publico.pt - 8 jul. 18:12
“A Amazônia tem pressa e precisa de capital de impacto”, diz Ilan Goldfajn
“A Amazônia tem pressa e precisa de capital de impacto”, diz Ilan Goldfajn
Em Lisboa, presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento defende ação imediata para financiar a Amazônia e afirma que a América Latina tem papel estratégico na nova ordem mundial.
Os artigos da equipa do PÚBLICO Brasil são escritos na variante da língua portuguesa usada no Brasil.
Acesso gratuito: descarregue a aplicação PÚBLICO Brasil em Android ou iOS.
O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) elegeu a Amazônia como região estratégica para investimentos. Não por acaso, a instituição anunciou, ao lado do Banco Mundial, o lançamento de uma plataforma destinada a atrair capital privado para projetos sustentáveis que contemplem a maior floresta tropical do planeta. Segundo o presidente da instituição, Ilan Goldfajn, que esteve no Fórum de Lisboa, na semana passada, é urgente transformar compromissos climáticos em ações concretas. E reforçou que o financiamento sustentável pode — e deve — ser um motor de desenvolvimento para as comunidades locais.
“A Amazônia precisa de capital com impacto. Com padrões robustos, conseguimos garantir que cada dólar investido resulte em floresta preservada, biodiversidade protegida e qualidade de vida para os que vivem ali”, afirmou, em entrevista exclusiva ao PÚBLICO Brasil. O economista, que já comandou o Banco Central brasileiro, sublinhou que o objetivo não é apenas proteger o bioma, mas gerar oportunidades e fortalecer economias regionais: “Não se trata apenas de desmatamento zero, mas de inclusão social, de alternativas econômicas concretas, de resiliência”.
A nova plataforma foi concebida a partir das Diretrizes para Emissão de Títulos da Amazônia, publicadas em conjunto pelo BID e o Banco Mundial. Trata-se de um marco inédito que define regras claras para o uso de recursos, critérios de transparência e métricas de impacto. O programa prevê a emissão de até US$ 1 bilhão em Títulos da Amazônia pelo BID, voltados para financiar projetos que conciliem conservação ambiental e impacto socioeconômico.
De Sevilha a BelémCom financiamento técnico do governo da Alemanha, todas as emissões serão monitoradas pela Plataforma de Transparência de Títulos Verdes, uma ferramenta pública criada e mantida pelo BID. A Espanha também entrou como parceira, com uma contribuição inicial de US$ 2 milhões, por meio da Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (AECID, com diretrizes e apoio técnico a futuros emissores.
Em articulação com a próxima COP30, a Cúpula do Clima, que ocorrerá em Belém do Pará em novembro próximo, o programa faz parte da plataforma Amazônia Sempre, do BID, e se alinha ao Amazônia Viva, do Banco Mundial — evidenciando uma nova etapa de coordenação multilateral em prol do bioma amazônico. “Estamos conectando Sevilha a Belém”, disse Goldfajn, “ligando os debates sobre financiamento do desenvolvimento à implementação de políticas que, de fato, chegam à ponta. A Amazônia tem pressa e, agora, tem um plano claro para captar recursos com responsabilidade”, frisou.
O presidente do BID afirmou que o atual cenário global, embora marcado por incertezas, abre uma “janela de cooperação inédita”. Na opinião dele, há uma maior vontade de cooperar. "É como se a ameaça ao sistema estivesse a unir os países. A América Latina e o Caribe querem voltar a dialogar e a estimular a integração regional", assinalou.
Goldfajn destacou que, hoje, o comércio inter-regional na América Latina representa apenas 15% das trocas entre os países da região, enquanto, na Europa, chega a 68% e, na Ásia, a 55%. "É preciso aproveitar o potencial do mercado latino-americano, que reúne mais de 660 milhões de pessoas e cerca de US$ 6 trilhões em PIB”, enfatizou. “A América Latina pode ser parte da solução para a crise climática, para a segurança alimentar, para a transição energética", complementou.
Riscos e vantagens competitivasO executivo reforçou o papel estratégico da América Latina no mundo atual: "Estão precisando de segurança energética. Onde tem os minerais críticos? Na América Latina. O mundo está com problema de segurança alimentar. Quem é o grande produtor de alimentos do mundo? Brasil, a América do Sul. O mundo está precisando de cadeias de valor seguras. América Latina é mais segura sob esse ponto de vista do que outros lugares. Então, creio que a América Latina pode fazer parte da solução".
O presidente do BID reconheceu, no entanto, que o potencial da região esbarra em desafios, como a violência e o crime organizado. “Ter oportunidade não significa que você vai conseguir aproveitá-la. É preciso trabalhar para criar condições propícias ao investimento. E uma delas é a segurança”, afirmou
Para enfrentar esse entrave, o BID lançou uma Aliança para Segurança, a Justiça e Desenvolvimento. “Os países nos disseram que, sem resolver a questão da segurança, não adianta falar em preservação da Amazônia ou em redução da pobreza. Por isso, criamos um programa com três pilares: social, institucional e financeiro. Estamos unindo países, instituições e recursos para enfrentar o problema de forma integrada”, explicou.
A primeira iniciativa, o projeto Mercador, já está em curso no Equador e outros estão em desenvolvimento. Goldfajn destacou ainda que alguns países da região gastam até 3% do PIB com segurança — mais do que em infraestrutura —, e que o BID está aumentando significativamente sua alocação de recursos nessa área, tanto com verbas próprias quanto mobilizando doadores.
A segurança, apontou, afeta não só o cotidiano das populações, mas também afasta investimentos. “O custo da violência é alto, mas o custo da ausência de investimento é ainda maior. E, para quebrar o crime organizado, tem que seguir o dinheiro. Nós vamos tentar tirar o oxigênio deles”, avisou.
Crescimento latinoSobre o crescimento econômico na América Latina, Goldfajn lembrou que, apesar de alguns países apresentarem melhor desempenho nos últimos anos, a média de crescimento segue baixa — o Brasil vem se expandindo a uma taxa média de 3% ao ano desde 2022. Para tornar esse quadro mais robusto, o presidente do BID defendeu investimentos em educação, infraestrutura e capital humano. “Crescimento gera emprego, e emprego melhora a qualidade de vida.”
O BID Invest, braço de financiamento do banco, dispõe atualmente de US$ 25 bilhões por ano para investimentos, carteira que pode chegar a US$ 38 bilhões nos próximos anos. O Brasil é o maior cliente da instituição. “Temos toda a capacidade de apoiar a transformação da América Latina, mas ela precisa fazer a sua parte”, afirmou.
Ao comentar o papel do Mercosul, Goldfajn considerou que o contexto atual de fragmentação global oferece uma janela de oportunidade única para acordos como o com a União Europeia. “Há muito tempo não tínhamos uma chance tão concreta. Com cooperação, é possível transformar as crises em oportunidades reais”, frisou.
Promo App PÚBLICO Brasil Uma app para os brasileiros que buscam informação. Fique Ligado!