observador.ptobservador.pt - 8 jul. 19:27

Operação Marquês. Os confrontos com a juíza no segundo dia do julgamento. As frases de José Sócrates esta terça-feira em tribunal

Operação Marquês. Os confrontos com a juíza no segundo dia do julgamento. As frases de José Sócrates esta terça-feira em tribunal

“Desculpe senhora juíza, mas não vou seguir a sua orientação”. Magistrada: "Sr. José Sócrates, vai seguir, sim, essa orientação". Julgamento marcado por bate-boca entre juíza e ex-primeiro-ministro.

O ex-primeiro-ministro é o primeiro arguido a prestar declarações no âmbito do julgamento da Operação Marquês, tendo logo no início frisado que desejaria fazer uso de uma “ampla defesa” e que iria abordar “todos os aspetos que dizem respeito ao processo”, pedindo para abordar as várias acusações a pender sobre si tema a tema.

O “bate-boca” com a juíza Susana Seca e os procuradores:

  • “Vai interromper-me, senhora juíza? Se não se importa, deixe-me acabar. Se a senhora juíza me permite, quero dirigir-me ao tribunal da forma que entendo. Vou utilizar aquela que acho mais conveniente para os meus propósitos”, afirmou, depois de a juíza pedir um esclarecimento.
  • “Já é a segunda vez que me interrompe. Estou disponível para responder a perguntas e estou a ser o mais sintético que posso. Achei relevante ler a declaração do Dr. Rui Medeiros, porque há muita gente que não a conhece. Tenho de invocar o que as pessoas disseram ao longo destes 10 anos”, atirou, em reação aos avisos da juíza para não continuar a citar depoimentos prestados noutras fases processuais.
  • “Desculpe, senhora juíza, mas não vou seguir a sua orientação”, avisou. A juíza respondeu: “Sr. José Sócrates, vai seguir, sim, essa orientação. Tenho de o advertir, as declarações são livres, mas têm regras. Estou a explicar como o tribunal funciona. Se for ler todos os depoimentos que foram prestados em instrução, não saímos daqui. A decisão está no processo. Não é necessário”.
  • “Eu estou no uso da palavra! Quer falar, pede à juíza. Quando eu quero falar, peço ao tribunal. Há duas partes e a juíza tem de tratar com equidade”, exclamou, quando o procurador Rui Real o interrompeu para aludir à eventual audição de uma escuta entre si e Ricardo Salgado.
  • “É o contrário do que a senhora juíza está a dizer. Só há incongruência para quem quer ver incongruência… nessa conversa só há grandeza”, atirou face aos considerações da juíza Susana Seca, que apontou uma “incongruência” entre o que Sócrates designou como “hostilidade” do BES ao seu Governo e a aparente familiaridade captada nas conversas entre o ex-primeiro-ministro e o Ricardo Salgado escutadas em tribunal.
  • “O que disse, mantenho. Tenho a ideia de que era o melhor banqueiro português, o mais competente. E por isso quis deixar uma palavra de consideração pessoal, apesar do momento difícil. A isso chama-se ter grandeza. De quem? Da minha parte”, respondeu Sócrates à juiza que lhe perguntou de quem era a grandeza
  • “Não sei se fez algum curso de gestão comportamental”, começou por dizer a juíza. Susana Seca reagia assim a Sócrates que disse que já tinha explicado o processo de spin-off das redes da PT na sequência da OPA da Sonae e que tinha ficado com a impressão de que juíza tinha percebido quando esta lhe colocou novas questões sobre o tema. “Todos aqui temos o mesmo nível de inteligência. Se eu estou a fazer a pergunta é porque tenho uma razão e muito menos vai fazer crer que tenho défice cognitivo. Portanto, não vai voltar a dizer que pensava que eu já tinha percebido. Isso é desrespeitoso para o tribunal. Não vai continuar com esse tom. Pode prosseguir as suas declarações, por isso, estou a fazer esta advertência. O tribunal está a respeitar o arguido e o arguido tem de respeitar o tribunal e o MP”.
  • Provavelmente a culpa foi minha”, admitiu José Sócrates. E acrescentou: “É um mau julgamento pretender que eu tinha intenção de a diminuir intelectualmente.”O antigo governante garantiu ainda que não se referiu de forma irónica ao Ministério Público. “Referi-me de forma critica”.
  • “Não me parece bem que faça sempre a defesa do Ministério Público”, continuou José Sócrates, com a juíza a responder que não está a fazê-lo. “Não percebo essa hostilidade que a senhora juíza tem para comigo”, completou o ex-primeiro-ministro.
  • “Não é hostilidade”, garantiu Susana Seca, acrescentando: “Estamos a precisar de uma pausa”.
  • “Pensei horrores de mim mesmo”, confessou Sócrates depois, por não ter explicado com clareza suficiente a questão da PT, quando a juíza lhe fez perguntas sobre os contactos com Zeinal Bava ou o uso da golden share do Estado.

O que disse sobre Ricardo Salgado e o Grupo Espírito Santo:

  • “É uma das mais extraordinárias fabricações do processo Marquês. É absolutamente espantoso que uma mentira dessas tenha feito caminho durante tantos anos. É um dos maiores exemplos do poder que resulta da aliança entre procuradores que inventam teses estapafúrdias e os jornalistas, que a divulgam”, criticou o ex-primeiro-ministro, quanto à sua alegada relação de amizade com Ricardo Salgado.
  • “Não era meu amigo, não era seu amigo, nunca fui ao seu gabinete, não tínhamos amigos em comum (…), não tinha o seu telefone nem sabia onde ele morava”, explicou, acrescentando que “sempre foi uma relação cerimoniosa, de respeito, entre alguém que liderava um banco e alguém que era primeiro-ministro”, garantiu Sócrates antes de se ouvir em tribunal várias escutas de telefonemas com Ricardo Salgado em que o tratava por “amigo” várias vezes enviando também cumprimentos à mulher do banqueiro: “Já não vejo a sua mulher há muito tempo”.
  • “Quero alegar em minha defesa que os depoimentos dos amigos de Ricardo Salgado são suficientes para perceber que eu não era seu amigo. Então se não seria um amigo social, seria um amigo político? Tenho de lembrar o tribunal que Ricardo Salgado (e a sua administração) apoiou Cavaco Silva para a Presidência. Financiou essa campanha. E não podem dizer que Cavaco Silva era meu aliado, estávamos em campos políticos distintos”.
  • “Liguei-lhe em novembro de 2013 para dar uma palavra de incentivo perante tudo o que estava a acontecer. Depois, em abril de 2014, Ricardo Salgado liga-me por engano. E tive a reação de quem não tinha o telefone. Destas conversas ficam patentes três coisas: não tinha o telefone de Ricardo Salgado; não sabia onde era a casa dele; (…) e nessa conversa ficou absolutamente evidente que tivemos uma divergência em relação à questão da Vivo”.

O que disse sobre a PT:

  • “É uma dupla acusação: manipulação direta do voto da Caixa Geral de Depósitos contra os interesses da Sonae e outra manipulação, que seria eventual dos representantes do Estado na assembleia da PT para, caso a Sonae tivesse sucesso na OPA, então usariam a golden share e chumbariam a OPA da Sonae”, afirmou, sobre o tema da OPA.
  • “A primeira pergunta é: onde é que estão as provas disso? Onde estão os dados, os indícios, que permitam a uma autoridade fazer esta imputação? Não existem. Vejo-me na condição referida pelo PGR: vou defender a minha inocência. Vou apresentar provas de que esta acusação é falsa”, referiu, acusando o Ministério Público de não ter provas dos factos que lhe são imputados.
  •  “Esta decisão de votar contra a OPA não é uma decisão pessoal, mas do conselho de administração. Este conjunto de pessoas discutiu e decidiu votar contra”, disse, referindo-se à Caixa Geral de Depósitos. “Tenho em minha defesa a prova testemunhal de todos os elementos da administração da CGD. Nenhum dele teve contactos ou sequer sugestões do Governo que pudesse indicar que houvesse outra preferência.”
  • “A ‘smoking gun’… A arma fumegante está aqui. O despacho do senhor secretário de Estado das Finanças [Carlos Costa Pina], três dias antes da Assembleia-geral, confirmando a abstenção [do Governo sobre a OPA]. Esse despacho é feito em cima de uma informação do diretor-geral do Tesouro, que, por sua vez, confirma a proposta do subdiretor, que recomenda a abstenção”, apontou.
  • “Este papel foi escondido pelo Ministério Público. Está no processo só desde a instrução. É a prova de que é falso o que dizem”, reiterou.
  • “Ligou-me dias antes [da reunião do Conselho de Administração da Caixa Geral de Depósitos] e pediu-me que convencesse a Caixa a votar a favor. Tive a oportunidade de dizer-lhe que a posição do Governo era de estrita neutralidade. No final, aquele que tentou influenciar é o único a acusar os outros de estarem feitos”, afirmou, referindo-se a Paulo Azevedo, à época CEO da Sonae.
  • “A vigilância do Governo era muito importante. A vigilância do Governo que eu liderei tinha melhores instrumentos para o fazer, porque tinha a golden share, que acabou em 2012. Mas o Governo tinha a Caixa Geral de Depósitos, que deixou de ser acionista por decisão do Governo. A desgraça da PT deu-se com a colaboração ativa do governo de Passos Coelho. Saiu para permitir que a PT tivesse o destino que teve: a sua venda. Foi a saída da CGD que levou à concentração dos investimentos no BES. Esta acusação do MP serviu para contar uma mentira política”.

O que disse sobre a Vivo:

  • “Sou acusado de agir em conluio com Ricardo Salgado para chumbar a venda da Vivo e para, segundo compreendo a acusação, poder levar a PT no futuro a fazer uma associação com outra empresa. Esta acusação é tão amalucada que só serve para apagar a primeira”, diz, procurando desmontar a tese da acusação relativamente ao tema da alienação da participação da PT na Vivo, no Brasil.
  • “No fundo, o MP diz que eu agi para que o Governo pudesse fazer aquilo que o Dr. Ricardo Salgado não queria que se fizesse. É a primeira vez na história que isto acontece: um Governo acusado de fingir um discurso público que manteve meses a fio e tendo uma intenção secreta que consistia em querer mesmo vender a Vivo”.
  • “A PT era importante para o mercado nacional. O desenvolvimento faz-se com escala. Se uma empresa é pequerrucha, não se desenvolve. Fui claro?”
  • “Tem alguma prova de que se opunha à venda da Vivo? Sim, prova documental, que foi também escondida. Outro despacho do Governo! Já é o segundo. E é um despacho que ordena ao representante do Estado para se opor à venda da Vivo e antes de ser feita a assembleia-geral”, atirou. “Onde é que está a prova? Não há prova nenhuma. Eles, vírgula, Ministério Público, vírgula, não precisam de provar”.
  • “Isto foi o que aconteceu e eu sou acusado de estar em conluio com Ricardo Salgado. O Ministério Público acusa-me de estar com reservas mentais. Não passa pela cabeça de ninguém”, afirmou, na sequência das explicações de que discordou de Salgado quando este lhe pediu para não usar a participação do Estado contra a venda da Vivo.
  • “O MP acha que eu, entre 2007 e 2010, me dediquei à política de comunicações do Estado brasileiro. Nunca me interessei por isso, isto é absolutamente fantasioso. É um delírio, não posso classificar de outra forma”, adiantou.
  • “Fico com a sensação de que, relativamente à questão do spin-off, as coisas não ficaram completamente esclarecidas. E isso deve-se a uma deficiência minha, não fui feliz na forma de me exprimir. Se a PT tivesse feito uma venda direta em vez de um spin-off, o resultado era o mesmo”, admitiu Sócrates da parte da tarde, depois de um momento mais tenso com a juíza antes da interrupção dos trabalhos.
  • “Se os acionistas tivessem acordado a venda à Sonae teriam recebido 11 mil milhões, com o spin-off ganharam 3 mil milhões. Essa ideia de ter sido feito um spin-off para beneficiar a PT não tem pés nem cabeça. E há ainda outra ideia, a de que os acionistas ganharam dividendos da PT. É uma acusação meio amalucada”, apontou.
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