observador.pt - 8 jul. 12:27
O Culto Modesto de Lourdes: o novo projeto que leva as receitas da "diva da gastronomia" de norte a sul de Portugal
O Culto Modesto de Lourdes: o novo projeto que leva as receitas da "diva da gastronomia" de norte a sul de Portugal
11 meses, 11 regiões e 800 receitas. É assim o novo projeto de Natalie Castro, focado no receituário de Maria de Lourdes. Deverá arrancar no final do ano e traz para a mesa a cozinha de antigamente.
É uma das figuras mais importantes na valorização e divulgação da cozinha tradicional portuguesa no século passado, com um legado que permanece: a “diva da gastronomia portuguesa”, como carinhosamente lhe chamavam. Três anos depois da morte, Maria de Lourdes Modesto vai ser agora recordada num projeto que, note-se, não é uma homenagem. Encabeçado por Natalie Castro, Paulo Pina, Nuno Alfaiate e Rodrigo Alfacinha, o Culto Modesto de Lourdes em Portugal deverá começar lá para o final do ano e percorrer o país.
Foi pela vontade de tirar Portugal do “ponto de encruzilhada” em que acreditam que está em termos gastronómicos que este grupo de amigos viu no livro “Cozinha Tradicional Portuguesa”, lançado em 1982, de Maria de Lourdes Modesto, a forma de trazer para cima da mesa aquilo que se fazia há uns anos. “Começ��mos a discutir como é que era a nossa cozinha e por onde é que a nossa cozinha está a caminhar e a necessidade que as pessoas têm de voltar um bocadinho às bases, fazer mais simples, respeitar mais o ingrediente, respeitar mais a localização, respeitar mais a produção”, explica Paulo Pina, um dos sócios. Foi em conjunto que chegaram a esta obra de Lourdes Modesto, que compila 800 receitas agrupadas por 11 regiões de Portugal. “Não é só um livro de culinária, é um livro que é um retrato muito fidedigno daquilo que era Portugal há 50 anos“, acrescenta.
A ideia inicial era fazer todas estas receitas que a gastrónoma revela no livro mas rapidamente escalou para o projeto que revelam agora ao Observador. Ao longo de 11 meses vão andar a “saltitar de região em região” — as 11 que dão nome aos capítulos do livro — a cozinhar as respetivas receitas. No final, fazem “um best-off, vamo-nos divertir”. Pela ordem em que surgem, vão dedicar cada mês a essa região com jantares, debates e conversas — onde serão abordadas questões económicas, sociais, culturais, locais, de produção —, um podcast com episódios dedicados a cada zona por onde passarem e uma fanzine “focada naquilo que é o património cultural” das mesmas. “Vamos integrar essas fanzines todas e fazer um livro no fim”, revela Paulo Pina.
“Criamos aqui esta ligação entre Portugal a comunicar-se com ele todo, não é? Não tanto descentralizar, mas ir para as regiões, ou não tanto trazer as regiões até a Lisboa, mas um bocadinho termos as regiões a falarem um bocadinho com elas próprias”, complementa Natalie Castro, a antiga chef do Isco, em Alvalade. É a própria que vai por mãos ao trabalho e recriar aqueles tradicionais pratos de Lourdes Modesto. Vai ser um desafio, afirma, pela falta de indicações que a autora daquele livro deixa em algumas das receitas. “É ‘vá pondo’ e ‘vá fazendo'”, diz-nos Natalie, acrescentando que, no entanto, também é assim: “Sou aquela que dificilmente segue uma receita, é tudo a olho, por intuição. Portanto, isto vai ser muito engraçado e vai ser muito desafiante, porque eu quero mesmo seguir as receitas tal e qual estão ali, lá está, aquilo que nós conseguirmos, obviamente”, explica.
Um dos desafios vai ser mesmo esse: conseguir recriá-las como estão escritas e, para tal, procurar ingredientes que há 50 anos eram fáceis de encontrar e que agora lutam por existir. “A parte engraçada do projeto é precisamente esta também, fazer esta procura e este levantamento e tentarmos perceber coisas que se calhar achávamos que já não existiam e que determinada pessoa ainda consegue, e percebermos o processo e porque é que já não se faz. Porque há muita coisa e há muitas receitas da Maria de Lourdes que não se fazem hoje em dia por um motivo válido”, explica Natalie, complementada pelo sócio e amigo: “Queremos assumir que estamos em 2025, estamos a fazer as receitas, não vou fazer isto em fornos de pedra, em cozinhas de pedra, não vai acontecer porque não é essa a ideia”.
Com o apoio do Turismo de Portugal, estes jantares vão acontecer obrigatoriamente em cada uma das regiões — às vezes com mais algumas mãos à mistura —, em restaurantes ou nas casas dos produtores, e vão receber no máximo 40 pessoas, para que possam “potenciar a conversa e o diálogo”. “Também não queremos fazer uma coisa demasiado high-end. Quero que as pessoas de lá possam ir e se esticar o valor vou limitar não sei quantas pessoas”, explica Paulo, até porque “estamos a falar da comida de Maria de Lourdes, é a nossa comida popular“.