominou as redes sociais

Sardine Girl Summer. Das carteiras de luxo aos vestidos na Shein, a tendência estética que dominou as redes sociais

A estética visual das latas de sardinhas e o formato do peixe têm sido usados para decorar peças de roupas, acessórios e artigos para a casa, e é a nova febre de lifestyle nos EUA.

Uma carteira bordada da Staud que custa 340 euros tornou-se numa verdadeira febre online no último mês. A “Staudines” simula uma lata de sardinhas e é o item mais viral de uma trend que ocupou o TikTok ao longo do mês de junho nos Estados Unidos. Todas querem ser Sardine Girl Summer. As buscas pelo termo “carteira de sardinha com missangas” (em inglês) subiu repentinamente no Google entre maio e junho, registando um aumento de 300% nas pesquisas, com destaque para os EUA, o Canadá e a Austrália. Junto com a peça de luxo, vieram as imitações — que as tiktokers têm procurado nas prateleiras de lojas de departamento como a TJ Maxx — e também as inspirações sardinecore. No site chinês Shein há uma coleção inteira de vestidos, jumpsuits, saias e tops com motivos de sardinhas em tons de vermelho e azul. Marcas de roupas populares, como Zara, Springfield e Pull&Bear também têm as suas versões de T-Shirts com desenhos de latas. A guru de lifestyle norte-americana Martha Stewart juntou no seu site uma lista de pratos, toalhas, velas e outros artigos para a casa, antecipando o que “será o verão das sardinhas”. Mas afinal, o que justifica a tendência?

“Há um esforço de alguns influencers ou de algumas empresas que estão a começar a importar sardinhas e embalagens portuguesas, também para puxar por esse mercado. Um exemplo é a Martha Stewart. A trend é tão grande que chega às tatuagens, também de sardinhas”, comenta Victor Vicente, criador do maior acervo digital relacionado com a história das conservas em Portugal. “Isso foi um trabalho que começou há cerca de 10 anos. Sou designer de formação e despertou-me este interesse pela imagética, sobretudo das latas antigas. E o que começou com uma brincadeira foi se tornando um projeto cada vez maior. Eu e a minha mulher andamos sempre à procura de coisas relacionadas com a indústria”, explica o designer, que colaborou com o historiador Francisco Henriques, curador da exposição “O Milagre da Sardinha”, que fica até 30 de dezembro no Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa. “Nos últimos 100 anos, pelo menos em Portugal, houve uma forte expansão da indústria de conservas de peixe. E, por exemplo, foi uma das primeiras indústrias a ter publicidade e design muito inovador. Inclusive alguns dos principais artistas portugueses do século XX eram contratados pelas empresas conserveiras para desenharem os seus cartazes, os seus anúncios publicitários”, diz Francisco, que é também professor convidado na NOVA SBE. “Quando vemos, por exemplo, os anúncios de 1920 ou de 1930, também revelam um pouco essa fantasia que hoje parece que está a ser recuperada”, considera o investigador.

“A indústria conserveira em Portugal nasceu em 1854. Houve dois portugueses em Setúbal, um era o Manuel José Neto e o outro chamava-se Feliciano António da Rocha. E aparece uma referência que eles fizeram uma pequena fábrica, um barracão onde fizeram as primeiras conservas com o método appert. E sabe-se isto e também se sabe que eles depois se separaram e um deles, o Feliciano António da Rocha, ganhou uma menção honrosa na Exposição Universal de Paris de 1855“, explica Victor Vicente. Entretanto, o design das latas começou a ser mais apelativo no final do século XIX e início do século XX. “Era um produto que estava a tentar conquistar novos mercados, sobretudo na Europa, mais concretamente em França. Digamos que as conservas ainda eram um produto premium, ou gourmet, de um consumo até um pouco mais elitista. E vendiam uma imagem de maior fantasia. Por exemplo, vemos lá até o final do século XIX, onde aparecem as deusas Vénus, ou a deusa Cleópatra, por exemplo. Mas também outras figuras, no caso português, como as Varinas, que transportavam peixe e vendiam peixe nas ruas da cidade de Lisboa e de outros locais. E a representação também desses salões nobres, onde se consumiam as conservas como um aperitivo, quase um aperitivo de luxo“, diz Francisco Henriques.

@sydneypaigek been hearing a lot of buzz over this whole sardine girl summer… and this is my take ..obsessed with color, fishy accessories, stripes #styleinspo #summeroutfits #outfitinspo ♬ Love On - Selena Gomez

Luxo que se refletia também no marketing, com embalagens em cores fortes como o vermelho, o amarelo e o azul, e tipografia no estilo art noveau. “Esta foi uma indústria que se tornou líder mundial e era uma das principais exportações portuguesas. E, portanto, em comparação com outras indústrias, tinha aqui um certo poder económico, que permitia investir e patrocinar estas campanhas de design“, diz o historiador. O designer João Campos, que também faz investigação sobre a história das marcas portuguesas, destaca o material visual que tem origem na indústria conserveira. “Durante uma boa parte do século XX tinha uma riqueza fora do comum, porque foi muito pensada para a exportação. Enquanto o paradigma das marcas ainda estava muito numa lógica local, baseada no nome dos fundadores e na descrição da atividade; os conserveiros, influenciados certamente por fabricantes estrangeiros, nomeadamente os franceses ali para o lado de Setúbal e os espanhóis e italianos no sul de Portugal; começaram a desenvolver nas embalagens, um bocadinho intuitivamente, ilustrações para tentar chegar a mercados que não conheciam e não dominavam. Numa espécie de jogo de sorte. Ou seja, é muito curioso porque nós encontramos marcas portuguesas a apostarem na aproximação cultural e, portanto, usam ícones culturais dos mercados para onde se destinam. Temos sardinhas portuguesas a serem vendidas com embalagens a dizer Nova York, Paris, com Henrique VII ou VIII, portanto, com ícones dos mercados de destino.”

Já no século XXI as latas, ou as sardinhas, passaram a ser consideradas lembranças ou artigos de design. “Diria que isso é uma coisa que começou no princípio dos anos 2000. Teve muita influência nesse processo algumas marcas novas, como a Jose Gourmet, que começaram a tirar proveito da forma da sardinha e fazer umas embalagens mais gráficas, mais apelativas, até em termos quase de coleção. Sem dúvida que o trabalho da EGEAC com o Jorge Silva, da Silva Designers, que lançou o concurso de desenharem as sardinhas também passou a ter uma grande visibilidade. Eu diria que de 2010 para frente as conservas começaram a ser um produto turístico, começaram a serem vendidas quase como uma lembrança, uma recordação de Portugal”, diz Victor Vicente. Aliás, os vencedores dos últimos anos do Concurso de Sardinhas também estão na exposição no Padrão dos Descobrimentos, assim com artigos de arte, com explica Francisco Henriques. “Temos uma peça, por exemplo, que é uma taça, que foi feita pela Joana Vasconcelos, que é uma das artistas plásticas mais conhecidas hoje em dia em Portugal, com uma parceria com a fábrica Bordalo Pinheiro. Isso para dizer que não é só do lado do design, mas também da produção artística, penso que vamos continuar a ver novos símbolos, novas criações ligadas às sardinhas.”

Francisco também considera que a popularidade das sardinhas nas redes sociais pode estar relacionada com uma tendência à alimentação saudável entre os mais jovens. “Apesar de ser um produto processado, é muito saudável. São essencialmente peixe, azeite e sal. E é também muito fácil de transportar para todos os locais, e de grande duração.” Certo é que os vídeos no TikTok vão além dos artigos de moda e decoração, com muitas influencers a partilhar receitas para o verão que incluem sardinhas em lata. Uma refeição fácil, saudável e barata numa embalagem que representa o luxo e a estética cool. Afinal, ser uma sardine girl summer não é só sobre o que se veste.

@wildplanetfoods Sardine Girl Summer is here and we couldn’t be more excited that sardines are getting the attention they deserve. Wild Planet sardines have a delicious, mild flavor and are packed with essential nutrients such as protein, EPA & DHA Omega-3s, vitamin D, calcium and iron. Add them to your summer grocery list! #wildplanet #sardines #sardinegirlsummer #highprotein #healthyfood ♬ This Will Be - audios4you

Para João Campos, a Sardine Girl Summer também pode ajudar a promover o consumo das sardinhas, além de vender a imagem de Portugal no exterior. “Embora a indústria não seja originalmente portuguesa, temos uma longa história e muito curiosa, que acho que fica reafirmada com esta redescoberta da estética. E acho que marcas como, por exemplo, o Valor do Tempo (“The Fantastic World of The Portuguese Sardine”), portanto a loja de estéticos portugueses em Nova Iorque, é um exemplo, precisamente, do potencial que a indústria tem, não só no produto, mas alinhar o produto a uma simbologia, a uma lógica metafórica, que remete precisamente a esse passado com uma perspetiva económica.” O designer destaca ainda que, com a chegada das ferramentas de inteligência artificial, a exploração da estética da indústria conserveira pode ser interpretada como um movimento de procura por autenticidade. “Nós hoje vendemos o signo, a fantasia. Portanto, o marketing, a própria capacidade das marcas terem transformado, terem assumido um papel semiótico na rotina do público, faz com que essa dimensão estética, simbólica, metafórica, tenha mais valor.”

NewsItem [
pubDate=2025-07-08 16:31:03.0
, url=https://observador.pt/2025/07/08/sardine-girl-summer-das-carteiras-de-luxo-aos-vestidos-na-shein-a-tendencia-estetica-que-dominou-as-redes-sociais/
, host=observador.pt
, wordCount=1505
, contentCount=1
, socialActionCount=1
, slug=2025_07_08_1625328227_sardine-girl-summer-das-carteiras-de-luxo-aos-vestidos-na-shein-a-tendencia-estetica-que-dominou-as-redes-sociais
, topics=[moda, decoração, lifestyle]
, sections=[vida]
, score=0.000081]