observador.ptobservador.pt - 8 jul. 18:35

Smartphones proibidos para alunos até ao 6.º ano e uma disciplina de Cidadania renovada. O que muda no próximo ano letivo

Smartphones proibidos para alunos até ao 6.º ano e uma disciplina de Cidadania renovada. O que muda no próximo ano letivo

Ministro da Educação e secretário de Estado explicam as transformações nas escolas a partir de setembro: os telemóveis passam a ser proibidos até ao 6.º ano e a disciplina de Cidadania será renovada.

A partir de setembro deste ano, quando começar o ano letivo 2025/2026, os smartphones passam a estar totalmente proibidos nos espaços escolares para os alunos do 1.º e do 2.º ciclos do ensino básico. Os alunos do 3.º ciclo, por seu turno, também vão ver o uso dos smartphones fortemente restringido nos espaços escolares, ao passo que os alunos do secundário serão convidados a estar envolvidos na definição de regras com vista ao uso responsável dos telemóveis no mesmo ambiente.

O anúncio foi feito esta terça-feira pelo ministro da Educação, Fernando Alexandre, e pelo secretário de Estado Adjunto e da Educação, Alexandre Homem Cristo — numa conferência de imprensa em que foram também reveladas profundas alterações à estrutura da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, no passado marcada por polémicas em torno de desavenças entre escolas e famílias acerca do modo como eram lecionados conteúdos relacionados com a sexualidade e a identidade de género.

A proibição do uso de telemóveis nas escolas foi aprovada em Conselho de Ministros no início do mês e, na ocasião, o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, tinha remetido a explicação dos pormenores das medidas para uma conferência de imprensa posterior por parte do ministro da Educação.

Governo aprova proibição de telemóveis nas escolas e revisão da disciplina de Cidadania, mas adia detalhes

Esta terça-feira, Fernando Alexandre chamou os jornalistas ao Ministério da Educação para apresentar os detalhes destas decisões e para sublinhar como existe “cada vez mais evidência internacional e nacional sobre os efeitos negativos que os smartphones têm nas aprendizagens e nos comportamentos das crianças mais jovens”. No entender do ministro, se existe “evidência empírica” neste sentido, “é obrigação do Estado regular a utilização dessa tecnologia”.

Smartphones proibidos nas escolas para alunos do 1.º e 2.º ciclos

A explicação dos pormenores coube ao secretário de Estado, que recordou que a proibição de smartphones nas escolas já começou no ano letivo passado, sob a forma de recomendação. Em 2024, o Governo recomendou às escolas que proibissem o uso de telemóveis para os alunos do 1.º e do 2.º ciclos, que o restringissem para os alunos do 3.º ciclo e que envolvessem os alunos do secundário na definição de regras para o seu uso responsável. A recomendação incluía, ainda assim, três exceções: para os alunos que, pelo baixo domínio da língua portuguesa, beneficiassem do uso do telemóvel; para aqueles que precisassem do mesmo por questões de saúde; e para o desenvolvimento de atividades em sala de aula, desde que sob controlo do professor.

De acordo com os dados revelados pelo Governo, 79% das escolas do 1.º ciclo e 41% das escolas do 2.º ciclo aderiram à proibição. No caso do 3.º ciclo, 20% das escolas impuseram condições ao seu uso; enquanto no ensino secundário 15% seguiram a recomendação.

Este universo de escolas que implementaram restrições no ano letivo de 2024/2025 permitiu ao Centro de Planeamento e de Avaliação de Políticas Públicas (Planapp) desenvolver um estudo sobre a eficácia das medidas, que corroborou a evidência internacional: a proibição do uso de telemóveis tem um impacto positivo nos comportamentos e nas aprendizagens. A maioria dos diretores das escolas e agrupamentos de escolas (acima dos 60% em todos os ciclos de ensino) considerou que as proibições e restrições contribuíram para reduzir os casos de bullying, indisciplina e confronto físico, ao mesmo tempo que fizeram aumentar o grau de socialização física nos intervalos, de uso de espaços de jogos, de realização de atividade física e de utilização das bibliotecas escolares. Esta perceção dos diretores de escolas é confirmada por dados semelhantes oriundas do inquérito aos responsáveis operacionais das escolas, garantiu Alexandre Homem Cristo, que apresentou aos jornalistas múltiplos gráficos com informações do estudo do Planapp.

Assim, explicou o secretário de Estado, a partir do próximo ano letivo aquilo que eram apenas recomendações vão passar a ser um conjunto de regras obrigatórias: no 1.º e no 2.º ciclos do ensino básico, o uso de smartphones passa a ser totalmente proibido nos espaços escolares; no 3.º ciclo, mantém-se a recomendação de “implementação de medidas que restrinjam e desincentivem a utilização de smartphones nos espaços escolares”; no secundário, é recomendado o “envolvimento dos alunos na construção conjunta de regras para a utilização responsável de smartphones nos espaços escolares”.

As exceções são as mesmas três que na recomendação do ano passado: alunos com baixo domínio da língua, razões de saúde e atividades em sala de aula ou visitas de estudo. Soma-se, porém, uma medida que poderá serenar as preocupações dos pais que estavam preocupados com a possibilidade de não conseguir contactar os filhos na escola: os telemóveis mais simples, mais antigos, sem ligação à internet (habitualmente classificados como dumbphones) estão fora destas regras.

Segue-se agora, como explicaram os governantes, um processo de implementação que começa por reuniões com os diretores das escolas “nos próximos dias”, de modo a clarificar as novas regras e procedimentos e a recolher opiniões. Na sequência dessas reuniões, o Governo vai elaborar um documento com orientações para as escolas. Neste contexto, vão também ser discutidas as boas práticas que emergiram dos focus groups do estudo do Planapp. Por exemplo, para o 1.º e o 2.º ciclo do ensino básico, há a sugestão de investimento em alternativas lúdicas e pedagógicas, de promoção do exemplo por parte dos adultos nas escolas e de manutenção dos smartphones nas mochilas ou nos cacifos.

Manuais digitais só a partir do 5.º ano e com condições

Ainda no âmbito da digitalização do universo escolar, o secretário de Estado Adjunto e da Educação falou sobre os manuais escolares digitais, cujo projeto piloto foi lançado em 2020 sem que se tenha chegado a grandes conclusões sobre o benefício do recurso a estes manuais. De acordo com Alexandre Homem Cristo, a avaliação do projeto piloto não revelou quaisquer efeitos significativos, nem positivos nem negativos, nas aprendizagens dos alunos por usarem manuais digitais — apenas com a exceção da disciplina de História no ensino secundário, na qual se registaram algumas melhorias no desempenho.

Nesse sentido, o secretário de Estado anunciou que, a partir de 2025/2026, os manuais escolares digitais serão proibidos no 1.º ciclo do ensino básico, por se tratar de uma “idade crítica para o desenvolvimento da leitura e da escrita” e também pelo facto de a comunidade científica ainda estar a estudar os “efeitos do uso excessivo de ecrãs, principalmente nas crianças mais novas”.

A partir do 2.º ciclo, porém, o uso dos manuais digitais é permitido, mas com condicionantes e sempre com o envolvimento dos encarregados de educação no processo. A partir do próximo ano letivo, as escolas que quiserem adotar os manuais digitais terão de apresentar ao Governo um documento justificando as razões para o seu uso e o modo como pretendem implementar o projeto, além de que devem aceitar participar na monitorização do projeto. A partir do ano letivo seguinte, estas condições são ainda mais reforçadas, envolvendo a obrigação de um plano de formação, do envolvimento dos encarregados de educação e da garantia de condições técnicas, por exemplo.

Os dois governantes apresentaram, na mesma conferência de imprensa, os moldes da revisão das Aprendizagens Essenciais, linhas-mestras das várias disciplinas do currículo escolar. Além de os textos das Aprendizagens Essenciais serem revistos para serem tornados “mais claros”, serão também introduzidos “descritores de desempenho em todas as disciplinas, assegurando uma referência de avaliação equitativa para todos os alunos”. A ideia é que, em setembro de 2025 estes descritores sejam pré-implementados em 10 escolas por todo o país para avaliar o projeto e para que, em setembro de 2026, seja possível implementar em todo o território e para todos os anos letivos estes descritores de desempenho.

Cidadania e Desenvolvimento vai ter nova organização para evitar “discrepâncias” do passado

Além das questões em torno da digitalização e dos telemóveis, o ministro e o secretário de Estado revelaram os detalhes de uma outra medida que já havia sido avançada por Leitão Amaro na semana passada: a revisão do currículo da controversa disciplina de Cidadania e Desenvolvimento. Sob forte escrutínio desde que, em 2020, eclodiu a polémica em torno da família de Vila Nova de Famalicão que impediu os filhos de frequentar a disciplina por considerar que a educação para a cidadania — nomeadamente os conteúdos que diziam respeito à educação sexual e à igualdade de género — era competência dos pais, e não do Estado.

O caso levou a grande debate público sobre a disciplina, sobre os conteúdos lecionados naquela unidade curricular, sobre a sua obrigatoriedade e sobre o pendor ideológico de algumas das matérias — incluindo aquelas que possam interferir com convicções religiosas ou morais das famílias.

O Governo da Aliança Democrática já tinha prometido que a revisão do programa curricular da disciplina era uma prioridade e, esta terça-feira, o secretário de Estado Adjunto e da Educação explicou que um dos grandes problemas da unidade tem a ver com o facto de não haver um “enquadramento curricular” suficiente. Por isso, no passado, houve fortes “discrepâncias” na maneira como os conteúdos eram lecionados. O facto de existirem, por outro lado, domínios obrigatórios e outros facultativos gerava fortes inconsistências na disciplina entre as várias escolas — ao mesmo tempo que muito da disciplina era deixado ao critério do professor.

Por outro lado, disse o governante, nunca houve uma avaliação externa nacional à disciplina, tal como Portugal nunca participou no ICCS, estudo internacional que avalia o modo como estes conteúdos de cidadania são transmitidos aos jovens — participará, pela primeira vez, na edição de 2027. Alexandre Homem Cristo lamentou mesmo que seja impossível perceber “que mais-valia os alunos estão a tirar da disciplina”.

Como, para a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, não existiam ainda Aprendizagens Essenciais definidas, o Governo decidiu criá-las de raiz, equiparando-a a uma disciplina como as outras. “A disciplina passa a ser como as outras disciplinas”, assegurou, acrescentando que o Governo pretende centrar a disciplina nos valores de cidadania e na vida numa sociedade democrática. A principal transformação é uma reestruturação total dos próprios conteúdos: aquilo que, anteriormente, era um conjunto de 12 domínios obrigatórios e cinco domínios facultativos passa, agora, a ser um grupo de oito dimensões obrigatórias.

Concretamente, a disciplina passa agora a ser composta por quatro dimensões que têm de ser lecionadas em todos os anos de escolaridade, e quatro dimensões que são flexíveis e têm de ser lecionadas pelo menos uma vez em cada uma das três fases do ensino obrigatório: uma vez no 1.º ciclo, uma vez no 2.º e 3.º ciclos e uma vez no secundário.

As primeiras são os direitos humanos (promover cultura de direitos humanos, liberdade e igualdade), a democracia e instituições políticas (conhecer as instituições democráticas e refletir sobre cidadania ativa, democracia, ética e integridade na governança), o desenvolvimento sustentável (promover a melhoria da qualidade de vida, atendendo às necessidades das atuais gerações e das gerações futuras) e a literacia financeira e empreendedorismo (fomentar conhecimentos e atitudes para análise crítica, tomada de decisões e criação de valor económico, financeiro e social).

As quatro dimensões flexíveis são a saúde (incentivar bem-estar físico e mental), os media (estimular uso crítico e seguro das tecnologias de comunicação, promovendo uma cidadania informada), o risco e segurança rodoviária (ensinar avaliação e minimização de riscos, promovendo autoproteção, mobilidade segura e cultura de prevenção) e o pluralismo e diversidade cultural (promover diálogo para a coexistência pacífica e cooperação entre diferentes culturas na sociedade portuguesa, no respeito dos valores constitucionais).

Alexandre Homem Cristo exibiu também aos jornalistas um quadro que mostra a correspondência entre os antigos domínios e as oito novas dimensões da disciplina. Por exemplo, o domínio da educação para a sexualidade surge agora dentro da dimensão da saúde, enquanto a igualdade de género está enquadrada nos direitos humanos e no desenvolvimento sustentável. O secretário de Estado defendeu ainda que a comunidade escolar e as famílias devem ser envolvidas na definição das linhas orientadoras da educação para a cidadania no agrupamento de escolas — um sinal que o Governo parece querer dar na sequência das polémicas anteriores que envolveram fortes discordâncias de famílias em relação aos conteúdos da disciplina.

Questionado sobre o modo como as famílias vão efetivamente ser ouvidas, Alexandre Homem Cristo explicou que há duas formas essenciais para esse envolvimento: por um lado, através do Conselho Geral das escolas, que inclui representantes dos pais e encarregados de educação, na definição da estratégia de educação para a cidadania do agrupamento ou da escola; por outro lado, através do conselho de turma, com a intervenção dos representantes dos encarregados de educação, na elaboração dos planos para a turma.

“Um dos aspetos essenciais, além das dimensões temáticas, tem a ver com as entidades que vão ser ouvidas”, sublinhou Homem Cristo. “O feedback que tivemos é que as famílias eram surpreendidas com atividades que aconteciam no âmbito da disciplina.” Ainda assim, assinalou o secretário de Estado, os pais não terão possibilidade de alterar o currículo ou as aprendizagens essenciais da disciplina — apenas sugerir e dar opiniões sobre entidades externas, atividades e outras formas de dar corpo à disciplina nas aulas. “Não estamos a falar de uma decisão que os pais tomem e que se sobreponha à do professor”, esclareceu.

O ministro Fernando Alexandre também interveio neste assunto para sublinhar que no passado houve situações que geraram “alarme” entre alunos e famílias e que “é preciso ser claro sobre as regras” que regulamentam a intervenção de entidades externas às escolas no âmbito desta disciplina. “As crianças chegavam a casa e diziam ‘esteve lá alguém a falar sobre isto’”, sem que as famílias soubessem, sublinhou Fernando Alexandre. “É preciso acabar com isso.”

Qualquer entidade que possa “acrescentar aos objetivos” da disciplina poderá ter lugar nas aulas de Cidadania e Desenvolvimento, disse o ministro, dando novamente exemplos em torno da segurança rodoviária e da literacia financeira, onde entidades como a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) podem ser fundamentais para contribuir para o sucesso das aulas. “Se não estivermos alinhados nestes objetivos, então o que está em causa é a existência da disciplina. E, para o Governo, não está”, assegurou o ministro, sublinhando que tem recebido vários contributos no sentido de acrescentar ainda mais conteúdos à disciplina.

Questionado sobre exemplos dos tais relatos de situações de alarme, Fernando Alexandre disse não querer dá-los, mas lembrou que houve casos reportados à Provedoria de Justiça e assinalou que foi graças a esses casos que houve “discussão em torno desta disciplina”, o que já foi “positivo”, porque a disciplina não era tratada como devia.

Questionado sobre se esta alteração — que muda a estrutura, mas não altera a substância dos temas tratados na unidade curricular — tornará a disciplina menos polémica do que no passado, nomeadamente no que toca às questões relacionadas com a sexualidade, a identidade de género e outras matérias que geraram polémica no passado, Fernando Alexandre sublinhou que as aprendizagens essenciais serão incluídas na consulta pública da nova Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania.

Apesar de os temas da sexualidade serem mais tratados “na disciplina de biologia”, a Cidadania e Desenvolvimento terá espaço para discutir, por exemplo, doenças sexualmente transmissíveis e comportamentos seguros. “A igualdade de género para nós não é polémica e mantém-se nas aprendizagens essenciais”, sublinhou. “A polémica surgiu mais em torno das questões de identidade de género, tem de ser tratado com muito mais cuidado pela sua complexidade. É importante ter pessoas que estão preparadas para falar sobre essas coisas. Essa não é uma questão.”

Críticas ao Chega por leitura de lista de nomes de crianças

Já na fase final da conferência de imprensa, o ministro da Educação foi questionado sobre a recente polémica em torno do vídeo divulgado pela deputada do Chega Rita Matias nas redes sociais, no qual surge a ler integralmente uma lista de nomes de alunos de uma escola pública — muitos deles nomes estrangeiros, procurando denunciar uma suposta transformação cultural do país devido à imigração. O número seria, depois, repetido por André Ventura no Parlamento, atraindo fortes críticas — e, na Rádio Observador, Rita Matias afirmou que o Chega não verificou sequer a veracidade da lista.

O ministro lembrou que o Governo tem feito um extenso trabalho “pela integração dos imigrantes nas escolas portuguesas” e que recentemente visitou escolas no Alentejo e Algarve com projetos específicos para esta realidade. “Para nós isto é riqueza, diversidade cultural, é uma dimensão importante da cidadania”, sustentou. “Só posso lamentar este tipo de intervenções”, disse Fernando Alexandre. “Quando ouvi aquilo pensei ‘pronto, o que querem salientar é um aspeto que para nós é positivo, a diversidade’. Claro que coloca desafios, temos de aumentar vagas. O nosso país está a crescer, tem mais crianças, temos de conseguir integrá-las. Sempre no respeito pela nossa constituição.” “Quanto aos nomes, alguns deles eram muito bonitos”, rematou o ministro.

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